sobre o 'processo' socrático



Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

António Aleixo




O que foi publicado no “Do Portugal Profundo” foi reproduzido na generalidade dos jornais, que não se limitaram aos factos ali divulgados, acrescentando muitos outros. Mais afirmação, menos afirmação o que aquele blogue fez foi questionar a legitimidade do diploma e Sócrates e se não se provou que Sócrates não cumpriu com as suas obrigações enquanto estudante, ficou evidente que o seu diploma tinha tanta trapalhada administrativa que se fosse uma criança teria nascido com as orelhas nos sovacos.

É evidente que este processo não vai chegar a uma condenação, duvido mesmo que chegue a julgamento, o blogger poderá ter exagerado, mas se não fosse a sua enuncia ainda hoje José Sócrates estaria a usar abusivamente um título para o qual não está habilitado.

Mas até que o processo chegue ao seu termo o blogger terá que enfrentar o Ministério Público (que desta vez não tarou) e os assessores jurídicos de José Sócrates, como seu parco vencimento de professor terá que suportar as deslocações, as perdas de tempo e os honorários de um advogado. Antes e julgado o blogger é intimidado e prejudicado financeiramente.

É evidente que o primeiro-ministro se está nas tintas para o autor deste ou daquele blogger, o que o preocupa é a liberdade que grassa pelos bloggers, é liberdade a mais para o gosto de qualquer governante. O mundo era mais certinho quando só haviam jornais, jornalistas, governantes e assessores e imprensa. Os jornais têm donos e estes têm muitos negócios. Os jornalistas têm patrão e um emprego de que dependem para viver, sem notícias perdem o emprego e a maior fonte de notícias são os governantes e os “gargantas fundas” da justiça, sem estes os jornais seriam todos cor-de-rosa. Para intermediar entre os governantes e os jornalistas existem os assessores de empresa que, em regra, são jornalistas amigos os ministros ou amigos os ministros que têm amizades entre os jornalistas.

Ora, os bloggers não dependem os visitantes para comer, têm a mania e dizerem o que pensam e não o que os assessores de imprensa sugerem, são aos milhares e no seu conjunto são mais lidos o que a imprensa, em suma, são uma praga, uma autêntica filoxera política que urge combater, o mundo a política funciona melhor sem eles. Há que intimidá-los, escolher um para exemplo assustando todos os outros.

Foi para isso que Sócrates apresentou uma queixa-crime contra um blogger, foi o “Do Portugal Profundo”, mas poderia ter sido qualquer outro, o que importa é meter essa gente na linha porque andam a pensar e a falar demais para o gosto de qualquer político, são vozes indisciplinadas, que não podem ser compradas com cargos e mordomias, que não precisam do blogue para viver, que não têm director de redacção, que dizem o que pensam e como se tudo isto não bastasse às vezes até sabem do que falam.

É uma ilusão, nem Sócrates nem nenhum Ministério Público vai conseguir disciplinar, calar ou condicionar a realidade que a Web2 já é, o melhor será aprenderem a conviver com ela porque o tempo em que eram proibidos ajuntamentos de quatro pessoas já lá não volta.

n' O Jumento

Publicado por Manuel 13:57:00  

3 Comments:

  1. Carlos Medina Ribeiro said...
    Numa frase de bizarra sintaxe, houve quem dissesse, recentemente:

    «Os blogues é uma vergonha»
    Carlos Medina Ribeiro said...
    O mensageiro, o idiota e a Lua

    (Publicado no «Público» de hoje)

    Em tempos que já lá vão, era frequente matar-se o mensageiro quando ele era portador de más notícias, pelo que se imagina facilmente a angústia dos desgraçados a quem incumbia tal tarefa.

    Na realidade, ainda hoje (embora assumindo formas mais subtis como, p. ex., a ameaça com os tribunais) esse fenómeno é frequente - e de tal forma o é, que a expressão "síndrome do mensageiro", que surgiu por causa dele, continua a ser usada, e mais vezes do que seria desejável numa sociedade sã.

    Um corolário dessa aberração consiste em anatematizar quem aponta realidades que não agradam. Para os imbecis que a praticam, os chineses criaram um certeiro provérbio: «Quando alguém aponta para a Lua, o idiota fica a olhar para o dedo».
    E mais não digo, pois os tempos estão a ficar perigosos...
    GPC said...
    "o tempo em que eram proibidos ajuntamentos de quatro pessoas já lá não volta"
    Não tenha assim tanta certeza disso.

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