Onde é que você estava no 25 de Abril?

Baptista-Bastos ( BB) execra delatores numa coluna, no DN. Quem não?
A ideia básica é esta:

Quando um governo "socialista" promove a delação como conduta, e consubstancia a infâmia num folheto sórdido, tal acontece porque ainda nos encontramos moralmente enfermos. Logo após Abril, os números do aviltamento sobressaltaram os espíritos mais cândidos: quatro milhões de portugueses com ficha na PIDE, e cerca de quatrocentos mil informadores. Agora, na Socratolândia, propõe-se a setecentas mil pessoas que delatem, sugerindo-lhes que praticam uma acção moralizante quando se trata de procedimento desonroso. Este Governo, incapaz de cortar cerce a raiz da corrupção, avilta-nos a todos, ao acirrar à denúncia. E, ao incorrer no crime de corrupção moral, coloca-se na zona da delinquência que propugna punir.

E a explicação viria daqui:

Três séculos de Inquisição deram cabo do assomadiço que éramos. O terror da fogueira, a purificação das almas, o preço da salvação com que a Igreja pagava a denunciantes colocou-nos no lazareto espiritual. O mar desconhecido infundia-nos apreensão e susto. Não tanto quanto o dedo indicador do vizinho despeitado, do familiar desavindo, da amante abandonada.

Quer dizer, antes de 1600, éramos um povo de angélicos, numa solidariedade perfeita entre clero, nobreza e povo. Gil Vicente, já o sabia e fartou-se de o proclamar em autos pastoris, éclogas e farsas. Camões, aliás, também o menciona na epopeia.
Depois, a maldita inquisição que veio de Espanha, invadiu-nos e assolapou-nos a suprema nobreza com que nascemos, na Idade Média. Uma nostalgia tremenda, com saudades do futuro, sobrevive desde então, nos espíritos nobres destes impolutos idealistas, tipo BB.
Foi a Inquisição espanhola, aliás, que entrou portas adentro dos povos eslavos e os submeteu ao ferrete da ignomínia delatora, fazendo renascer séculos depois, a NKVD e KGB, nos Balcãs durante todo um século XX.
Antes disso, na Rússia Imperial, os dominicanos de Gusmão, dominadores de albigenses, submeteram camponeses, formando a elite do futuro poder popular.
Conta-se que na antiga RDA, vizinha dos eslavos e que lhes copiaram os hábitos, ainda há menos de vinte anos, sobrevivia bem viçoso o espírito de Judas, em forma de STASI, em milhões de almas que denunciavam por escrito os seus vizinhos e até familiares, em nome dos amanhãs que iriam cantar dali a pouco e que BB aplaudia com ambas as mãos da sua escrita.
Aliás, parece que nunca denunciou tais práticas, a tempo. Coerentemente, aliás.

Publicado por josé 19:48:00  

4 Comments:

  1. Carlos Medina Ribeiro said...
    Apenas para matutar:

    O problema da «denúncia de ilícitos» é um daqueles (muitos) com que a nossa sociedade, traumatizada por 48 anos de ditadura e pides, lida mal - e, com frequência, em termos contraditórios.
    No entanto, como pode valer a pena encarar o assunto de frente, passemos por cima do tema da corrupção e vejamos dois casos bem concretos:

    1º-Há algum tempo, a propósito de violência doméstica que pode levar à morte de crianças, discutiu-se se alguém, conhecedor em exclusivo de uma situação concreta, deverá ou não denunciar o caso atempadamente por forma a salvar a vítima. Qual a atitude correcta?

    2º-E, já agora, um caso ainda mais concreto: recentemente, uma velhinha foi assaltada, por esticão, mesmo à porta da minha casa. A minha mulher tomou nota dos dados do carro, eu avisei a PSP, os ladrões foram apanhados em menos de meia-hora e a bolsa devolvida. Fizemos bem?
    _

    De um modo geral, as pessoas que confronto com estes dois exemplos acham que a denúncia não só se justifica como é uma obrigação cívica.
    Então onde fica a linha divisória que, nas nossas cabeças, faz com que uma determinada denúncia de um ilícito seja aceitável e outra pareça (ou seja considerada) "bufaria repugnante"?
    josé said...
    Meu caro:

    Assim de repente e enquanto vejo o Manchester a apanhar 3 secos do Milão, parece-me que um denunciante toma sempre uma decisão moral, quando faz a denúncia.

    O critério é pessoal e depende da estrutura de carácter de quem o faz.
    Os valores pessoais e de vida em sociedade, contam aqui muitíssimo.

    O que critico no BB é o facto de ele vir agora com este paleio que coloca todos os bufos no mesmo plano, esquecendo que defendeu objectivamente um regime em que existia uma bufaria porventura pior do que a do tempo da inquisição.

    Porém, nesse regime, os bufos eram defensores do povo. NO regime oposto, eram simples traidores.

    A dicotomia do maniqueismo sempre foi assim: do lado dos bons, não há bufos; há patriotas. DO lado dos maus, evidentemente que serão todos uns crápulas.

    Esta relativização moral mete-me nojo, simplesmente.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Sim, eu percebi.

    Mas, como é uma assunto interessante, resolvi generalizar.

    Numa coluna do PÚBLICO, Amadeu Lopes Sabino chegou a dizer que apelar à denúncia de maus tratos contra crianças era apelar à bufaria...
    zazie said...
    ahahaha

    dê-lhes forte, José. Essa jacobinada só se preocupa com as inquisições muito antigas. As mais recentes são todas deles

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