Crónicas da "boa imprensa"

É assim, a crónica de Manuel António Pina, no Jornal de Notícias de hoje:

"Com a condenação, no início da semana, de um ex- -monitor da Casa Pia a 16 anos e meio de prisão por 19 crimes de abuso sexual de menores, sobe para 17 o número de condenações nos processos autonomizados do da Casa Pia (ainda em julgamento) e no chamado "processo do Parque". Até agora, longe dos holofotes das primeiras páginas dos jornais e dos "prime times" das TV's, as penas ascendem já a um total de 74 anos e 9 meses de cadeia. Em nenhum desses processos a veracidade dos depoimentos das crianças e adolescentes abusados foi questionada na comunicação social, nem houve jornais a pôr no banco dos réus os responsáveis pela investigação (e muito menos a pedir, por causa dela, a cabeça do PGR). Não sei se há (e quero crer que não haja) duas justiças diferentes, uma para os cidadãos comuns e outra para os "incomuns". Mas há decerto um jornalismo diferente para uns e outros, e não me refiro apenas ao jornalismo tablóide nem ao valor-notícia da notoriedade. Refiro-me a "boa imprensa" e a má, ou a nenhuma, "imprensa" para os mesmos factos. E, jornalista há 35 anos, pergunto-me se o jornalismo de pessoas se terá substituído inteiramente ao jornalismo de factos, em que se funda (ou fundava) a própria credibilidade do jornalismo."

O estimado cronista do JN e jornalista há dezenas de anos, poderia obter uma resposta, mesmo parcial, para a sua pergunta implícita, indagando em cogitações, como é que se chegou, em Portugal, a uma réplica de jornais já famigerados em outras latitudes e de que o jornal 24Horas é o expoente.
Poderia – poderíamos todos - tentar perceber, como é que um jornalista que chegou a escrever no jornal de partido, o comunista Avante, aterra numa redacção para dirigir um jornal diário em que confessadamente e, na perspectiva do interesse púbico- definido pelo próprio-, se procura noticiar tudo aquilo que diz respeito aos “famosos”, ao “dinheiro” e ao “crime”, em formato semanticamente tablóide.
Se soubéssemos como foi possível chegar profundamente, a tão altos interesses do público, compreenderíamos a razão, por exemplo, de uma notícia a propósito dos problemas urinários de um “famoso”, e teríamos certamente a chave da compreensão daquilo que nos aconteceu nos últimos trinta anos.

Publicado por josé 12:57:00  

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