e(ste)ticistas do regime

O João Morgado até andava a escrever umas coisas com piada, mas a solidariedade orgânica tinha que vir, outra vez, ao de cima. Ontem, no DN, num editorial atabalhoado lançou-se numa tarefa impossível, a defesa da estratégia das cúpulas socialistas no que diz respeito ao referendo do aborto. Relativamente ao aborto em concreto, Morgado Fernandes passa ao lado de dois factores, que a hipocrisia de que fala, e perante a qual tanto se indigna, não acaba, por magia, com uma nova lei, mais - nunca se saberá se a Lei existente é suficiente, boa ou má, porque nunca ninguém, de direita ou esquerda, criou condições objectivas para o seu cumprimento, já que basta ver Espanha, onde com uma legislação mais restritiva as coisas se 'resolvem', depois, o que está em causa não é o aborto per se - já previsto na legislação vigente - mas os prazos, e sobre esses, passando à margem de todas as considerações morais e éticas, a tendência em todo o mundo civilizado é de redução, não de dilatação. No que diz respeito à questão política então, o editorialista excede-se, e excede-se quando diz, manifesta demagogia, que 'dos resultados das últimas eleições legislativas resulta a existência de uma franca maioria política favorável à aproximação da lei portuguesa aos padrões europeus.', quando o aborto não foi tema de campanha, e quando o que está longe dos tais padrões europeus não é a lei actual mas a incapacidade do Estado de a tornar cumprível, e sobretudo excede-se quando invoca uma peregrina e perversa lógica - 'se a lei tem de mudar, porque sim, se mudar é bom, então que se lixem os formalismos e 'imbróglios processuais', porque só servem para empenar'. No fundo, é a apologia da anarquia, do whatever it takes, e da lei do mais forte. João Morgado Fernandes esquece que a vivência em sociedade, em democracia, obriga a acordos e consensos não sobre todas as matérias, em concreto, mas sobre as regras, e só sobre as regras. Ao contrário do que ele infere no seu blog, numa espécie de aditamento ao seu editorial do DN , o problema com o referendo do aborto (e podia ser sobre outra matéria qualquer) 'não é a só quando todos estiverem de acordo sobre a sua realização. Ou seja, nunca' é apenas a falta de um consenso mínimo, geral, sobre as regras também elas gerais, que nos deveriam reger a todos. A adapatação conjuntural e sistemática de regras que deviam ser gerais a casos particulares, em função dos superiores interesses do momento, é não só errada como é um péssimo sinal que se dá a todos os cidadãos, que ficam cada vez mais com a noção de que a Lei, e as leis, são algo de vago e relativo, que se pode ou não respeitar ao sabor das conveniências do momento. Finalmente, há uma questão técnica e política de fundo - pese o que tem dido o e(ste)ticista do regime, Vital Moreira, pese a leviandade de Morgado Fernandes, pese a insustentável irresponsabilidade de Jaime Gama, segunda figura do Estado, se para rever a consituição são precisos consensos qualificados de dois terços dos deputados, porque obtusa razão é que neste caso concreto, quanto até Jorge Miranda, insuspeito de derivas direitistas, trepa pelas paredes, basta a interpretação socialista ? Não juraram todos respeitar a Constituição e a Lei em primeiro lugar ? Ou, agora, a Lei geral e Constituição valem ao sabor dos interesses do momento ? Valem mesmo ? Salazar pensava o mesmo.

Publicado por Manuel 18:58:00  

1 Comment:

  1. Anónimo said...
    Caro Manuel
    O jornal D.N. recém-adquirido pela Controlinveste de Joaquim Oliveira ,já se colocou à disposição do poder reinante do partido no poder , o P.S. .
    A nova direcção nomeada é encabeçada por um «testa de ferro » socialista , o mui conhecido, atento e venerado propagandista de Mário Soares , o «escriba» António José Teixeira .
    O controle dos poderes pelo partido socialista é como uma maré negra ! Atingir-nos-à a todos ,fornecendo uma informação cada vez mais controlada , porque o poder socialista protege-se QUANTO PODE !

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