"O direito de Graça"

Vasco Graça Moura reincide hoje no Público, apresentado-se como escritor e fiador de campanha alheia e pouco alegre sobre o assunto das sevícias no PREC. Fala em conversa fiada, mas a sua memória do tempo e o saber de causídico, parecem em falha para abonar a fiança.

Desta vez, que quer dizer o escritor Vasco Graça Moura, para além do já dito?

Aparentemente, e em primeiro lugar, rebater quem lhe fez notar que há um contra-relatório de 1977 a dizer que o documento de Novembro de 1976, é um “nada jurídico”...

” Ninguém sabe o que seja um "nada jurídico". Toda a gente sabe o que é um indício. E toda a gente sabe que um indício não é um "nada jurídico". É um ponto de matéria de facto a averiguar por quem de direito.


diz o escritor Vasco Graça Moura

Quanto a isto, deve dizer-se que os autores do anátema do “nada”, no Contra-Relatório de 1977, são eminentes juristas, alguns já falecidos e cujo acantonamento à esquerda, mesmo assim, não os desviaria da atenção a prestar a esse “nada”.

O “nada” tem a dimensão da noção de nulidade processual que qualquer jurista percebe e alcança e eles, como os outros, eram, a meu ver, igualmente “probos, experientes e respeitados” e supõe-se que o escritor Vasco Graça Moura facilmente o reconhecerá.

E porque será tal relatório um “nada jurídico”,ou seja, uma colecção de nulidades processuais?!

Os tais juristas o disseram então e agora se torna muito mais perceptível para quem tenha tomado atenção aos jornais dos últimos meses - há diligências de prova em processos de natureza penal que estão sujeitas a rigores processuais cuja inobservância as atira para o “nada” jurídico! As violações de direitos, liberdades e garantias, de arguidos, já vigoravam em 1975 e 1976, após a aprovação da Constituição, de Abril desse ano!

Qualquer pessoa, agora, percebe que a obtenção de provas a partir de indícios, está sujeita a regras. Provas e meios de prova definidos na lei processual penal, mesmo num RDM militar. Se tais provas e meios para as conseguir não foram recolhidas ou não o foram como deveriam ser, o documento e os factos que deles constam, redundam nesse “nada jurídico” , porque estão feridas de nulidades e irregularidades processuais, mesmo que isso redunde em desespero forçado de quem queira fazer justiça serôdia, como parece ser o caso e por motivos ínvios, e quiçá, à boca da urna eleitoral.

Assim, ao escritor Vasco Graça Moura, jurista também, será de exigir maior rigor conceptual nestas coisas e por outro lado, uma prévia análise histórica, dar-lhe-ia o retrato completo de uma situação confusa no que se refere à divisão de poderes e ao exercício do poder judicial, nesse contexto.

Em 1975, 1976 e ainda por alguns anos, houve um Conselho da Revolução não eleito pelo povo e com um RDM do tempo do Salazar e uma definição de infracções militares demasiado abrangente e sem fronteira. O que se passou em 1974-75, até ao 25 de Novembro, foi um Processo Revolucionário, que decorria sob patrocínio de alguns militares, com documentos e contra documentos, em que ajustavam relações de poder e força e em que todas as semanas havia novidades para o Expresso, o O Jornal, a Opção, o Jornal Novo, O Sempre–Fixe, O Tempo e até O Diabo, temporariamente e desterrado, glosarem.

O cronista Vasco Graça Moura, tem de saber que foi assim, pois fez parte do IV Governo Provisório, de Vasco Gonçalves , em 1975 e do VI, de Pinheiro de Azevedo, em 1976. Foi ainda director do primeiro canal da RTP, em 1978 e durante dez anos, de 1979 a 1989, administrou a Imprensa Nacional.

É regular colaborador de jornais e revistas e escreveu livros. Em suma, não será demais, o pedido de memória histórica mais precisa e contextualizada...

Por outro lado, se quanto à averiguação da responsabilidade criminal, ao tempo e mesmo à serôdia reivindicação da sua actualização, estamos entendidos, ainda há outro assunto de monta e a montante - as amnistias sucessivas!

É sabido que o “direito de graça” é um obstáculo à punição de culpados. Diz o professor Figueiredo Dias, citando os seus estimados e habituais autores alemães que o direito de graça é “uma válvula de segurança do sistema”. Que quer isto dizer? Pois, que tal direito de graça é ...
um acto de magnanimidade ou de tolerância, à severidade da lei, nomeadamente perante modificações supervenientes, de carácter excepcional, das relações comunitárias ou da situação pessoal dos agraciados.

Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993)

O mesmo autor cita outros ( Eduardo Correia e Taipa de Carvalho), para dizer também que
a legitimidade das medidas de clemência deve afirmar-se sempre e apenas quando ocorrerem situações em que a defesa da comunidade sócio-política seja mais bem realizada através da clemência do que da punição

Foi exactamente isso que sempre se proclamou aquando das generosas amnistias e perdões que foram sendo concedidas ao longo dos anos, desde 1974 a esta parte!

Em várias ocasiões, particularmente aquando das amnistias de Abril de 1979, Julho de 1982 e Junho de 1986, tais propósitos foram proclamados abertamente, na Assembleia da República, pelos representantes do povo português que aprovaram essas leis de clemência e graça que têm como característica principal o “apagar” os crimes .

O escritor Vasco Graça Moura não pode ignorar este aspecto do problema, sob pena de negar a sua qualidade de jurista e por isso, não lhe adianta afiançar os que se opõem ao “branqueamento da História”, utilizando para isso, armas jurídico–penais.

O branqueamento jurídico-penal já ocorreu, foi há muito tempo e a responsabilidade pelo mesmo é exclusivamente dos políticos!

Esse braqueamento, aliás, não é exclusivo deste caso. Também ocorreu no dos bombistas do PREC e no dos elementos da PIDE/DGS, antes deles, e depois no dos elementos das FPs/25 e ainda noutros que foram branqueados por prescrição e sem necessidade de amnistia. Refiro-me ao caso dos deputados viajantes para nenhures...

E parece-me lamentável que quem anda sempre a lamentar o discurso contra os políticos, apodando-o de populista, venha agora com esta conversa fiada e de tiros para o pé.

Assim, esgotada esta preocupação de recorte pseudo jurídico e de reivindicação serôdia de sanções penais, mesmo simbólicas, que restará de válido no requisitório do Relatório de Sevícias?

A meu ver, apenas o aspecto documental e histórico! E aí, o eventual branqueamento, pelos vistos, pode acontecer e por isso se esperaria um contributo decisivo de quem escreve para a história.

Contudo, curiosa e ironicamente, quem tem o dever de escrever com esse rigor histórico, ou porque presenciou os acontecimentos, ou participou neles ou eventualmente guardou documentos, e é curioso, dedica-se a pescar responsabilidades e a exercitar retórica sem finalidade definida que não seja uma aparente mesquinhez eleitoraleira e para abafar guinchos de adversários políticos.

Publicado por josé 13:47:00  

2 Comments:

  1. josé said...
    É por essas e por outras que um político que poderia ser diferente e cuja mais valia intelectual e política, é evidente, denotando independência, tendo experiência de acompanhamento das vicissitudes do devir histórico, pós-25 de Abril, se deixou cegar pelo deslumbre cavaquista e agora pela aventura busho-wolfowitz-rumsfeldiana.

    Em nome de quê?! Não verá ele o logro em que se meteu e, principalmente, não verá ele o perfil dos que o acompanham nas lides político-partidárias?!
    Será que o gajo bate palmas, sem se envergonhar, a um Isaltino ou aos Pretos que por lá pululam?!
    zazie said...
    são mesmo umas gracinhas à boca de urna...
    mas a pergunta do josé é pertinente.Às vezes também me interrogo sobre o assunto. E só me lembro do antepassado e do "dever de Estado"... será? isso mais combate contra o passado?
    ísto é sempre assim, parece que a natureza o que acrescenta num lado tira noutro... ele inteligência tem-na...

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