Referendo ao aborto: eu abstenho-me

Agora que o debate sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG, vulgarmente designado como aborto) está relançado, deixo desde já expressa a minha posição no referendo: vou abster-me.

Admiro os que sobre esta matéria têm uma posição clara – alicerçada em verdades ditas universais - entre o “sim” e o “não”. Só que em Portugal não há debate: há os que defendem o “sim” simplesmente “porque sim”, e os que são contra também “porque sim”. Depois, há os que vão votar “sim”, porque o partido defende o o “sim” e há os que defendem o “não” pela mesma razão. E há também quem defenda o “sim”, socorrendo-se da velha teoria do aborto clandestino e os que votam “não”, porque consideram que compete ao Estado assegurar as condições para uma mãe que tenha um filho fruto de uma gravidez indesejada.

Por último, existem os publicitários: do lado dos defensores do “sim” diz-se “na minha barriga mando eu”, do lado oposto exibem-se fotografias de um feto acompanhadas pelo slogan “dêem-me uma oportunidade, não me deixem morrer”

O que me espanta no meio disto tudo é o grau de convicção, certeza e ciência com que se disserta sobre algo que diz respeito ao que de mais íntimo há num ser humano. Mais do que uma questão legislativa e jurídica, o aborto é uma matéria de consciência, de ética individual e de cidadania. E, de uma vez por todas, é preciso dizer que o aborto não é um mero acto médico. Não é o mesmo que extrair um rim, em que o paciente após o período de internamento vai para casa com uma série de conselhos médicos a observar. Abortar é tocar no sentido da vida.

Ora, parece-me evidente que o debate em Portugal passa ao lado de várias questões. Discute-se o aborto da mesma forma que se discute o reequipamento das forças armadas ou uma deliberação da assembleia de freguesia sobre o arranjo do caminho que liga a igreja da paróquia ao Centro de Dia para os idosos. Por tudo isto, e algumas coisinhas mais, abstenho-me.

Publicado por Carlos 00:09:00  

1 Comment:

  1. TAF said...
    A sugestão que eu dou é o estudo do que já foi pensado e debatido no referndo anterior.
    Eis a minha contribuição. Chamo a atenção também para as citações que compilei em 1998, há lá posições interessantes de figuras públicas... ;-)

    http://taf.net/opiniao/2004/08/o-aborto-verso-2004.htm
    http://taf.net/opiniao/2004/09/perguntas-esquecidas.htm
    http://www.taf.net/opiniao/aborto-citacoes.htm

    Sobre a pergunta concreta:

    "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

    1) Perguntam-nos se queremos despenalizar o aborto até às 10 semanas, juntando os "casos especiais" a todos os outros "por opção da mulher".

    2) Misturam essa despenalização com a legalização, acrescentando à pergunta o "estabelecimento de saúde legalmente autorizado". Perguntam-nos por isso se queremos também legalizar o aborto até às 10 semanas, juntando à despenalização o consentimento da sociedade a esse acto e o apoio do Estado à sua realização.

    A quem acha que é ir longe demais aceitar tudo isto só resta votar NÃO e esperar que perguntem uma coisa de cada vez...

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