O que falta a José Sócrates?

O Paulo Gorjão conseguiu sacar duas ou três ideias mais ou menos claras quando leu a entrevista de José Sócrates ao Expresso, mas a sensação dominante com que fiquei partilho-a com o José Manuel Fernandes no seu editorial de hoje: Um Político de Plástico.

Há poucos dias perguntava no meu reservado

“Desde quanto anda José Sócrates a preparar-se conscientemente para concorrer ao cargo de Secretário-Geral (SG) do Partido Socialista e de futuro Primeiro-Ministro?”

Hoje começo a desconfiar que o anda a fazer há "demasiado" tempo. Estar ao “centro” não tem de implicar vogar pelo pântano do qual nunca se sabe bem o que esperar.

Para o centro-esquerda ser uma verdadeira alternativa credível à sucessão de más opções disponíveis, é fundamental não entrar desde o primeiro momento a defender uma suposta lógica de compromisso e a dar sucessivos sinais de tibieza quanto a questões políticas muito claras.

No actual contexto político nem deveria ser muito difícil marcar com clareza o que distingue o alinhamento que teoricamente serve a José Sócrates.

É fundamental ter uma linha de rumo, um conjunto claro de prioridades básicas que fundarão tudo o resto que esteja ainda cinzento no momento do “assalto ao poder”.

Nas últimas semanas aquele que me parece ser o candidato a SG do PS que me está mais próximo não conseguiu mais do que servir-me desilusão em desilusão.

Gostei de José Sócrates enquanto executivo e gostava que hoje ele conseguisse transmitir de forma generalizada aos diversos dossiers, a garra, determinação e orientação quanto ao que pretende fazer se chegar a primeiro-ministro.

Mesmo para quem está ao “centro”, fazê-lo implica marcar uma linha além da qual alguns ficariam desde já a saber que não farão parte dos favorecidos pelo intervencionismo de gestão da coisa pública e que constituirão o adversário público e notório a enfrentar. Não o fazer não tem sido uma prova de cautela, de reserva mental até ter o poder, tem sido antes indício de não se pretender fazer nada.

Futebolesmente - um abraço à comunidade falante de futebolês radicada nos Estados Unidos da Blogoesfera - é no início da partida que o árbito controla ou não o jogo, e a partida para Sócrates (ou para qualquer um dos restantes candidatos a SG) já começou. Começou pela forma como reuniu apoios (e que apoios) mas fundamentalmente começou no dia em que se apresentou ao país como potencial futuro primeiro-ministro.

Seria muito bom que mostrasse que conhece alguns dos principais entraves que terá de enfrentar na governação – deveria ser esse o principal valor acrescentado recolhido da sua experiência enquanto governante - não se limitando a considerações difusas a roçar o auto-elogio.

Ouço-o e sinto um político desequilibrado, a fazer poses que não parecem radicar num desculpável nervosismo, mas antes num mais ou menos meticuloso ensaio que só ajuda a colar-lhe o libelo de político de plástico. Em suma, a campanha de santanização de José Sócrates tem tido na vítima o seu principal aliado, até ao momento.

Ainda é tempo de reverter essa campanha mas talvez primeiro seja tempo de esquecer um pouco da preparação que foi fazendo para chegar a secretário-geral. Talvez seja bom rever os métodos e a calculatória e, se conseguir, é tempo de olhar lá bem para dentro de si e procurar a genuína chave para o sucesso de que precisamos em qualquer político que se preze. Sem isso é entregar-se à esperança absoluta do milagre dos spin doctors e, como já vimos, nesse campo todos têm as suas medidas e contra-medidas em acção.

Trocar um Guterres que apresentava um razoável nível de esclarecimento mas que quase sempre ficou àquem no fazer, por alguém que quer fazer mas não sabe muito bem o quê, não é alternativa que se apresente.

Demonstrar o disparate desta minha última afirmação - que desconfio se vai tentando instalar no subconsciente de muita gente - sem recorrer a sucessivas piruetas à lá José Manuel Comissário, é o desafio daquele que, curiosamente, me parecer um pouco amado candidato a secretário-geral pelos seus pares que dissertam pela Blogoesfera.



Publicado por Rui MCB 17:36:00  

7 Comments:

  1. Anónimo said...
    Em bom português: há demasiado tempo.
    Rui MCB said...
    Em bom português: obrigado.
    Luís Novaes Tito said...
    A esta do tempo já respondi noutro Adufe.
    Pelo menos hà um ano, caro Rui.
    Anónimo said...
    É preciso ter calma.

    Se ele começasse já a falar como Secretário-Geral seria acusado de arrogância por pensar que "já estava no papo".

    É lógico que é importante saber as ideias que ele tem para o futuro, mas concretizar em demasia poderia levar a que ele se comprometesse em alguma questão que o PS tivesse opinião contrária.

    Não se esqueçam que o PS não é apenas o Secretário-Geral.

    Nuno
    Rui MCB said...
    Nuno,
    Tanto quanto sei estamos perante uma eleição uninominal. Os militantes vão votar na pessoa do secretário geral, e devem saber com bastante rigor aquilo que este defende antes de votarem. O tempo de se definir politicamente é exactamente este e não o momento seguinte. O dia depois poderá permitir acertos, ajustes mas até o limite dessas "procuras de consenso" deve ser apresentado agora, com transparência.
    Manter a toada actual, sem assumir com clareza a defesa de políticas concretas permitirá isso sim recear o pior: mais um secretário-geral com uma agenda demasiado flutuante e vulnerável a todo o tipo de manobrismos pouco dignos da representação democrática.

    Em suma, o equilíbrio entre a concretização e a cautela não me parece estar a ser o adequado. E o libelo de estar dominado pelo pior que sempre existe no "aparelho" ganhará mais argumentos e mais razão. Todos os candidatos terão de tentar demonstrar as capacidades de liderança nos próximos meses personalizando o projecto da moção que tentaram fazer vingar no congresso. Pelo menos julgo que é essa a interpretação que deve ser dada ao sentido da alteração dos estatutos na eleição do SG.
    Cumprimentos,
    Anónimo said...
    Eu creio que é necessário desmistificar um pouco a entrevista de Sócrates ao Expresso.

    Não se tratou de uma entrevista de fundo, no 1º Caderno, sobre o conteúdo da sua candidatura a secretário-geral do PS. Pelo que eu conheço da revista Única, tratava-se mais de descobrir o que existe para além da personagem Sócrates, o político. E deve ser dentro contexto que esta entrevista deve ser entendida.

    A "santanização" de Sócrates não pode ser levada ao extremo de se querer ver coisas onde elas não existem. Pelo seu passado, acho que, no mínimo, os socialistas deveriam ser os primeiros a dar-lhe o benefício da dúvida.

    Rui Firmino
    Rui MCB said...
    E darão o benefício da dúvida sim senhor. A minha crítica vai apenas e só no sentido de que não se proponha pedir um cheque em branco. Aos militantes e depois aos eleitores.
    Sem se comprometer demasiado John Kerry fez ontem um discurso suficentemente claro quanto àquilo que defende como fundamental. Gostava de ouvir José Sócrates, no mínimo, com o mesmo nível de clarividência e detalhe.

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