Carta ao director do Público

Pelos vistos, o Público caiu outra vez nas vendas e não acerta com o mercado a que se dirige.

Pois bem. Compro o Público desde o primeiro número que me desiludiu logo nessa altura, pois esperava um jornal mais aberto às realidades das notícias que o Jornal de Notícias então fazia. Esperava então do Público um jornalismo real, de rua e não de cadeira ou poltrona, do tipo que alguns tipos ainda faziam. Já aqui citei, várias vezes, um jornalista sem peneiras e com muita classe chamado Aurélio Cunha. Porque é que o cito- já o conhecendo pessoalmente- e não me lembro de mais nenhum?
Pela simples razão de me parecer o símbolo do jornalismo que já não há. O jornalista Aurélio Cunha, chegou a investigar factos concretos de casos concretos e falava com as pessoas, procurando ligar factos a realidades e pessoas a acontecimentos. Em poucas palavras, procurava perceber o assunto sobre que ia escrever e não costumava atabalhoar notícias para colocar cachas de primeira página. Em certo sentido, estava nos antípodas do jornalismo tipo Independente de Portas, MEC, Helena S. Osório e Inês Serra Lopes. Todas estas personagens do jornalismo luso, acantonaram-se em lugares esconsos que o actual ministro Santos Silva diria da sarjeta. Desvirtuaram à sua maneira o jornalismo de qualidade, em função da pressa, da avidez de notícias e de cachas para encher papel moeda. Dizem que terão feito jornalismo de causa. Provavelmente sim, manifestamente não.

Voltando ao Público, este tipo de jornalismo, ainda vai vicejando numa ou noutra reportagem, mormente aquelas que vieram recentemente a lume, por causa da Independente, das habilitações do primeiro ministro e dos negócios, com e Estado, de alguns apaniguados. Mas é um jornalismo que tende a desaparecer ou pelo menos não marca a agenda diária do Público. Sendo meramente episódico, por vezes suscita algumas suspeitas de motivações obscuras e dá azo a comentários dos visados que não abona nada a favor do jornalismo independente e separado do poder político.

Sendo assim, qual a razão do declínio progressivo do Público e como é que me atreveria a dar razões para ultrapassar a crise do (ainda) melhor diário português?

O declínio, quanto a mim, está na direcção, quero dizer na linha editorial seguida de há alguns anos a esta parte.
Se o Correio da Manhã ou o Jornal de Notícias, se destinam a um público que pretende ler as notícias e os pormenores sobre os casos de faca e alguidar e ainda os que abalam os telejornais, sobre o mundo judiciário, por que razão o Público continua a manter como repórteres, pessoas que já deram sobejas provas de falta de isenção, noticiando acontecimentos, intrometendo palpites avulsos e pessoais que desvirtuam o sentido das coisas que o leitor pode aquilatar por si, através de outras vias de conhecimento?

As notícias do Público, muitas vezes carecem de densidade informativa. Explico: ontem, a primeira página dava conta da notícia de que o Governo incentivaria funcionários públicos a denunciar a corrupção. Lá dentro, na pág 12, três colunas em nem sequer meia página, procuravam explicar o que era o tal guia de boas práticas. O artigo assinado por Paula Torres Carvalho não dava a ninguém, muito menos aos leitores do Público que frequentaram escolas e sabem ler alguma coisa, a noção exacta do guia e do significado do mesmo. Em algumas frases desgarradas, percebe-se que a autora não percebeu o assunto, nem deu a perceber ao leitor.
Exemplos destes são diários e repetidos, num declínio acentuado na qualidade exigível a um jornal de referência.
O Público, para sobreviver tem que ser melhor que os seus leitores e dar-lhes a conhecer aquilo que eles não sabem! Só isso justificará que o continuem a ler e comprar.
Poderia continuar com os exemplos práticos, mas fico por esse.
Na edição de hoje, o assunto transversal é a liberdade de imprensa e de informação. A ideia geral que perpassa nas notícias e comentários, é a de tentativa de arreata por banda do poder político. Pois bem! Estude-se melhor o assunto. Aprofunde-se o mesmo. Convidem-se peritos e entrevistem-se conhecedores.
A matéria é tão escorregadia que qualquer notícia, sem consistência devidamente embalada, foge do controlo de quem a solta e torna-se…inócua.
O jornal, hoje, Sexta-feira, traz dois ou três suplementos. O de Economia que é dispensável. O Ípsilon que não presta por aí além e deveria ser reformulado. A cópia da net, por vezes é demasiado aflitiva e nunca traz referências como deveria. Neste aspecto, é uma vergonha. Ponham alguém a consultar a net, sobre o que querem escrever e citem os sítios! Duas páginas chegavam! O melhor ainda são as fotos, vá lá. O Inimigo Público que se alarga em páginas repetitivas com o mesmíssimo tipo de humor que de tão previsível e estereotipado, poderia muito bem reduzir-se a meia página com efeitos de riso mais assegurado.Poupem as meninges! Ninguém quer rir tanto de tanta coisa!

No capítulo dos comentários, nada a assinalar. Está bem assim. No aspecto gráfico, idem. Melhorou em relação ao anterior.
Em resumo: mudem o estilo de jornalismo. Sejam mais autênticos e consistentes. Procurem a realidade e não inventem realidades paralelas. Arranjem urgentemente quem faça o que os jornais americanos fazem: fact-checking. Assegurem-se que o que escrevem não traz lapsos graves, noções erradas ( um crime público não é aquele cuja investigação é obrigatória, mas o que não depende de queixa para se investigar), informações factualmente incorrectas, desinformação.

Por hoje é tudo, senhor director.

Publicado por josé 19:40:00  

1 Comment:

  1. pandacruel said...
    O Público, além de agradecer, devia reproduzir o texto em apreço - assim, sim. Contribuir para salvar o Público faz parte do exercício do bem comum que ainda se pode praticar...

Post a Comment