"À espera do comboio na paragem do autocarro"

Há dias comprei na fnac uma gravação da Harmonia Mundi com a obra Quatour pour de fin du temps de Olivier Messiaen (compositor da minha lista de melhores compositores do século XX) por pouco mais de 6€. Um amigo comprou numa outra loja do grupo a mesma obra, mas de uma outra editora e agrupamento, por 4,90€. No mesmo local um disco duplo com peças de Jorge Peixinho, subsidiado pela Câmara do Montijo e pelo Instituto das Artes (edição não luxuosa do, talvez, melhor compositor português do século XX) custa quase 18€. Há tempos, na Casa da Música [Porto] pediram-me perto de 20€ por um disco de Remix Emsemble que é um agrupamento da CdM, pago pela CdM com dinheiros quase todos públicos. Para quem não sabe a impressão de uma razoável edição discográfica (cd + booklet) custa cêntimos e não euros. Eu até percebo que são de evitar os subsídios que provoquem distorções no funcionamento do mercado, não precisam é de ser mais papistas que o Papa, colocando nele os discos a preços ainda mais caros do que este oferece só porque são subsidiados, pois favores destes é coisa que o mercado não precisa. Resta assim perguntar para que servem os financiamentos públicos, já que para a função de acesso à fruição cultural não é de certeza, pois o consumidor final paga o bem a um preço equivalente àquele que tem todos os custos de produção nele repercutidos. Sabe-se que em Portugal os apoios à cultura não são canalizados para atenuar os custos de produção e assim mediar o acesso do público ao bem cultural, pois para isso era preciso que houvesse público e este fosse a finalidade – o que não é um dado adquirido em muitas das ocorrências, mas sim para financiar o acto de “criar”, basta ler os regulamentos do Instituto das Artes recentemente aprovados para constatar que as palavras “criadores” e “criação” são as que mais vezes aparecem repetidas, quando na realidade as “obras” são o resultado exclusivo da actividade intelectual do seu criador não necessitando, para isso, de ser subsidiadas, pois nunca foi por falta de dinheiro que os criadores deixaram de criar, antes deitando cá para fora as obras geniais.


* Sérgio Godinho

Publicado por contra-baixo 16:18:00  

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