Um Toque de Midas na Economia Portuguesa

Quando uma economia sobe desmesuradamente, e assente apenas e só num vector, os desequilíbrios a longo prazo podem assumir proporções catastróficas para todo o país.

Se por um lado é verdade que os economistas se limitam muitas vezes a transmitirem os pensamentos mais nefastos e a lançarem o pânico com as suas previsões dantescas, a verdade é que a economia portuguesa está numa retoma que se assume mais perigosa do que se estivéssemos em plena recessão.

Pode parecer paradoxal, mas em recessão os governos tendem, e quando são inteligentes, a tomar medidas de austeridade e de rigor orçamental. O que hoje temos em Portugal, é um conjunto de pessoas a quem o poder lhes foi entregue de forma irresponsável e de forma unilateral, e que age dessa forma.

Na economia europeia, a moeda Euro, bate recordes atrás de recordes, e atingiu ontem 1,3021 contra o dólar, o que constitui uma boa notícia sobretudo, para países que transaccionam contra dólares. No caso português, esta subida apenas se sentirá na captação de petróleo mais barato (os mesmos euros compram mais dólares).

A economia portuguesa irá crescer, em 2004, perto de 1,25 %, algo que o DN, hoje publica, mas que a Grande Loja já em Abril deste ano afirmava, alertando acima de tudo para a forma como esse crescimento se poderia realizar.

E o problema assenta num vector tripartido.

Nos últimos dois anos, quer com o congelamento de salários na função pública, quer com o aumento da taxa de desemprego, o nível de poupança dos portugueses diminui para níveis historicamente baixos. Esse reflexo pode ser visto também no indicador de confiança dos consumidores, ainda em terreno negativo.

Ora em 2004, a economia portuguesa, vai crescer não por força das desejadas exportações, mas sim por força do consumo privado que é talvez a mais nefasta forma de uma economia crescer. De forma surpreendente, a taxa de crescimento do investimento será inferior em 2004 à do consumo privado, e já nem a desculpa da necessidade de harmonização fiscal no espaço europeu serve de desculpa, pois Portugal tem o segundo regime fiscal mais baixo da EU.

Portugal, tem um problema crónico, que há muito foi por aqui discutido a meias com o sempre coerente Irreflexões. Sempre que a nossa economia dá um salto para terrenos positivos, as importações aumentam de forma exponencial superando as exportações, aumentando o crónico défice comercial e por sua vez a dívida externa de Portugal.

Isto acontece, não devido ao aumento do consumo privado, como hoje o politizado DN refere, mas sim devido ao simples facto de Portugal não ter oferta capaz de suster a procura. E isto acontece, porque Portugal nunca foi e duvido que algum dia seja capaz de promover algum dos modelos clássicos de promoção do desenvolvimento. Nem substitui as importações por produção interna nem promove as exportações. Ao mesmo tempo ganha contornos dos países da América Latina e da sua insuficiência dinâmica. Nenhum economista ficou horrorizado ao ler o relatório como afirma o DN, qualquer ser inteligente sabia que isto se passaria.

Ora, a insuficiência dinâmica no caso português, são as famílias e a sua capacidade de endividamento. Quando o Banco de Portugal afirma que no final de 2004, as famílias apresentarão um endividamento de 118 % do seu rendimento disponível, existe de imediato uma pergunta incómoda e certamente pertinente, que se impõe.

E se os juros sobem ?

Depois, há a falácia do investimento público, que apesar de poder gerar os cash flows esperados, devido as externalidades que possuí não é automaticamente rentável nem as suas vantagens automaticamente assumidas por serem mais difusas. Foi exactamente, a falta de medidas e reformas estruturais na altura de ciclo expansionista da economia que originou que a recessão económica que o mundo atravessou, tivesse mais impacto em Portugal, as tais medidas de contraciclo que tomadas em ciclo, permitiriam reduzir o défice estrutural.

A isto acresce, a meu ver o sinal negativo deste orçamento. A economia portuguesa ainda não apresenta um estado conjuntural mas acima de tudo estrutural, capaz de aguentar uma diminuição dos impostos. Ao nível da despesa não há sinais de rigor nem de consolidação orçamental, e Portugal vai pagar já a partir de Janeiro o preço de ter visto a S&P, aumentar a sua notação de risco, com o acréscimo das taxas de juros na emissão de obrigações da dívida pública. A divulgação do relatório de execução orçamental pela DGO, começa por referir que o défice desceu face ao período homólogo, mas deixa para as entrelinhas duas questões que são essas sim, importantíssimas:

As despesas com o pessoal da função pública, estão fora de controlo, crescendo de forma não nominal com a economia e bem acima da inflação. Recorde-se que o objectivo do orçamento de 2004, era um crescimento de 3,3 % nesta rubrica.

Um dos factores explicativos podem bem ser as promoções automáticas na função pública, mas o governo tinha a obrigação de as incluir no orçamento de Estado e não de as omitir. Ou será que este diferencial pode também ser explicado pelos 30% de nomeações governativas a cargo única e exclusivamente do PP?.

As receitas dos impostos estão abaixo do esperado pelo próprio Governo. Ora como o Governo quer cumprir o défice dos 3,00 %; o mesmo governo vai “ inventar” receitas extraordinárias na casa dos 2 mil milhões de euros, por forma a diminuir o défice público de 4,9 % para 2,9 %.

Se a isto juntarmos as reformas da função pública, com a contribuição do Estado para a CGA a assumir uma variação homológa de 15,5 % .

Ora perante este cenário, alguém consegue compreender a lógica de diminuição de impostos em 2005? que no mesmo ano de 2005 serão obrigados a pagar um pouco mais, para em 2006 receberem um cheque de reembolso mais “gordo”, não constituí mais do que um forma encapotada de campanha eleitoral, em vésperas de eleições legislativas.

O Estado não está à deriva. O Estado está no fundo, moribundo e defunto.

Publicado por António Duarte 13:46:00  

5 Comments:

  1. Anónimo said...
    O PCP anunciou que o próximo SG será o Jerónimo de Sousa. Ora aqui está uma consequência da tomada de poder pelas classes trabalhadores. No PCP deixou de contar a vontade do militantes e, confirma-se que quem manda são os funcionários/dirigentes acomodados no ordenado do partido e num vasto património imobiliário que lhes garante a sobrevivência até à idade da reforma e que, ou me engano muito há-de ser notícia no 24 Horas.
    Volta Cunhal que estás perdoado.
    Anónimo said...
    "Portugal vai pagar já a partir de Janeiro o preço de ter visto a S&P , aumentar a sua notação de risco, com o acréscimo das taxas de juros na emissão de obrigações da dívida pública "

    Isso nao é totalmente correcto...o que foi dito,na alura, é que poderá,no futuro, haver essa possibilidade.
    A notacao de risco para Portugal manteve-se igual .
    ---
    As receitas dos impostos estao , ainda de 1foram marginal, acima do orcamentado .
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    Se é dificil compreeder a logica da descida de impostos para os proximos anos classifica-las de medidas encapotadas de propaganda eleitoral é tudo menos correcto.
    Sao medidas previstas e enunciadas desde há dois anos , (mesmo em campanha eleitoral de 2002). Nao sao novidades para ninguem .
    António Duarte said...
    Caro Anónimo

    Tenho a minha frente o documento da Standard and Poors..

    Sovereign credit ratings of Republic of Portugal

    From: AA/STABLE/A-1+ To :AA/NEGATIVE/A-1+

    Ainda acha que a notação de risco não baixo ?
    Anónimo said...
    A informacao que tive na altura ,a que foi apresentada pela comunicacao social , foi que a S&P’s teria revisto o seu «outlook» (i.e a sua perspectiva para a evolucao da economia portuguesa ) de estavel para negativa . Informacao essa que poderia resultar numa descida da notacao de rating de divida do país.
    Anónimo said...
    Tendo em conta:
    1º: A política, intencional, de desindustrialização, fundamentada na tese de Ricardo -deixar a produção para quem for mais eficiente, o que nos permite preços mais baixos no consumo, venham os produtos de onde vierem -, o abandono das pescas e das riquezas do nosso mar, a enormidade ds decisões no que respeita à politica agrícola;
    2º: A intocabilidade do nosso inacreditável e kafkiano funcionamento judicial;
    3º: O sistema de formação das élites que foi deixado em roda livre e entregue a charlatões carreiristas e oportunistas;
    4º O desprezo pelo contributo que a I&D poderia ter dado ao nosso País;

    haverá ainda alguém que se espante com o facto de caminharmos para o terceiro-mundo ? só se andar a dormir.
    Por outro lado, e visto do ponto de vista do centro da UE, Portugal é quasi nada: algum turismo no Algarve, um bom porto de mar em Lisboa, alguma indústria - meio falida- de mão de obra intensiva no Norte, e basta. No todo é equivalente a uma fábrica de média dimensão de automóveis, por exemplo. Por isso haverá sempre umas esmolas da UE para os pernetas em que nos tornámos. É para nós pouco digno, talvez, mas para eles é melhor terem-nos pobrezinhos mas sossegados.
    Tou chateado,pá, claro que tou chateado !!!

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