Eufemismos

Vasco Graça Moura, eurodeputado por obra e graça do PSD, de há muitos anos a esta parte, o que lhe permite o magnífico tempo ( e réditos) disponível para traduzir obras de autores clássicos, escreve hoje no Público, denunciando uma ocorrência gravíssima que coloca em crise as instituições democráticas e exige a intervenção imediata do PR e a queda do Governo, já a seguir.

A questão dramática para tanta catástrofe, é a “destruição deliberada, organizada e selvática de um campo de milho transgénico por umas dezenas de malfeitores, à luz do dia e nas barbas de uma GNR vergonhosamente inoperante”. Tal malfeitoria, para VGM, assume foros de ser um dos “maiores escândalos criminais e políticos dos últimos tempos”. Será?

A TSF de hoje, noticia o seguinte:

O PSD violou a Lei do Financiamento dos Partidos, incorrendo em ilegalidades objectivas. O Tribunal Constitucional deu como provado o financiamento ilegal do Partido Social-Democrata em 2002.
Em causa está uma prestação de serviços da empresa Novodesign ao PSD que foi facturada em nome da Somague SA. Os inspectores encontraram uma factura emitida à construtora Somague SA, com data de 15 de Março de 2002, com o valor de 233415 euros.

Entre a ilegalidade que Moura reclama como sendo das mais graves a que assistimos nos tempos recentes, reclamando por isso a demissão do governo e a que agora se noticia, há uma diferença de grau: a malfeitoria dos eufémicos provocou um prejuízo a um particular, na ordem dos 4000 euros, já estimados pelo ministro da Agricultura em directo. O crime eventualmente cometido pelos malfeitores é o de dano. Simplesmente. Um crime de natureza semi-pública, que por isso depende de queixa do ofendido para que possa existir o procedimento criminal.

Em termos estritamente formais, nem sequer a actuação da GNR pode ser posta em causa: limitaram-se a identificar participantes na acção testemunhada para eventual prova. Se o ofendido não apresentar queixa ou dela desistir, nem há processo.Houve alteração da ordem pública? Onde? No campo de milho?!

A crítica de Moura( e outros), estende-se depois à apreciação da actuação da GNR. Sobre isso, dispensam-se comentários, tendo em conta o desconhecimento de Moura ( e outros) sobre a legitimidade de intervenção da GNR. A única justificação que Moura ( e outros) apresenta é a de que a GNR deve proteger a propriedade (privada). Deve? Sempre? E se o ofendido ( privado) não quiser, deve presumi-lo?

A questão que Moura ( e outros) apresenta, coloca-se assim com outros contornos que não os aparentes: os malfeitores, canalha para outros, são a encarnação do mal dissolvente da esquerda remanescente dos tempos do PREC. O ministro da Agricultura já nomeou o Bloco como a esquerda responsável pela malfeitoria. O responsável pelo Bloco, já respondeu a exigir responsabilidade pela malfeitoria da mentira que tal representa. A trica segue dentro de dias e portanto, o crime passou a ser de natureza política e capaz de abalar os fundamentos do Estado de Direito.

Quanto ao financiamento do PSD pela Somague, denunciado como ilegal pelo tribunal constitucional, não valerá mais do que umas linhas dispersas pelos órgãos de informação. Afinal, trata-se de uma infracção que nem sequer merece o tratamento como crime e de político pouco terá, porque a empresa Somague nada tem a ver com a política e o PSD nem está no governo e na AR não se nota.

Aliás, como todos sabem, o financiamento ilegal dos partidos, do PSD ao BE, é assunto que tem merecido atenção apenas dos maledicentes habituais, os quais, teimam em insistir que uma boa parte da corrupção existente no país, começa logo aí, nessa promiscuidade entre interesses privados e decisões públicas dos partidos de poder, para além da troca de favores que justificam obras a mais e a engorda de contas de uns tantos desconhecidos.

Que é isso, comparado com os 4000 euros de prejuízo, causado por uns vândalos agremiados em associações verdejantes de indignação contra a globalização?

Publicado por josé 16:10:00  

6 Comments:

  1. A.Teixeira said...
    Concordo completamente consigo com a crítica sobre a terminologia excessiva empregue por Vasco Graça Moura ao apreciar os acontecimentos de Silves. Aliás, considero que quase tudo em Graça Moura é excessivo, a começar pelos elogios desmesurados que lhe costumam ser endossados cada vez que publica mais uma tradução para português de uma obra num outro idioma estranhíssimo… È que nunca dei pela chusma de especialistas nacionais em picardo e toscano que legitimassem tantos elogios…

    Tenho é dificuldade em segui-lo na responsabilidade de Graça Moura (com outros) pelo resto que escreve no poste. Considero improvável que, falho da capacidade de adivinhação, ele (e outros) já soubesse da notícia da condenação do Tribunal Constitucional ao seu partido quando escreveu o artigo. Por outro lado, por muitos que sejam os seus predicados, tenho dificuldade em vê-lo (e a outros) com capacidade de influir tão drasticamente na agenda mediática…

    E daí, pode ser que tenha razão neste último aspecto e que Graça Moura & Cia seja a melhor agência de comunicação do mercado… Esperemos…
    josé said...
    O paralelo é só mesmo esse: o de comparar o destaque que se dá a uma e outra notícia. Não peço a VGM uma crónica e adivinhação.
    Porém, ainda quanto a Vasco Graça Moura, já teve ocasião, bastas vezes, em escrever sobre o assunto do financiamente dos partidos. Nunca lhe vi um escrito sobre isso e não vai ser desta vez. Muito menos desta vez, porque parece-me que apesar de tudo não será do tipo corvo ou de quem cospe na sopa que lhe tem dado. E a sopa é mesmo da boa. Não me importaria nada de deputar assim, tal como centenas ou milhares de outros portugueses que porém, não têm a sorte de estar inscritos em partidos ou de se terem filiado no tempo certo, com os contactos certos.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    A EMEL e os Verdeufémios

    Toda a discussão em torno dos "verdeufémios" teve, pelo menos, uma vantagem:
    Ficámos a saber que há certos crimes (baptizados com o patusco nome de "semi-públicos") que só têm consequências para quem os pratica se forem objecto de queixa das suas vítimas.
    É estranho, parece injusto (nomeadamente porque o receio de represálias pode ser determinante), mas é mesmo assim - e foi a percepção, agora, dessa realidade que me fez entender o que se passou comigo há um par de anos:

    Foi quando me apercebi que era possível que, à vista de toda a gente, jovens assaltassem quiosques dos CTT, cabines telefónicas e parquímetros impunemente - cenas essas a que assisti por cinco vezes (nos Restauradores e nas Avenidas Novas, em Lisboa) e em plena hora-de-ponta, duas das quais mesmo nas barbas de agentes da PSP e da Polícia Municipal!

    Revoltado e intrigado pela inacção destes, resolvi, a certa altura, abordar um - que me pareceu mais pachola - e perguntar-lhe a razão de tanta passividade.
    E o homem, com o ar fatigado de quem já disse a mesma coisa mil vezes, explicou-me:

    O mais que podiam fazer era abordar os larápios e identificá-los - eventualmente na esquadra, se houvesse possibilidade de os levar até lá.
    Em seguida, e como as empresas lesadas não apresentavam queixa, os jovens apenas tinham, como punição, um curto intervalo forçado na sua actividade - que decerto aproveitavam para um bem merecido repouso...

    Na altura, ficou tudo dito. Agora, ficou tudo percebido.
    AM said...
    esta noite, na SIC N, o Crespo esteve meia-hora a tentar "entalar" o Louça com a maçaroca!
    o "somaguegate", durou 30 segundos
    são "alinhamentos"
    Adolfo Letria said...
    http://pequenaloja.blogspot.com/2007/08/as-leis-pelos-olhos-de-uma-criana.html
    rb said...
    É, de facto, no mínimo estranha esta lógica informativa, a qual é também patente na blogosfera, sobretudo nos blogues conotados de direita, que andam mais entretidos com os plágios do Menezes.
    Quando a Somague "doou" os 233 mil euros (coisa pouca) ao PSD, foi para financiar a campanha das autárquicas de 2001 e foi quando este partido tinha subido ao poder em 2002.
    Curiosamente um dos envolvidos na decisão de corrigir a factura em nome do PSD para o da SOMAGUE, ascende depois a secretário geral das obras públicas. Mais: quando oo PSD chega ao governo enviou para PGR um pedido no sentido de defender que devia ter sido adjudicada à SOMAGUE uma determinada obra pública em vez doutra construtora. Penso que a história é mais ou menos assim.
    Mas tudo isto não interessa nada porque o PSD não é governo actualmente, não é?

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