A autonomia do futuro PGR

( fantástica foto de Fernando Veludo, no Público de 15.7.2006. Para quem não saiba: à esquerda, Maximiano Rodrigues o jubilado PGA e que sabe como o MP começou, como se desenvolveu e, já agora, estagnou -no caso do fax de Macau. À direita, Cândida de Almeida, mulher daquele, presidente da Assembleia Geral do Sindicato e Directora do DCIAP, onde se investigam todos os crimes importantes e mediaticamente relevantes, no país. Ao centro, António Cluny, o presidente do Sindicato)

Na passada Sexta-Feira, algumas centenas de magistrados do Ministério Público, reuniram-se em Vila Nova de Gaia, em local aprazível, em convívio organizado pelo SMMP ( sindicato do MP). O pretexto para a reunião fora a celebração de trinta anos de Estatuto do MP e da consagração constitucional da autonomia do MP.

Esta noção de autonomia, significa concretamente que o Ministério Público não depende de qualquer órgão de soberania ( PR, AR, Governo e Tribunais).
Nem sempre assim foi, porque antes de 1978, dependia do GOverno que poderia emitir ordens directas do ministro da Justiça, para além de nomear o PGR e designar procuradores à medida para certos processos.
Há quem queira regressar a este modelo, por motivos pouco explicados e singelamente apresentados. Falam sempre( Proença de Carvalho, o único defensor conhecido) de responsabilização, mas sem apresentar os custos ou a factura a pagar pelo povo que elege os governantes.

Obviamente que este sistema condiciona a própria independência dos Tribunais, que assim, só julgam o que lhes é apresentado para julgar. E é neste jogo subtil que se devem discutir as regras que poucos dominam, mas que aquela velha raposa sabe de ginjeira quais são.

Actualmente, o Ministério Público é uma entidade autónoma em relação aos órgãos de soberania – AR,Governo e Tribunais – pois não depende de qualquer deles, estando sujeito a diversos mecanismos de fiscalização externa e de auto-regulação, designadamente através do Conselho Superior do MP, do qual fazem parte, além do PGR e de membros eleitos pelos próprios magistrados, também representantes da Assembleia da República e do Ministro da Justiça.
Este sistema impede a instrumentalização pelo poder político e em princípio garante a uma desejável e necessária liberdade de actuação.
Simultaneamente, existe também um elevado grau de autonomia interna, que permite que cada magistrado tenha liberdade de actuação, dentro dos limites da lei.
Embora a estrutura esteja hierarquizada, os magistrados do MP devem obediência à lei e podem recusar-se a cumprir ordens dos superiores hierárquicos se as considerarem ilegais ou contrárias à sua consciência jurídica.
Na Europa, apenas a Itália, terá um grau de autonomia mais vincado que o nosso. E talvez por isso mesmo, poderemos comparar os resultados recentes sobre o escândalo de futebol, com aspectos semelhantes ao que por cá se vai arrastando até a uma previsível prescrição ou um mais que provável arquivamento por inexistência de mecanismos legais de sancionamento ( a lei de corrupção desportiva parece ser inconstitucional).
Em França e Espanha o sistema é diferente, mas também é diferente a entidade que procede a investigação criminal- juízes de instrução.
Qual é o perigo da perda de autonomia do MP, face ao Governo?
É óbvio: a justiça pode politizar-se e certos processos podem nem começar ou mesmo acabar devido a influências directas, indirectas e subtis dos poderes políticos do momento.
Sabemos muito bem o que a casa gasta em Portugal. Os exemplos recentes, de processos mediaticamente importantes não deixam margem a quaisquer dúvidas sobre o que teríamos, em caso de perda de autonomia do MP.

Por causa destes receios bem fundados, notados pela observação de medidas avulsas tomadas por este governo e através de declarações públicas de responsáveis políticos, sabemos hoje o que realmente pretendem os poderes políticos: controlar o mais possível, o poder de investigação criminal, através do cerceamento das possibilidades de recurso a escutas telefónicas, a restrição de meios de investigação sensíveis e a reorganização de serviços e meios com vista a um objectivo evidente e inconfessável: tornar virtualmente impossível a repetição de escândalos como o daquele que se estava " a cagar" para o segredo de justiça, ou daquele que dava palpites sobre o nome de um futuro e desejável PGR; ou até o da elaboração de álbuns malditos.
O poder político português, não tolera estas aventuras derivadas da permissividade dessa lei que tínhamos e que eles mesmos, ingenuamente, aprovaram.

É neste contexto que aparece o convívio de Gaia e os discursos políticos proferidos após o frugal retempero prandial. Todos os representantes dos poderes políticos presentes, a saber, o vice-presidente da Câmara de Gaia, Marco António; o representanto do PCP, Odete Santos; o representante do CDS, Sílvio Cervan; o representante do PSD, Paes de Vasconcelos e o representante do PS, Alberto Martins, declararam de viva voz o seu apego à conquista constitucional da autonomia do MP! Todos esperam que a autonomia continue como direito adquirido! Notável! Mas, ao mesmo tempo, tanto entusiasmo pelo princípio da autonomia, negado pelas práticas recentes, deixa larga margem a dúvidas sobre a sinceridade autêntica dos propósitos.

Há bocadinho, na RTP2, o bastonário da Ordem dos Advogados, Rogério Alves, a uma pergunta titubeante da entrevistadora que demonstrou pouco saber do assunto, sobre o perfil do futuro PGR, disse despreocupadamente:
"Deve ser um líder carismático que goste de dirigir e que tenha facilidade em comunicar o que é o MP".
Para Rogério Alves o futuro PGR pode ser um magistrado ou não. E pelas apreciações que fez, ficou a ideia de que prefere que não seja...
Quem deverá ser então?!

Aditamento ( 15 horas de 17.7.2006):

Após pequenas correcções no texto supra e para melhor entendimento do que significa a autonomia do MP e o seu contexto, sugere-se a leitura de dois pequenos textos, já antigos.
Um deles, "Uma pequena história do MP", por aqui, na Portadaloja.
Outro, Pela autonomia do MP, por ali, no Incursões.

Publicado por josé 22:40:00  

3 Comments:

  1. james said...
    A chamada pescadinha de rabo na boca: a pergunta que deixa no final do postal encontra a resposta no seu título.
    Sinto-me completamente esclarecido.
    zazie said...
    a foto está uma maravilha de cinismo

    ":O)))
    Cosmo said...
    A foto é mesmo fantástica, no sentido de fantasiosa. Seria mais real se víssemos a gravata de Maximiano Rodrigues...

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