Altos funcionários

No tempo do PGR Cunha Rodrigues, calhou como director da PJ, o agora conhecido Fernando Negrão, então juiz requisitado em comissão de serviço para a tarefa de orientar a principal polícia de investigação portuguesa.

Cunha Rodrigues era, na PGR, aquilo que se convencionou imaginar como “um senhor”, um condottiere da imagem de uma procuradoria da República, algo pindérica e desajustada da imagem do seu líder máximo. Como exemplo máximo a apontar, pode elencar-se a suprema vergonha de, paredes meias com o gabinete do senhor PGR, vicejar um foco de corrupção potencial que deu em condenação criminal, por delito comum, de burla e outras malfeitorias que o anterior senhor PGR, eventualmente desvalorizava e se limitava a apreciar com uns meros reparos de circunstãncia tipo “ então, snrª drª, está tudo bem consigo?”, ou coisa que o valha, segundo rezaram as crónicas de jornal ao tempo do escândalo. A este, o senhor PGR da época, sobreviveu e ultrapassou, sem mácula e sem consequência, como se nada tivesse a ver com a sua excelsa personagem de recorte florentino. O ridículo não mata toda a gente, mas apenas aqueles que se dão ares. E um inteligente nunca se dá ares de coisa nenhuma.

Numa entrevista deliciosíssima ( todas as entrevistas do antigo PGR Cunha Rodrigues são dignas de leitura atenta), em 6.5.1993, ao Público, C.R. afirmava sem qualquer rebuço que “A polícia deve obedecer à magistratura”.

Laborinho Lúcio, ministro da Justiça, em 28.10.1994, por ocasião da nova lei de combate à corrupção, numa entrevista ao mesmo Público, enviava recados a Cunha Rodrigues, no sentido de o mesmo se conformar com os meios que até aí reclamava para combater o flagelo da corrupção.

Em Dezembro de 1994, houve um encontro celebrizado entre o então director da PJ, o juiz Mário Mendes e o PGR Cunha Rodrigues, para afinar estratégias de combate à mesma corrupção. Os resultados, passados estes anos todos, são amplamente conhecidos: quase zero.

Em Outubro de 1998, em pleno governo guterrista, um general, Garcia dos Santos, e um líder da CIP, avisavam através de apito, nos media, do problema grave de corrupção na JAE. Cunha Rodrigues, ouviu o apito e mandou seguir o comboio, sem inspeccionar devidamente as carruagens, por falta de inspectores a sério.

Em 1999, o director da PJ, o tal Fernando Negrão, afrontou directamente e sem temor, o senhor PGR Cunha Rodrigues, que com o seu ar florentino lhe respondeu em directo pelas televisões que não respondia a observações de “altos funcionários”, reduzindo-o logo ali, ao lugar de director geral que verdadeiramente é o do director da Polícia Judiciária.

O confronto prosseguiu, conduzindo directamente a uma participação crime, apresentada contra Negrão pelo senhor PGR Cunha Rodrigues, a propósito de uma evidente violação de segredo de justiça, apanhada numa transcrição telefónica anulada postreriormente em decisão superior, por invalidade formal. Ficou porém à vista que Fernando Negrão enquanto director nacional de uma polícia de investigação, anunciou antecipadamente uma busca policial e ficou impune por isso.

Em Março de 1999, Negrão conseguiu polarizar uma guerra institucional entre a PGR do senhor PGR Cunha Rodrigues e uma fronda de juízes empenhados em alterar o figurino da investigação criminal, em Portugal. Um desses juízes, Antero Luís, ( o do abraço da foto supra), é actualmente o número um do SIS , neste governo PS.

O juiz Orlando Afonso, moderado e sensato, mas presidente, à época, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tomou partido nessa guerra contra o senhor PGR Cunha Rodrigues: “A PJ não pode ser uma polícia privativa do MP”, disse então, congregando o sentimento de muitos outros. Neste cenário e conforme o Público de 27 de Março de 1999, o senhor PGR Cunha Rodrigues, declarou não querer comentar…apesar de escrever ao Público a lamentar a desinformação do jornal em assuntos particulares e de relevância judiciária. Às acusações de “maquiavelismo e hipocrisia”, o senhor PGR Cunha Rodrigues respondeu então com uma elegância actualmente desconhecida de muitos actores políticos: limitou-se a escrever que essas não eram características da sua personalidade ou do seu carácter. Mais uma vez, um senhor da renascença italiana.

Fernando Negrão acabou por se demitir, regressou aos tribunais como juiz de círculo, e numa das suas primeiras decisões, enquanto juiz, a propósito de caso de tráfico de droga, teceu duras críticas aos investigadores que antes orientara, na PJ. Exemplar.

Sobre o percurso de Negrão, está á vista: política, PSD, deputado, candidato à CML. Antes juiz de direito, actualmente político a tempo inteiro, sem grande sucesso ou relevância, após a passagem pela polícia.

Tudo isto vem a propósito do conflito aberto e institucionalmente objectivo que estalou agora entre o senhor PGR Pinto Monteiro e o director da PJ, Alípio Ribeiro.

Alípio Ribeiro, um magistrado do MP, culto, inteligente e com savoir-faire, amigo pessoal do actual ministro da Justiça, declarou que não concorda com o facto de o actual senhor PGR, ter mandado abrir um inquérito à denúncia possivelmente anónima, relativa a factos que envolvem mais uma vez, gente do futebol e magistrados e polícias que a investigaram.

Alípio Ribeiro, declarou frontalmente , ressalvando o devido respeito ao senhor PGR, que tal “não se justifica”.

Provavelmente, Alípio Ribeiro terá razão. No que pode muito bem não ter, é no modo de o exprimir.

Um director de polícia, “alto funcionário”, como lembrava o senhor PGR Cunha Rodrigues, não deve falar publicamente, sobre o que o PGR decide ou não fazer.

A questão será sempre institucional, mesmo que aparentemente pudesse ser pessoal, como o terá eventualmente sido no caso de Negrão e Cunha Rodrigues.

O estilo de Alípio Ribeiro não é obviamente o de Negrão, como também o estilo de Pinto Monteiro não é o de Cunha Rodrigues. O estilo é o homem, já lá dizia o outro.

Espera-se que Alípio Ribeiro tenha pensado bem neste estilo de intervenção institucional, porque as circunstâncias mudaram em dez anos, mas não mudou a essências e modo se ser das pessoas e a natureza das instituições.

A atitude do director da PJ é neste caso, em tudo semelhante à atitude de Fernando Negrão, com a diferença, irrelevante no caso, de ser ainda mais frontal e transparente: a discordância objectiva, torna também objectivo o conflito entre duas instituições que não devem conflituar publicamente.

Imagem, do Público de 27 Março de 1999.


Publicado por josé 15:27:00  

1 Comment:

  1. MARIA said...
    A todos os motivos validamente indicados, acresce ainda um outro, para manter em reserva a discordância : os efeitos que a publicidade da mesma terá na confiança pública no que respeita aos resultados que da investigação realizada no âmbito desse Inquérito possam vir a resultar.
    Saudações.
    Maria

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