Mistérios da credibilidade


O Diário de Notícias de hoje ( notícia aqui, via In Verbis) , publica uma reportagem, com chamada destacada, na primeira página, sobre escutas e vigilância ilegal, supostamente realizada por um departamento da Polícia Judiciária.


O assunto, demasiado grave, assume contornos ainda mais misteriosos depois da negação peremptória dessa notícia, que o director nacional e um sub-director da PJ, fizeram, hoje de manhã, anunciando a instauração de um processo crime ao jornal e autor da notícia.

Pode dizer-se: é o mínimo, perante esta enormidade de escândalo que se anuncia.

E no entanto, o jornalista do DN, ouviu pelo menos uma fonte, da PJ, que citou outras fontes, também daquela polícia e que assumem o teor da notícia e a existência de encomendas, por quem tem poder para tal, no sentido da vigilância ilegal, ilegítima e criminosa, no fim de contas.


O modo como o jornal conta os pormenores rocambolescos do encontro com o "arrependido", da PJ, merecem destaque:


"À entrada do restaurante a fonte do DN olhou em volta e escolheu a mesa mais próxima da televisão. Pensamos nas notícias que lhe pudessem interessar. Porém, explicou tratar-se do lugar mais seguro para evitar que a conversa fosse escutada. Entretanto, percebemos que a nossa volta em redor do edifício, antes de entrarmos, servira para verificar se por ali estaria estacionada alguma viatura suspeita. Todos os cuidados são poucos. Aconteceu ali a conversa com alguém conhecedor dos fantasmas que, por vezes, provocam “barulhinhos” nos telemóveis. Os tais “barulhinhos” denunciados pelo Procurador-Geral da República, mas que acabaram em águas de bacalhau. Mas que existem…Segundo a nossa fonte, os meios de espionagem do Departamento Central de Prevenção e Apoio Tecnológico (DCPAT), a “secreta” da Policia Judiciária (PJ), são muitos e sofisticados.A “mala”, com capacidade para interceptar comunicações, consegue, por exemplo, registar os números e IMEI (número de série) dos telemóveis que se encontrem ligados num raio demais ou menos 100 metros. Aquele sistema encontra-se colocado numa viatura estrategicamente estacionada e, desde aí, os agentes podem, depois, escutar as conversas em tempo real. Tudo isto sem que as operadoras de telemóvel tomem conhecimento, e sem mandado judicial.Como apoio de uma viatura no exterior, o DCPAT tem também a capacidade de acompanhar em directo, por áudio e vídeo, a conversa entre um agente e um suspeito. A micro câmara é colocada, por exemplo, na gravata. Está igualmente apetrechado para anular a rede de telemóvel num determinado local. Isto impede, por exemplo, o accionamento de uma bomba por telefone.Estes meios, e muitos outros são usados, por vezes, à margem da lei. Os agentes nunca aparecem, para não terem de ser mudados. Mesmo se a missão é legal, no âmbito de uma investigação, os relatórios são assinados pelos inspectores encarregues do caso, assumindo-os perante o tribunal, como se tivessem sido eles a realizar as diligências. Ou seja, testemunham falso. Toda a gente sabe. "

Evidentemente, as suspeitas, como se pode ver, fundadas, no sentido de existência de algo anormal, recaem sobre pessoal da polícia que tem por objectivo recolher informação, sob um comando.


Esse comando, tem nomes de responsáveis directos, aliás indicados na notícia: João Carreira e Sá Teixeira.


É a honra profissional deles que fica em causa, com esta notícia do DN. Presumem-se inocentes, como todo o acusado sem provas declaradas válidas, por um tribunal.


Para nosso bem, esperamos que sejam verdadeiramente inocentes e sem mácula deste jaez. A dúvida, porém, já foi instalada e importa esclarecer tudo e no mais curto espaço de tempo possível.


Como? Não será certamente nos processos crime anunciados. Será efectivamente, através do apuramente da credibilidade que merece a notícia publicada, nomeadamente da sua fonte ou fontes directas. Nenhum jornalista está livre de acreditar num paranóico ou perturbado mental, decidido a contar histórias mirabolantes. Nenhum está livre de ser manipulado por um transviado do dever que decide trair uma instituição por motivos dúbios ou mesmo aceitáveis.


Mas todo o jornalista está obrigado a saber distinguir a verdade, de uma manipulação, através de perícia profissional de quem está habituado a sentir o feeling de verdade numa notícia.


Um denunciante deste calibre, só pode e tem de ser visto e ouvido como um autêntico "whistle blower", figura grada dos americanos e que por cá, se costuma apelidar de bufo, cobarde e outros epítetos reservados aos anónimos preocupados com o bem estar geral e comum.


E é isso que não sabemos da notícia do DN. Não podemos aferir a credibilidade da fonte do jornalista, porque não podemos saber se merece mesmo credibilidade. Saberá o jornalista ao menos, como parece indicar?


No jornalismo português, ao contrário de um certo jornalismo americano, com base nos Washington Post e New Yor Times, uma notícia destas, só sairia, com grande base de sustentação em factos recolhidos e aceites pela direcção do jornal como válidos. O exemplo, reside no caso Watergate e no que ele ensina ao jornalismo em geral.


O Diário de Notícias português merece a mesma credibilidade, num caso como este?


Tenho dúvidas. Sérias dúvidas, perante o modo como o jornal actuou em outros casos menores. E tenho dúvidas que a direcção do jornal tenha bem presente a gravidade e implicação séria do que acaba de publicar.


Assim, o que resulta da notícia do DN e do desmentido da direcção nacionald a PJ, é um enorme vazio de credibilidade indiscutível, que atinge tanto um como outro campo. No jornalismo, não podemos confiar cegamente em quem nos pode já ter iludido ou em quem não se assegurou previamente da gravidade de uma denúncia destas, recolhendo provas para além da mera denúncia de um qualquer arrependido feito "garganta funda".


Na PJ, não poderemos acreditar também, cega e piamente, porque estas coisas não se podem desmentir assim. Pode apenas desmentir-se que a PJ enquanto instituição, não pactua nem pode pactuar com estes métodos, ilegais e criminosos. Foi esse o sentido do desmentido, mas não é esse o motico da preocupação pública que já não é nova e até entidades oficias, o tem insinuado.


No entanto, nunca uma instituição, pode garantir que um ou outro dos seus membros, se tiver tempo, oportunidade e motivo para tal, não venha a cometer ilícitos dentro dos mesmos muros que albergam a direcção nacional da polícia. Como aliás, se comprovou recentemente, com a detecção de acções deste género, da responsabilidade de um agente.


Para a descoberta deste mistério, num sentido ou noutro, ou seja, para se saber, com saber certo, se alguém andou a pisar o risco da legalidade, só mesmo um Sherlock Holmes.


Ou um Columbo...


O que é dramático.



Publicado por josé 13:30:00  

5 Comments:

  1. Toix said...
    Eu até acredito (enfim, mais ou menos) na estória do DN, só não consigo digerir aquela parte da PSP ter ido ao tal armazém fazer uma busca e levar documentos... Francamente!
    JPG said...
    Mas o próprio PGR suspeita de que as suas conversas telefónicas são escutadas!
    No mesmo artigo do DN, o jornalista dá conta de vários antecedentes com altas figuras do Estado.
    Quanto ao comentário anterior: notícia das buscas (e apreensões, com constituição de um arguido que era inspector da PJ); nesta notícia não se menciona o "armazém", mas (é ler e comparar as duas notícias) há um evidente denominador comum.
    josé said...
    E já agora, quem é que apetece logo pensar como "fonte"?

    Nem é preciso ser Columbo ou
    Sherlock.

    Se isto der para o torto e sair para fora uma acção que envolva pessoas respeitáveis, segundo critérios políticos, é a bomba nuclear.

    Esta gente, não tem emenda.
    Laoconte said...
    Se fosse apenas jogadas políticas, então poupe-nos, pobres contribuintes, de custear tudo isso. Demais, o PGR tem coisas mais importantes a fazer, nomeadamente, a de estar atento com o sector de chutabola.
    antonio said...
    Este tipo de jornalismo bacoco devia pagar caro estas alucinações.
    A fonte é tão credível como outras que pululam a atmosfera jornalistica portuguesa que é preguiçosa, preferindo a comodidade da fonte anónima e indiscutivelmente credível ao jornalismo de investigação. Mas isso dá muito trabalho e eu quero é mesmo um emprego.

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