A ubíquas justificações da irresponsabilidade

Tomemos em consideração esta notícia do Portugal Diário:

Bruno Gouveia, 22 anos, recebeu em casa três multas por alegadas infracções cometidas ao volante em Lisboa, com a coincidência de todas terem a mesma data e hora, 05 de Março de 2006 às 04:13, mas locais distintos.
Duas das coimas referem-se a infracções cometidas na praça José Queiroz (uma à entrada e outra à saída da praça), e a outra indica igual transgressão, mas na Praça do Príncipe Real, à rua da Escola Politécnica, local que dista vários quilómetros do primeiro.
«O condutor não foi identificado em nenhum dos locais, mas tem três multas para pagar, supostamente por ter passado três sinais vermelhos sem parar», explicou João Manuel Ferreira, advogado que representa Bruno Gouveia, à agência Lusa.
Para João Ferreira, que já avançou com um recurso para a Direcção-Geral de Viação (DGV), «a simultaneidade das multas levanta questões incómodas: O subintendente António Alberto Nunes, que assinou os três autos, não achou estranho que tivessem a mesma hora? Ou tratar-se-á de falsificação de autos para prejudicar o condutor?».
Contactado pela agência Lusa, o subintendente António Alberto Nunes não comentou o caso, declarando apenas que «se o visado acha que tem razão, pode reclamar para a Direcção-Geral de Viação, além de ter sempre o recurso ao tribunal».
«Não tenho competência para arquivar autos, mesmo que se reconheça uma situação de ilegalidade, mas, como não somos donos da verdade absoluta, o condutor pode sempre argumentar, impugnando a multa para a DGV», reforçou o subintendente da Divisão de Trânsito de Lisboa da PSP.
Carlos Barroso, relações públicas da DGV, considerou que, numa situação destas, «o condutor pode fazer a sua defesa alegando a impossibilidade da situação», que configura um erro material.
«No entanto, até esse erro pode ser suprimido, se as autoridades, admitindo que se enganaram na hora, elaborarem um novo auto e conseguirem provar a infracção do condutor», esclareceu.
Ainda segundo Carlos Barroso, as duas multas no mesmo local poderiam dever-se «a uma pequena discrepância nos relógios dos agentes», mas a terceira será mais difícil de justificar.
«Mesmo assim há uma hipótese» - avançou o responsável, explicando que, «se a PSP tiver seguido o veículo entre a praça José Queiroz e a Praça do Príncipe Real e ele tiver passado três sinais vermelhos nesse trajecto, as multas podem ter todas a hora inicial».
Uma hipótese prontamente desmentida por Bruno Gouveia, que trabalha como segurança: «Não ocorreu qualquer perseguição, nem nenhum agente me mandou parar», assegurou à Lusa, afirmando já não se recordar se esteve «nos locais indicados naquele dia e àquela hora».
«Até admito que pudesse ter passado um sinal vermelho acabado de cair, mas nunca o faria três vezes seguidas», acrescentou ainda o condutor, a residir em Famões, Odivelas, que afirmou esperar ter resolvida em breve esta situação «completamente absurda».


O que esta notícia revela de importante, é a mentalidade dominante das autoridades portugueses, sejam elas de polícia, administrativas ou meramente civis: incapacidade total para rever métodos de actuação que coloquem em causa a sua "autoridade" que nunca questionam.
Ao responsável pelo trânsito da PSP de Lisboa que assinou ( de cruz?) os três autos de contra-ordenação, nem sequer lhe ocorre essa estranha circunstância de ter avalizado uma improvável experiência da física quântica- a demonstração de ubiquidade dos objectos.
Ocorre-lhe apenas defender-se com a negação surreal de qualquer responsabilidade, argumentando com hipóteses verosímeis e plausíveis , para a justificação do injustificável.
Este tipo de atitudes é comum e vulgaríssimo em "repartições" do Estado. Qualquer funcionário, inferior ou superior, acossado pelo vulgar cidadão ( que também é, afinal) que o conteste na respectiva actuação, tem respostas prontas do género "intendente": "recorra"! " reclame"! "É a lei, meu amigo "! " agora, nada podemos fazer"!

Contra isto e contra esta mentalidade organizada na profundidade da nossa maneira de ser, podem vir todos os simplex do mundo, pois será tudo sempre e cada vez mais complicado. E as declarações de intenção dos governantes ficarão sempre no domínio do virtual e do propagandístico.

Publicado por josé 14:01:00  

10 Comments:

  1. valmoster said...
    Parece-me que a questão principal é a de saber se o " Tadinho Esquecido " passou ou não com os sinais vermelhos. Para depois avaliar se e onde existiu falta de rigor.
    josé said...
    "três multas por alegadas infracções cometidas ao volante em Lisboa, com a coincidência de todas terem a mesma data e hora, 05 de Março de 2006 às 04:13, mas locais distintos."

    Contra factos destes já não pode haver argumentos. A não ser este:

    Há um erro manifesto e não compete ao cidadão presumir-se culpado.
    A única atitude pública de um intendente é reconhecer o erro que cometeu ao assinar os três autos e declarar que vai apurar o que se passou quanto aos factos e ao modo como foram relatados no auto de notícia. Nada mais.
    Suspirador said...
    concordo com o post:
    é a mentalidade de chefe de repartição que grassa por essa administração pública, seja superintendente da polícia, seja juiz, seja procurador da República...
    josé said...
    ...ou inspector de finanças ou da administração pública, já agora para completar o ramalhete.
    Anónimo said...
    Creio que a culpa não é do Responsavel do Transito mas do Responsavel pelo desenho do Sistema Informatico aonde estes processos são tratados... Tenham calma sim ? O Rapaz não assina os processos todos ou então não faria mais nada...
    Marco Oliveira said...
    Quem terá desenvolvido o sistema informático que processa as multas?
    Cosmo said...
    "três multas por alegadas infracções cometidas ao volante em Lisboa, com a coincidência de todas terem a mesma data e hora, 05 de Março de 2006 às 04:13, mas locais distintos."

    E que data/hora é essa?
    Quem diz que é a data/hora das infracções? É preciso sabermos do que estamos a falar... Não será a data/hora de entrada no sistema informático?
    Anónimo said...
    Nem toda a função pública funciona com base nas regras cegas. Fui notificado para fazer prova das deduções à colecta na minha declaração de IRS. Teria que ir munido de toda a documentação. assim como do comprovativo da declaração, feita on-line. Por culpa minha, não levei esse comprovativo levando apenas a impressão normal, que até tem escrito que não serve de documento oficial.
    Reconheço que a funcionária que me atendeu me poderia ter mandado de volta para casa, para levar a documentação correcta. Não foi isso que fez. Foi consultar no computador qual era a comprovação que necessitava ser feita, verificou os documentos que eu necessitava mostrar, e passou-me a declaração necessária após a verificação. Nem toda a gente é cega na função pública.
    naoseiquenome usar said...
    Definitivamente é preciso mudar mentalidades e procedimentos. Transversalmente.
    É é igualmente imperioso reconhecer o que funciona bem, da mesmíssima maneira.
    O problema é precisamente esse. Quem trabalha, trabalha muito, não tem reconhecimento suficiente, nem remuneração compatível.
    E... por maior boa-vontade, um dia quebram, já que não podem mudar o mundo.
    E assim, este "mundo" continua sem grau de exigência, a cumprir "normas", procedimentos, ou outra coisa qualquer de que desconhece o nome, ... sem crítica.
    Anónimo said...
    Sobre as multas de trãnsito, tenho uma história curiosa para contar. Em 2005 recebi uma notificação para pagar uma coima por ter estacionado sobre uma passadeira, às 2 da madrugada, de um determinado dia de 2004, em Vila Real.
    Acontece que não passo por Vila Real desde 1999 e tenho a certeza absoluta que não emprestei o meu carro.
    No entanto, os dados do m/ veículo lá estavam na notificação e não adiantou nada argumentar que possivelmente o guarda autuante confundiu a matrícula e preencheu o Auto posteriormente, através da base de dados da DGV.
    Gastei um balúrdio em telefonemas e quando insinuei aquela irregularidade ainda me desligaram o telefone na cara.

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