Uma petição ética

Sobre as ausências de muitos deputados, no dia 12 de Abril, quarta-feira, no Plenário da AR, já muito se escreveu e glosou.
VPV, na sua crónica do Público, comentou algo acertado: porquê tanta admiração e escândalo, quando esse tipo de comportamento que é a antecipação de férias, feriados e faltas, parece ser generalizado nos serviços públicos, e até alguns particulares, onde tal pode ocorrer sem consequências de maior?
Dir-se-ia, por isso mesmo, que o sentimento geral é o de mais um escândalo, a somar a tantos outros, conhecidos e publicitados e que não tiveram outras consequências a assinalar, para além do falatório maledicente, durante uns dias, poucos e provavelmente até que outro o substitua ou uma notícia mais gorda o suplante no interesse espelhado nas páginas de abertura de rádios, jornais e tv´s.
O melhor retrato desta anomia rompante, é a declaração de candura desarmante do deputado Narana Coissoró: "houve negligência do próprio Parlamento» ao marcar as votações para esse dia. Sabiam que era véspera de começar um fim-de-semana longo e que os deputados não estariam assim tão interessados. Além disso não era o dia habitual das votações, nem era a hora das votações.”
Outra declaração interessante é a de Alberto Martins, do PS: “actualmente, sempre que uma diligência se realiza é feita uma chamada de deputados por SMS»!
Dada a especial evidência do escândalo, o mais fácil, barato e que também renderá milhões de vozes concordantes ( quem discorda?!) será afirmar em coro geral que a conduta dos faltosos é indesculpável.
Mas, sendo a mais fácil, também suscita outras interrogações que relativizando e contextualizando os comportamentos, diminuem a força do escândalo e integram-no num outro, mais grave e mais sustentado e por isso mais interessante para debater: a falta de ética na política portuguesa!
Este é que é o escândalo dos escândalos e este é que merecia um levantamento geral! Mas…por quem? Quem é que iria fazer o pronunciamento às portas da Assembleia, exigindo a adopção dos princípios éticos que continuamente parecem atropelar-se nos corredores da Assembleia?!
Tomemos o exemplo das Comissões Parlamentares de Inquérito: servem para quê?! Para descobrir a verdade dos assuntos sobre os quais inquiriram? Para mostrar que funcionam de modo isento e objectivo? Não, necessariamente. Servem para mostrar inequivocamente quem detém a maioria na Assembleia e quem é que vota as conclusões de um modo ou de outro, conforme os assuntos interessem aos partidos que sejam votados desta ou daquela forma.
Tomemos o exemplo de outro escândalo ainda recente: as viagens dos deputados( não) realizadas à custa do orçamento da Assembleia e cujo custo foi embolsado pelos viajantes-fantasma . Tal como agora, com as faltas, e eventualmente com alguns dos protagonistas actuais, o escândalo era tão evidente e tão grave que o mais fácil seria processar e acusar os prevaricadores. Porém, tendo isso ocorrido, valeu de alguma coisa a lição, para uma prevenção geral ou até especial?! Não. Não valeu, fora a circunstância de ter acabado o regime especial de requisição e pagamento de viagens. Mas não evitou a repetição de outros escândalos, como o que agora se tornou visível e porventura seria recorrente.
Tomemos ainda um outro exemplo concreto: as regalias auto-concedidas, pelo exercício da profissão e que permitiram reformas chorudas antecipadíssimas; reintegrações faraminosas para alguns e um regime de incompatibilidades especiais que permite por exmplo aos advogados deputados e suas sociedades, funcionarem como se nada lhes fosse impedido na realização de negócios privados, acumulando o exercício dos cargos públicos no Parlamento. Justificação de tomo: as sociedades de advogados não praticam actos de comércio- logo não são sociedades comerciais, logo o exercício da advocacia de negócios é perfeitamente compatível com o exercício do cargo de deputado. Daí surgem os escândalos recentes, passados e futuros.
Assim, perante esta escandaleira contínua, permanente e sem resolução à vista, pois como diz o povo, “burro velho não toma andadura…”, que se poderá fazer de concreto, preciso e imediato?
Alguns, aproveitando a gota deste escândalo, pretendem tomar uma iniciativa radical e moralizadora, agora e aqui, nos Filhos da Nação.
Uma petição, assinada eventualmente por milhares, dirigida a quem de direito, pode efectivamente provocar efeitos razoáveis e úteis. Veremos a força da democracia directa, pois é disso mesmo que se trata.
Outra atitude, é a tomada pelo professor Jorge Miranda, ainda ontem, no colóquio realizado na AR, ironicamente subordinada ao tema “Ética e Política”. O constitucionalista defendeu a limitação de mandatos e a introdução do regime de exclusividade para os deputados.
Só uma pergunta sobre isto: há quantos anos estão na AR alguns deputados?! É apenas por serem insubstituíveis, de alto valor , por rotina partidária ou porque já não há outra coisa que possam fazer?
Segundo o Portugal Diário, Jorge Miranda ainda se pronunciou sobre outros aspectos da “Ética e Política”. Disse que “Um deputado não pode aceitar nenhum cargo proveniente de outro órgão público», apontando como exemplo cargos de gestor público e defendendo a introdução desta regra na legislação.
Referindo-se à autonomia dos grupos parlamentares, Jorge Miranda manifestou- contra a «interferência» dos «directórios partidários» nos grupos parlamentares, dizendo que «O directório partidário é que escolhe os candidatos e interfere no sentido de voto dos parlamentares “.
«Os grupos parlamentares não podem deixar que o sentido de voto seja imposto pelos directórios partidários. Enquanto isto se verificar é natural que o prestígio do Parlamento caia em vez de subir», salientou.
Hoje mesmo, no encerramento de tal colóquio, podemos ler no Diário Digital, algumas opiniões de um líder parlamentar.
Alberto Martins considerou necessária «uma grande modernização da Assembleia da República», com mais «condições logísticas de apoio aos deputados» e «alterações ao trabalho parlamentar».
Entre estas atitudes, ou seja, a de interpelação directa e responsabilizadora formulada e subscrita na petição dos Filhos da Nação; a crítica acerada e fundamentada de Jorge Miranda e o reformismo conformista de Alberto Martins, pode situar-se a da maioria dos eleitores, traduzida num profundo cinismo e numa descrença generalizada nas virtualidades da instituição para se regenerar e moralizar.
Assim, assistiremos por mais uns anos, a tentativas de alguns esclarecidos, como é o caso de Jorge Miranda, contra o poder fáctico de outros, como é o caso de Alberto Martins e outros insuspeitos parlamentares, como Francisco Louçã que por seu turno já avisou contra “o populismo” que estas petições representam!
Hoje mesmo, na AR, no mesmo encerramento do colóquio referido, perante uma proposta concreta de criação de Conselho de Ética e de Conduta, na dependência do presidente da Assembleia da República, foi tal proposta chumbada liminarmente, com razões que nem adianta muito ler: já se conhecem de ginjeira!
Quanto a essa organismo de controlo directo, Alberto Martins não concorda. Bernardino Soares idem.Nuno Melo, idem, aspas e Luís Fazenda idem, aspas, aspas.

Mesmo que o deputado proponente, do PSD, tenha dito que «só sendo cada vez mais exigentes em relação a si próprios é que os deputados granjearão um respeito cada vez maior» quem vai acreditar depois dos escândalos que se sucedem e do que está à vista de todos, em todos os grupos parlamentares?!

Pois sendo assim, o melhor será mesmo assinar a petição

Publicado por josé 17:37:00  

4 Comments:

  1. Pedro Sá said...
    Não assino, e por duas razões:

    O proposto na alínea c) não tem nada a ver com o objecto da petição e é totalmente absurdo.

    O Presidente da República e principalmente o Primeiro-Ministro não se devem pronunciar sobre o assunto, ao abrigo da separação de poderes.
    josé said...
    É verdade que os comentários denotam o tal populismo temido pelo Francisco Louçã( quem diria, vindo da parte de quem faz as campanas políticas como temos visto?!).
    É verdade que ainda há poucas assinaturas, o que demonstra a pequena implantação dos blogs na vida política e social.

    Mas também é verdade que subscrevo os considerandos, mesmo que entenda que a participação criminal, tal como referida pelo comentador pedro sá, é espúria, pois redundaria numa vergonha maior, como redundou aliás o processo das viagens fantasma...
    É só por isso, aliás, que entendo que não deve haver participação criminal.
    O domínio do direito penal´deve ser sempre residual e a ultima ratio.
    Para este efeito, a anomia já é tão grande, entre os deputados e sociedade em geral que nem me custa a aceitar a ausência de dolo na actuação...

    Logo, o que se impõe e esta petição pode permitir de alguma forma, será um elevar da consciencialização geral.

    É simtomático, como os comentadores encartados e de jornal, passam sobre este assunto, como gato por cima de brasas.

    O Pacheco até prefere entreter-se com os comentadores anónimos, na semana em que este problema surgiu...
    josé said...
    Tipo esperto, este Pires...
    Cavaleiros do Apocalipse said...
    E mais uma coisa:

    O Pacheco não gostou provavelmente do link que o António Balbino pôs para o nosso nóvel site com a petição sobre as faltas dos deputados que andamos todos a pagar e que nos exigem actos de moralidade laboral. Deixo a síntese dos comentários que alguns subscritores deixaram sobre os ilustres representantes da nação......é isto que doi? Pois a mim tb me doi ter que sofrer na pele, no emprego, nos impostos o resultado de anos de "brilhantismo" politico. Fica a síntese da petição que não é oficial mas somente oficiosa e que resume largamete o que se pensa:
    - "o Presidente da AR devia no final de cada Sessão Legislativa, mandar publicar em DR, o labor de cada um destes Pais da Pátria, com as faltas, intervenções, propostas, votações, etc., para que os eleitores pudessem apreciar a sua "eficiência". Hoje 20 de Abril, uma vez mais brincaram em Serviço."
    - "Decência Senhores, decência..."
    - "Um exemplo da nossa hipocrisia."
    - "E é esta gente paga por nós ..."
    -"Revolucao Liberal ja! E sem cravos! A "Geracao rasca" agradece"
    - "Chamar "GATUNOS" a esses palhacos de gravata, sera muito pouco. Afinal o ( cavaco) nao serve para umas pancaditas?"
    -"Sao as idas ao futebol "em servico", sao os "desenfiancos", etc, etc. Em tudo os maus exemplos vem de cima...nunca confiei nesses animais."
    -"Abaixo a corrupção. Rua com eles!"
    -"Gestos cívicos como este precisam-se!!!"
    -"E destas iniciativas que o País necessita. Eles fiscalizam-nos! Nós devemos fiscalizá-los tb!"
    - "Isto é como o anúncio do sabonete LUX "9 de cada 10 deputados são Cretinos" "
    -"Filhos DEputaDOS - Ladrões encartados!"
    -"É preciso acabar com a pouca vergonha!"
    -" depois os funcionarios publicos é que são os baldas, hem?"
    -"Moralidade Para Todos! Assim não vale!"
    -"Excelente iniciativa. Isto é que são tipos cumpridores!"

    as palavras falam por si.......
    4º Comandante de Lisboa

    www.fihosdanacao.blogspot.com ...agradecemos ao José a nobre atitude de divulgar a nossa petição e o nosso blogue....faremos o mesmo.

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