Deferências não são crime.

O Público de hoje volta ao assunto da licenciatura de José Sócrates, após ter consultado os autos de Inquérito dirigido pela procuradora-geral adjunta, Cândida de Almeida. Esta magistrada já se tinha pronunciado no Domingo, na entrevista Renascença/Público.

A directora do DCIAP foi escolhida pelo PGR, Pinto Monteiro, após a queixa apresentada pelo advogado José Maria Martins, a fim de efectuar um Inquérito aos factos para o assunto ficar esclarecido e de modo rápido, eficiente e completamente investigado.”

A conclusão do Inquérito já foi anunciada por aquela magistrada que enfatizou por diversas vezes o facto de que “não houve favorecimento” do antigo aluno, hoje primeiro-ministro.

Este assunto do favorecimento, parece não ter cabimento num Inquérito deste género em que estava primordialmente em causa uma eventual falsificação e/ou uso de documento falso. Relativamente a este facto, importante e com relevância actual e criminal, a magistrada esclareceu que não havia indícios de crime, porque um dos certificados seria uma segunda via. O artigo de Ricardo Dias Felner no Público não esclarece este ponto do Inquérito, pelo que deve aguardar-se um pouco mais para se poder dizer alguma coisa.

O que o Público esclarece e de modo interessante, são alguns factos entendidos como irrelevantes, no despacho de arquivamento do MP e com referência à matéria do tal favorecimento que não se vislumbra que crime possa constituir. Tráfico de influência? Será? Como isso? Adiante.

O facto relatado pelo Público, é este:

José Sócrates candidatou-se à UnI, em 12 Setembro de 1995 e Luís Arouca, o reitor que não era bem reitor, sem que isso incomode particularmente a investigação, indicou-lhe as equivalências e as cadeiras que deveria frequentar. Tudo certo? Não. Tudo por esclarecer. Nessa data, o estabelecimento de ensino que Sócrates frequentara, o ISEL, ainda não lançara as notas do curso que o mesmo frequentara. Só o veio a fazer em 31 de Outubro de 1995. Então…quer dizer que José Sócrates poderia ter pedido o certificado nessa data. Fê-lo? Não. Só o veio a fazer em 5 de Julho de 1996, quase a acabar o curso que decorreu num ambiente sui generis, como contam alguns dos colegas. Sócrates já era governante e o seu quase único professor , António José Morais, tinha sido o seu professor no ISEL e veio a sê-lo na UnI. Para a maior parte das pessoas que não se espanta com estes factos, também será irrelevante que Sócrates tenha explicado este hiato temporal entre a saída do ISEL e a apresentação do certificado, como sendo da responsabilidade do ISEL. Disse na tv que a responsabilidade pelo atraso era do ISEL. Era? Foi? Então, se em 31 de Outubro poderia ter pedido o documento, por que razão só o veio a fazer em Julho de ano seguinte? E como é que pôde inscrever-se na UnI, em Setembro, se nessa altura ainda nem tinham saído as notas no ISEL?

Estes pormenores merecem quase nada da atenção da magistrada do DCIAP, mas o Público dá-lhe o destaque devido e os leitores exigem satisfações pela lógica que presidiu ao apuramento dos factos e foi objecto de comunicação.

Outro exemplo, quanto a outro facto: a magistrada do DCIAP disse na tv que nenhum dos colegas do então aluno Sócrates teria referido o tratamento privilegiado ao actual primeiro ministro. “Tratamento privilegiado” significa algo que se possa assimilar a tráfico de influência enquanto crime praticado em 1995? Um Inquérito pode servir para esclarecimento de factos que não sejam de âmbito estritamente criminal e possam ser entendidos como integrando matéria ético-política? E pode, ainda assim, anunciar-se que "não houve favorecimento"?

Ainda assim: escreve o Público que só três, dos onze alunos inquiridos, disseram que José Sócrates não havia sido privilegiado. Mas estes mesmos três alunos que o Público não identifica, eventualmente por receio, o que é um sinal triste destes tempos de liberdade de imprensa amordaçada, têm todos falhas graves nos seus diplomas de licenciatura e são os únicos que terminaram o curso no ano de José Sócrates. Dois deles tiveram 13 a Inglês Técnico sem terem feito a cadeira, o que diz tudo da integridade profissional do professor que ministrou a mesma, ao aluno referido...

Mesmo com estes sinais, que mereceriam a mais séria das reservas, o Inquérito foi buscar escutas telefónicas, gravadas noutro processo conexo e a magistrada declaradamente tentou usá-las, com a explicação de que provavam a “boa-fé” do primeiro- ministro neste assunto da licenciatura.

Não obstante o desmentido, hoje, da PJ, no sentido de o primeiro-ministro não ter sido alvo de escutas, a verdade é que Luís Arouca o foi e houve telefonemas deste para aquele e vice-versa. Assim, José Sócrates não foi alvo de escutas, mas foi apanhado nas escutas, efectuadas no processo em que se investigam, os factos criminais com relevo na UnI e que já justificaram prisões preventivas, ainda agora renovadas. E aquelas escutas foram julgadas relevantes pela magistrada de um outro processo, de molde a justificar a eventual junção das respectivas transcrições. Tal não aconteceu, apenas porque uma JIC, entendeu não o fazer.

Segundo o Público, mesmo sem transcrições, os sinais existentes nos autos permitem escrever que as escutas referem diversas chamadas efectuadas do Gabinete do primeiro-ministro, para o tal reitor, Luís Arouca. Para quê? Não se sabe. Mas sabe-se a data: 23 de Março de 2007. E sabe-se ainda que a PJ anotou no processo ( e tal não foi apagado) que nesse telefonema, “O Engº pede comunicado”. Que não vem, porque o reitor escutado dois dias depois, é apanhado a telefonar para o professor Morais e “não fazer comunicado” é a indicação.

Estes factos, agora revelados pelo jornal Público, muito a medo e com reservas visíveis e legíveis, do jornalista, valem o que valem. Nada, parece. Nem sequer um editorial do director. Menos, muito menos que um Inquérito parlamentar tipo "envelope nove".

Publicado por josé 22:01:00  

4 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    Luís Bonifácio said...
    Há um facto que saiu da própria boca de José Sócrates, na famosa entrevista à RTP, que ninguém parece ter reparado. Na entrevista Sócrates disse que tinha escolhido a Universidade Independente porque:
    - Tinha "prestígio"
    - Ficava situada mesmo ao lado do ISEL. (800 m)

    José Sócrates candidatou-se à UnI, em 12 Setembro de 1995.

    Como Universidade Independente está localizada na Avenida Marechal Gomes da Costa desde Janeiro 1996. Como é que a sua localização próximo do ISEL foi determinante para a escolha de Sócrates? Ele consegue ver o futuro? Ou apenas se "inscreveu" já após Janeiro de 1996 (alvitro que terá sido em inicios de Julho de 1996), tendo a data de 12 de Setembro, falsificada pela própria Universidade?
    Justificava-se assim que Sócrates desconhecesse que em 1995 a UnI se situava em Xabregas
    Assim se justificaria o facto de os colegas não o terem visto nas aulas! Apenas lhe puseram a vista em cima nos exames.
    Zé Luís said...
    Quem tem cu tem medo, mesmo que por cá os jornalistas não tenham tratamento à moda russa...
    Mas que esta cagada toda suja-nos a todos nós, não há dúvida. E só há um caminho, dentro de dois anos, para derrubar esta tirania!
    MARIA said...
    Caro José :
    Este é um post ao seu melhor estilo : claro, bem pensado, bem escrito, destemido.
    Quanto à licenciatura de Sócrates todos percebemos já, quer os que apaticamente aceitam, quer os que gostariam de melhores esclarecimentos, que foi obtida com muito labor, estudo e dedicação.
    Virá o tempo certo de saber mais.
    Parece-me.
    Um beijinho
    Maria

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