Uma história americana


Tal como prometido, a Grande Loja começa hoje uma série de retratos personalizados das figuras que se perfilam para a corrida presidencial norte-americana.

Com uma periodicidade variável, mas que deverá manter-se entre as três semanas a um mês, faremos actualizações ao que for acontecendo: é que as movimentações já começaram e há candidatos declarados. Do lado democrata, o antigo senador pela Carolina do Norte e candidato a vice-presidente em 2004, John Edwards, confirmou ontem que será candidato e que começará a sua longa caminhada já depois do Natal, em Nova Orleães.

O governador do Iowa, Tom Vilsack, também é candidato, sendo que Evan Bayh, senador pelo Indiana (que começou a posicionar-se ainda em 2005), já garantiu que não vai avançar, deixando em aberto que apoiará Hillary Clinton ou Barack Obama.



E é, precisamente, de Obama que iremos falar hoje. Este brilhante advogado negro, de 45 anos, é o mais jovem pretendente à Casa Branca, entre os nomes que se perfilam com mais hipóteses e é, justamente, por esse factor de novidade que decidimos iniciar este série de biografias com um nome que, estamos certos, vai ser um dos mais falados na batalha americana, nos próximos dois anos.

Barack Hussein Obama nasceu a 4 de Agosto de 1961, no Hawai. É casado com Michelle e tem duas filhas (Malia, de oito anos, e Sasha, de 4). Filho de um queniano, com o mesmo nome, e de uma norte-americana branca, do Kansas, Ann Dunham, Barack corporiza uma típica história americana: ele é um produto de uma mistura, um símbolo do melting pot da Terra da Liberdade, um descendente de escravos que, contra todas as previsões, poderá ascender ao cargo mais poderoso do Mundo.

A cor negra (mas não excessivamente, o que pode vir a ser importante para explicar alguma especificidade deste candidato) é herdada do lado paterno, mas a verdade é que Barack quase não conheceu o pai. Vítima de perseguições racistas que ainda eram dominantes na América dos anos 60, Barack Obama-pai acabou por abandonar a Universidade do Hawai, onde conheceu Ann, e voltou para o Quénia.

O pequeno Barack tinha apenas dois anos e foi criado pelos avós maternos. Mais tarde, foi viver para a Indonésia, com Ann e o padrasto, mas voltou para os EUA, onde se licenciou em Ciências Políticas e Relações Internacionais, na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, tendo-se doutorado em Direito, em Harvard, nata da nata das Universidades americanas, onde fez história ao ser o primeiro negro a presidir ao Harvard Law Review (terá sido premonição para o que poderá acontecer na Casa Branca?).

Já nessa altura, em 1991, Barack distinguia-se por uma linha de rumo que mantém hoje em dia, no Senado, numa imagem de marca que lhe pode valer um lugar de destaque nas primárias do Partido Democrata: destoando do registo dominante dos políticos negros, Obama não tem um estilo demasiado agressivo. Prefere falar aos corações dos americanos, adoptando um discurso conciliador, mas enérgico, corajoso, mas positivo.

Assume, sem receios, a sua condição de negro, sabe, aliás, que ela, em determinados contextos, até o ajuda no seu percurso político, mas não faz dessa condição o tema dominante: deste modo, consegue uma abrangência muito maior do que outros líderes negros do Partido Democrata, como Jesse Jackson ou Al Sharpton.

Por outro lado, é indesmentível que o facto de ser negro tem ajudado Barack a escalar a barreira do estrelato: no complicadíssimo espaço mediático norte-americano, Obama tem sabido valer-se do facto de ser o único negro de um Senado marcadamente White-Male, mas o seu golpe de asa é obtido com um discurso que toca a um eleitorado muito mais vasto.

A receita mostra-se muito, muito forte: sendo do Partido Democrata, terá o eleitorado negro esmagadoramente do seu lado, numa futura disputa com o nomeado republicano; mostrando-se moderado e responsável, afasta os argumentos (que certamente aparecerão em força, caso consiga a nomeação do Partido Democrata) daqueles que agitarão a bandeira de ser perigoso para a União dos EUA eleger, em 2008, um negro para Presidente.

Essa é, obviamente, a quadratura do círculo que Barack terá que vencer: mesmo aqueles que não temem a eleição de um negro poderão pensar – mas não será cedo demais?

Com Obama a subir em flecha nos estudos de opinião, essa pergunta já foi feita. E os resultados são surpreendentemente positivos: uma sondagem feita pela Newsweek mostra que 93 por cento dos americanos votaria num negro, se ele fosse o candidato nomeado pelo seu partido. Quatro por cento mostram-se indecisos, e só três por cento estão frontalmente contra essa possibilidade.

Curiosamente, os números não são tão animadores no caso de o candidato ser uma mulher: ainda que a maioria seja favorável, ela desce para 86 por cento. Será este um dado a ter em conta para o Partido Democrata, na hora de escolher entre Hillary e Obama? Será que estes números abrem possibilidades para nomes como Edwards ou Gore? Só os próximos meses o dirão.

Mas voltemos ao fantástico percurso de Barack Obama. Já com o doutoramento em Harvard, trocou uma carreira académica que tinha tudo para ser brilhante pelo trabalho a favor dos direitos cívicos, em Chicago, cidade onde vive há 14 anos, desde que casou com Michelle. O seu exemplo inspirador tornou-o numa figura popular e respeitada no estado do Illinois. Mas só em 1996, há apenas dez anos, decidiu entrar na política, tendo sido eleito para o Senado estadual do Illinois.

Quatro anos depois, concorreu pela primeira vez a um cargo nacional, mas perdeu a eleição para a Câmara dos Representantes. Por ironia do destino, faltaram-lhe os votos dos… negros, que consideraram que Barack não tinha um discurso digno de um negro, parecendo-lhes ser demasiado brando ao falar da luta pelas minorias raciais. Ora aqui está um aviso daquilo que poderá vir a ser um dos problemas de Obama: como resolver esta contradição?

A verdade é que o carisma de Barack acabou por se impor, ao ser eleito para o Capitólio, em 2004. Na corrida pela vaga no Senado em representação do Illinois, Obama arrasou ao conquistar 70 por cento dos votos, vencendo em todos os condados. O seu rival republicano, Alan Keyes (também negro), declarou, na hora da derrota: «Reconheço que perdi para um grande candidato. É quase impossível conhecer Barack e, depois, não votar nele».

Era a confirmação da estrela ascendente de Obama. Meses antes dessa eleição, Barack foi um dos trunfos da Convenção Democrata que selou a investidura de John Kerry às presidenciais de 2004. O discurso de Obama foi dos mais elogiados de todo o certame e só perdeu nas atenções mediáticas para as intervenções do candidato nomeado, de Bill Clinton e de Hillary Clinton. Estava completado o caminho: Barack, um advogado negro na altura com apenas 43 anos, tinha chegado ao star system da alta política americana.

No dia seguinte à derrota de Kerry, em Novembro de 2004, começaram a surgir, de forma espontânea, as possibilidades dos democratas para 2004: Hillary foi o primeiro nome falado, Edwards o segundo, mas houve uma mini vaga de fundo que apontava para… Barack Obama. O senador apressou-se a garantir que ainda era muito cedo para sonhar com a Casa Branca. Mas, surpreendentemente, mudou de ideias há poucos meses, talvez depois de conhecer algumas pesquisas que o colocavam como o mais forte rival de Hillary, nas primárias democratas.

Nos blogues e nas revistas da especialidade, Barack Obama é um dos temas do momento na política americana. E a verdade é que mesmo os seus adversários falam dele com respeito. Eles sabem que não se deve subestimar um político com a dimensão de Obama, que junta carisma com consistência.Quem o admira coloca-o no topo das expectativas: se não for agora, se a vantagem de Hillary se revelar inultrapassável, Barack tem tudo para ser o front-runner em 2012 (ou em 2016, se Hillary conseguir a Casa Branca em 2008).

O tempo corre a favor de Barack, o ‘abençoado’ (como o termo africano que lhe dá o nome). Os números das várias sondagens são claros: desde que o senador pelo Illinois admitiu que está a ponderar uma candidatura à presidência, Obama saltou para o segundo lugar da corrida democrata. É certo que muito atrás de Hillary Clinton (algures entre 15 e 25 por cento atrás), mas claramente à frente de John Edwards, Al Gore e John Kerry, algo que parecia impossível há cerca de dois anos.

Quererá isto dizer que os democratas estão cansados de perder e estão na disposição de arriscar, a ponto de investirem uma mulher ou um negro? Parece que sim. Kerry e Gore já tiveram a sua chance – e perderam para um político com as limitações de George W. Bush. John Edwards já tentou e perdeu para John Kerry, a quem mais tarde se juntou, ficando também manchado com a derrota de 2004.

Todos estes sinais são muito claros: as primárias dos democratas devem ter um duelo inesperado, mas muito, muito interessante: Hillary Clinton «vs» Barack Obama, uma tendência reforçada pela «cover story» da Newsweek com o título: «Is America Ready?» A pergunta era mesmo essa: estará a nação preparada para ter um Presidente-mulher ou Presidente-negro, depois de 220 anos de monopólio white-male?

Barack vai dizendo que não quer ser o «anti-Hillary» e até admite que, num duelo nacional com John McCain, será fácil que o senador pelo Arizona, e veterano de guerra, o acuse de «falta de experiência para ser Presidente».

Mas é precisamente esse paradigma que Obama pode mudar: não será que a América anda a precisar de respirar ar fresco?

Os próximos dois anos prometem – e de que maneira. A próxima biografia será dedicada a Mitt Romney, o governador do Massachussets, que aparece em terceiro lugar nas preferências dos republicanos, logo atrás dos dois mais fortes candidatos: John McCain e Rudy Giuliani.

Publicado por André 02:06:00  

5 Comments:

  1. Adriano Volframista said...
    Um panegírico interessante mas que demonstra uma grande falta de rigor:

    O pai do Barack, igualmente Barack era queniano, trocou o Hawai por Harvard e voltou ao Quénia onde prosseguiu uma carreira professional nesse país.
    Não foi perseguido, nem foi devido a pressões que voltou ao seu país natal, onde é filho de soba.
    Além de demonstrar uma grande falta de interesse pelo filho, (só o viu uma vez,)dedicou-se a espalhar descendência por esse mundo fora, sabe se de, pelo menos uma irmã, de Barack, a viver no Reino Unido.
    O ponto mais importante na carreira inicial de Barack não é o Doutoramento, mas o facto de ter sido o primeiro presidente negro da associação de estudantes de direito de Harvard, algo que escamoteia no seu artigo e que é de importãncia primordial.
    A sua curta carreira no Senado, não permite avaliar o desempenho, mas podemos desde já dizer que, as votações onde tem participado, está muito mais próximo da ala esquerda dos democratas, uma espécie de Mcgovern/Howard Dean negro, do que do centrismo que ganha eleições.
    Para já, vai ser afectado por um escândalo financeiro relativo à compra da sua actual casa avaliada em 1.6 milhões de dólares. Os contornos são semelhantes ao do caso "Whitewater".
    Alem disso, em campanha, se se apresentar ás próximas presidenciais, vão recordar que o seu outro apelido é "Hussein", como o de Sadam, algo que não cai bem no eleitorado, nesta época conturbada.
    De todos os modos, contra Guilliani ou Mcain não tem qualquer hipotese, o mesmo se passa com Hillary Clinton.
    Nem sequer é um problema de ser cedo ou tarde, como sucede com todos os anti americanos, esqueçem-se que foram os republicanos que nomeram o primeiro Secretário de Estado negro e imigrante da história do EUA, e a primeira negra e solteira para o mesmo cargo.
    Veja lá se em Portugal, o Francis Obikwelu poderia ser alguma vez Ministro dos Negócios Estrangeiros????

    Cumprimentos
    Adriano Volframista
    André said...
    Ao Adriano Volframista:

    agradeço os acrescentos que colocou à história do pai de Barack que, de facto, não conhecia.

    Já em relação ao posicionamento de Barack Obama na ala esquerda do Partido Democrata, estou em claro desacordo. Verá que, durante a campanha, Barack adoptará uma linha centrista, com um discurso moderado e conciliador.

    Quanto a um duelo com McCain ou Giuliani, os números até agora são claros: os dois batem, neste momento, qualquer opositor democrata, tal como referi no post anterior a este, sobre as eleições de 2008. No entanto, lembro que, nos casos de Hillary, Obama e, mais recentemente, também de John Edwards, as diferenças deixam em aberto um cenário de reviravolta. Não se esqueça que ainda faltam dois anos para a eleição...

    Um abraço,
    André
    Adriano Volframista said...
    André

    Apenas as notas seguintes.
    Em 2008 O PROBLEMA chama-se Iraque e como sair sem que impluda o país e a região vizinha.
    Bush Junior fechou as pontes do diálogo e até ao final do próximo ano vai ficar sem o aliado de estimação. Durante o ano de 2007, o seu mandato, vai-se pareçer-se cada vez mais com Lyndon Johnson. Nem o próprio pai concorda com ele.
    Como em 1968 os americanos vão ter de escolher entre alguêm que tem experiência de gerir crises, ou, em alternativa, um heroi mártir de guerra, (respectivamente Guilianni e Macain) e um peso pluma qualquer sem cadastro histórico de nomeada ou com um flop legislativo enorme; (respectivamente todos os outros candidatos, independentemente do partido que sejam, e Hillary Clinton).
    O partido democrata vive muitíssimo bem com um presidente de cor diferente, sempre e quando detenha a maioria das Câmaras. Foi assim durnate mais de 20 anos e ainda estão vivos muitos dos protagonistas dessa época.
    Acresçe que, ao contrário do que supõe, os democratas não têm uma posição, nem clara nem consensual sobre a solução Iraque, pelo que, sempre é melhor que seja um republicano a limpar a porcaria que outro republicano fez.
    Nesse sentido, o futuro é previsível.
    Cumprimentos
    Adriano Volframista
    André said...
    Ok, é a sua visão e, em parte, até concordo com ela.

    Chamo, no entanto, a sua atenção para os números dos últimos dias, sobretudo para a sondagem da CNN (feita entre 15 e 17 de Dezembro, fresquinha, portanto) que põe Hillary, pela primeira vez, à frente de Giuliani(48/46) e empatada com McCain (47/47). Obama fica a apenas quatro pontos de McCain (43/47) e a sete de Rudy (42/49) e, surpresa das surpresas, Al Gore surge à frente de McCain (47/46) e empatado com Rudy (46/46).

    É óbvio que todos os outros números fazem com que concorde com a ideia de McCain e Giuliani são os candidatos mais fortes mas, como se vê, a eleição está em aberto. Falta saber que temas serão decisivos daqui a ano e pouco. De acordo que um deles será o Iraque e isso favorece McCain (veterano de guerra, patriota) e Rudy (herói do 11 de Setembro).

    Vamos ter muito mais oportunidades para trocar ideias nos próximos tempos.

    Um abraço,
    André
    Adriano Volframista said...
    André

    Apenas mais um comentário:
    A tese de novidade, que não está descartada, pode tornar-se realidade.
    Num cenário em que o Iraque esteja controlado, (i.é, que as forças americanas se retiraram para um papel menos activo e exposto), a mudança pode ser uma realidade.
    Mas aí Hillary Clinton perde, claramente, para outros.
    Existem muitos anti-corpos, entre os quais o marido, para permitir que a sua candidatura seja viável.
    Depois existe já, um sentimento anti dinastia; já chega de Bushs e de Clintons. Acresçe que os sectores fundamentalistas cristãos, se uniriam contra Clinton.
    Sugiro que siga com atenção Nancy Pelosi, mulher, mãe, californiana, decidida, intelectualmente independente e dentro da corrente centrista.
    Um contra, nestes últimos 50 anos, os Presidentes são, ou ex governadores, senadores ou cabos de guerra; acho que temos de recuar ao sec XIX, para ver um ex Presidente da Câmara dos Representantes eleito presidente.
    Seria sempre, uma novidade, se bem que não original.
    Cumprimentos e Festas Felizes
    Adriano Volframista

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