Anomias políticas

Primeiro foi a notícia de primeira página, de 12.3.2007, do Diário de Notícias dirigido por João Marcelino, o putativo fautor do sucesso do Correio da Manhã, junto do leitorado.
A notícia era devastadora para a imagem do Governo, laboriosamente construída ao longo de meses de spin assessorado: “Governo efectuou 2773 nomeações em dois anos”. E ainda, Primeiro-ministro tem 13 adjuntos, 19 assessores, 15 secretárias e sete motoristas." A notícia refere-se à actualidade, do ano de 2007...
A mensagem que passava, era a realidade: o governo actual que pede sacrifícios ao cidadão comum, nomeia pessoal que se farta e faz como o frade Tomás.

Esta mensagem, aparece ao mesmo tempo que uma outra, com o selo de autenticidade de um tribunal de Contas, renovado por um socialista nomeado que ainda assim jurou a independência exigida.
O tribunal de Contas, além disso, é um Tribunal que entra na orgânica geral do nosso poder judicial, tal como definida no artigo 209º da Constituição e sustenta os mesmos princípio referenciados no artigo 202º: a independência e a especial atribuição de administrar justiça em nome do povo, na defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
O relatório do Tribunal de Contas em análise e em crise, refere-se ao resultado da auditoria às despesas dos gabinetes governamentais, num triénio: 2003, 2004 e 2005.

As inevitáveis comparações suscitaram as notícias desprimorosas para o actual governo, ferido na fachada da sua susceptibilidade, logo que se escreveu no relatório difundido que este governo tinha feito 148 nomeações para o gabinete do primeiro ministro. A verdade governamental fixara em apenas 53 , as nomeações da imagem da desgraça. O pormenor, era de relevo e mesmo com alguma distorção, poderia surtir efeito se fosse aclarado, para demonstrar a incompetência de um tribunal e a má fé dos que pretendem beliscar a suprema competência e eficádia deste governo constitucional.

Tal disparidade, deu azo a críticas públicas, pelos visados no governo, destacando-se até neste exercício, o próprio primeiro-ministro. Havia o pormenor...a fazer lembrar o papel das propinas, mostrado como prova de autenticidade de frequência do ensino...

O Governo, sob a chancela do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministro, na batuta de um inefável e inoxidável Jorge Lacão, durante anos e anos, presença permanente nos corredores da Assembleia da República, no Largo do Rato e noutros locais socialistas, tinha já respondido em Dezembro de 2006. Fizera-o no "contraditório" a um relatório preliminar do mesmo tribunal, presidido durante quatro anos, por um outro socialista, habituado aos mesmos lugares e cuja nomeação suscitou controvérsia.
A resposta-ofício, em modo de “competente contraditório”, datada de 27 de Dezembro não deixa de suscitar também algumas perplexidades formais: “Sem embargo não deixa o Governo de exprimir ao Tribunal de Contas o seu melhor empenhamento e disponibilidade para a cooperação construtiva, sempre exigível em quem se esforça por contribuir para aperfeiçoar o fuincionamento e as práticas da Administração Pública”. Foi assim, o modo como o inefável Jorge Lacão entendeu, endereçar ao Tribunal de Contas, a sua resposta-contestação-contraditório em que elencava depois, várias “confusões”, “insuficientes dilucidações” e “incorrecções de avaliação”, para concluir pela geral “deficiência analítica” do mesmo tribunal na auditoria ás despesas dos gabinetes.
Essa resposta, ainda assim, não foi suficiente para que o relatório publicado em Abril, deixasse de merecer mais críticas do Governo, porque os números como o algodão do anúncio, pareciam não enganar e a imagem impoluta do governo saía beliscadíssima.
Em Abril de 2007, o Governo, perante a divulgação do Relatório, requereu ao TC, aquilo que em linguagem jurídica se chama uma aclaração do Relatório, sustentado argumentos que desfizessem a imagem passada para a opinião pública de que o Governo tinha sido despesista, ao contrário do repetidamente afirmado. “Qualquer labéu despesista é efectivamente inaplicável ao Governo”, diz a comunicação de pedido de aclaração, no qual reafirma a “ melhor disponibilidade para a cooperação institucional, no respeito pela autonomia e separação de funções”. Acrescenta ainda que “ O XVII Governo Constitucional espera do Tribunal de Contas a devida ponderação destes elementos, tendo em conta os efeitos de um Relatório de Auditoria que, com insuficiente tratamento da factualidade disponível e insuficiente distinção da natureza das coisas, acarretou um objectivo episódio de desinformação da despesa pública sob a égide de um Governo que, patentemente, tem feito do rigor orçamental um desígnio da sua actuação."

Afinal, que disse o Tribunal de Contas, na resposta à aclaração requerida pelo Governo?
Aclarou agora que “todos os números constantes dos quadros (…) constam de listas nominativas, exaustivas quanto ao respectivo conteúdo, preparadas e elaboradas e posteriormente corrigidas na presidência do Conselho de Minsitros, ente 25.8.2006 e 23.10.2006.”
Diz ainda que nos documentos da Presidência do Conselho de Ministros, referidos especificamente ao Gabinete do Primeiro Ministro, constavam 148 indivíduos, expressa e literalmente considerados, pela dita Presidência do Conselho de Ministros, como “pessoal do quadro e além quadro do Gabinete do Primeiro Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa”.
Refere ainda, outra coisa muito importante: Se erro houvera, tal ficaria a dever-se exclusivamente aos serviços da actual Presidência do Conselho de Ministros e ainda salientou que se agora essa Presidência viera corrigir dados relativos ao Governo actual, não poderia omitir correcções aos outros Governos abrangidos pela Auditoria, como acontecera.
Desmentiu ainda, categoricamente, a alegada “confusão”, referida pelo inefável Lacão e refutou os termos do pedido de aclaração do Governo que afirmava em tonalidade de linguagem política, a ocorrência de um “objectivo episódio de desinformação ".

Os jornais, de ontem e hoje, tratam este assunto de um modo curioso.
O Expresso, “O TC não muda relatório”, e no artigo assinado por dois (!) jornalistas anuncia-se que o TC decidiu não rectificar o relatório e endossa toda a responsabilidade pela informação incorrecta, ao próprio Governo. Ainda assim, relata as diligências do inefável Lacão, para “minimizar os danos políticos”, acrescentado que “é possível que a guerra acabe aqui”.
No Sol, duas jornalistas (!) escreve-se que “Tribunal de Contas diz não a Sócrates”, para explicar que Sócrates pediu uma “rectificação” com o argumento de que “só contratara 46 pessoas, tendo enviado uma lista corrigida, com a indicação de quem está a trabalhar consigo”.
A Auditoria, lembre-se, é restrita ao triénio 2003, 2004 e 2005. Estamos em 2007…
No Público, ontem, uma jornalista, escrevia um pouco mais. Dizia que “Tribunal de Contas rejeitou “erros”, na auditoria sobre gabinetes ministeriais”. “Responsabilizando o Governo, o tribunal rejeita críticas, regista novos dados sobre o número de assessores e mantém críticas à falta de controlo na despesa”.
No Portal do Governo, estão disponíveis as diversas posições institucionais do Governo, nesta matéria.
Ontem, o Primeiro Ministro, numa declaração para a televisão, no decurso de uma feira, em Beja, disse, para toda a gente ouvir bem, que estava satisfeito com a deliberação do Tribunal de Contas, aprovada, na terça-feira passada, sobre o Relatório e sobre as nomeações e despesas governamentais. Cinismo maior, será difícil de encontrar em matéria política.
José Sócrates salientou um aspecto de relevo no que interessa à imagem do Governo. De uma eficácia a toda a prova, disse simplesmente que “o que pretendia está conseguido” e que era demonstrar que apenas fizera 53 nomeações para o seu gabinete, em vez das 148 anunciadas.
Foi esta a mensagem que passou e a imagem que fica, é de que o Tribunal de Contas errou as contas e fez má figura. Mas…fez mesmo?

Quem ler os jornais, não fica a perceber muito bem o que se passa. Percebe que há uma discrepância. Percebe que o Tribunal de Contas teve que aclarar um Relatório, mas nem se dá conta dos contornos legais que tal aclaração significa. Pela leitura dos jornais, que falam em “rectificação”, seria uma espécie de resposta à tutela. O Tribunal de Contas, é apresentado como uma espécie de tribunal, o que é notório dos ofícios do inenarrável Lacão.
Para o Governo, o TC é mesmo uma espécie de tribunal, pratica e objectivamente incluído no âmbito dos “órgãos de supervisão” sobre os quais o Governo tem alguma espécie de tutela, porque tem palavra a dizer na nomeação dos juízes presidentes.
É óbvio que o inenarrável Lacão sabe que assim não é nem pode ser. Mas o timbre dos ofícios, para além da incrível pesporrência institucional, trata o TC como se fosse um departamento da A.R. em que o incrível Lacão percorreu os seus anos incríveis. No seu perfil profissional,no portal governamenta, apresenta-se como "advogado". Advogado?!

Por outro lado, é sabido que os jornais representam uma fatia do leitorado, relativamente pequena. A televisão representa mais o eleitorado do que o leitorado e é aí, na pantalha dos milhões que os assuntos de decidem, em termos de imagem e comunicação.
O primeiro ministro José Sócrates, um sem-vergonha que pretende passar incólume por cima de uma trapalhada inominável e não esclarecida, sobre os seu percurso académico, mais uma vez, se serve da pantalha dos milhões para confundir a opinião pública.
Até quando estas mentiras sucessivas e sem remissão, farão o seu curso, com plena impunidade?
A reacção dos partidos é sintomática da anomia reinante:
Miguel Macedo, pelo PSD, ouvido pela mesma televisão e usufruindo do mesmo espaço de esclarecimento, perde-se em justificações platónicas. O líder do BE, aponta um trocadilho inócuo para a falta de vergonha, reduzindo tudo a uma questão de contas e contabilistas.
Restam os blogs. Que audiência têm os blogs? Mínima. Sem qualquer efeito de beliscadura na imagem falsa de um primeiro ministro com total falta de vergonha. Sem paralelo na União Europeia.

Publicado por josé 14:32:00  

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