'um ponto de chegada'

José Medeiros Ferreira, um dos mais qualificados apoiantes da recandidatura de Soares a um terceiro mandato presidencial, explica-se em relação ao que chama "o novo Mário Soares". Fala da história - a dele, com e contra Soares - e do "percurso" do corajoso fundador do regime democrático. "É um novo Mário Soares que temos pela frente", escreve, confiante, M. Ferreira. Sem querer, o autor pôs o dedo na ferida. Não tenho a certeza que o país aprove tão entusiasticamente e com tanto optimismo este "novo" Soares. Verdadeiramente não é uma "nova ideia para Portugal" - algo construído ao longo dos anos do exílio e das primícias da democracia, algo que mobilizou determinantemente o eleitorado "moderado" e "realista" em 1986 contra a "esquerda" folclórica e ressabiada e a direita "mal resolvida" - aquilo que move este "novo" Soares. Soares gosta tanto do social-democrata mal amanhado que é José Sócrates como eu gosto de beterraba. Não suporta a ideia de ver este homem, que ele suspeita ser mais ou menos feito de "plasticina política", a liderar a sua preciosa "esquerda". Não é esse o legado com que sonhou nos últimos anos. E a respeitabilidade que entretanto sedimentou à esquerda da sua própria "esquerda", pesa e muito. Finalmente, existe Cavaco, o inimigo de estimação. A mera admissibilidade de "tolerância" daquele por parte de Sócrates, é impensável para Soares. Manuel Alegre nunca contou nas lúbricas considerações do "fundador". Se há coisa em que Soares não se distingue particularmente é pela "delicadeza" política. A sua bonomia pára instantaneamente à porta dos seus interesses, esteja lá quem estiver. "Não se transformou porém num extremista, antes revelou-se, nestes últimos anos, como alguém capaz de antever o novo a nascer", conclui M. Ferreira. Eu também não aprovo o epíteto de "extremista" que por vezes é insinuado em relação a Soares. Porém, não sei a que "novo a nascer" se refere M. Ferreira. Ao "novo" Soares preferirei sempre o "velho". Porque, neste momento, a sua candidatura representa apenas o último avatar do "regime" e um gesto paternalista de apoio a um partido e a um governo embaraçados. Nada disto perfaz "uma ideia para Portugal", muito menos o ridículo "perigo" da direita. A recandidatura de Soares é apenas um ponto de chegada. Não é manifestamente um ponto de partida e, muito menos, um ponto de partida para "o novo a nascer".

in Portugal dos Pequeninos

Publicado por Manuel 13:58:00  

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