Brandos costumes

O cenário é uma pequena avenida de uma cidade de província, em hora matinal. Passeios largos e gente a deambular. De repente, irrompe no habitual murmúrio da pacatez citadina, a sirene estridente de um carro de polícia, a passar à frente de outros carros civis e em marcha acelerada para lado nenhum.

Ao volante do carro da GNR-brigada de um território qualquer, um bivaque de cabo, a olhar, perdido, o horizonte da avenida, à frente do nariz. Pára na via, ainda afogueado pela corrida e pergunta ao primeiro transeunte que o cruza do outro lado: onde fica o tribunal?!

O atónito e plácido passeante, aponta-lhe o dedo no sentido inverso ao escolhido pelo bivaque que embasbaca e prossegue, pronto a inverter a marcha, ali mesmo em plena via estreita e com rotunda ao fundo.

Chegado à centena de metros que o separava do destino, o percurso do bivaque motorista termina com o estacionamento da viatura em frente à porta principal do edifício, em local proibido para o vulgar cidadão, mas tornado em instantâneo parque de estacionamento improvisado, devido às virtualidades das cores suaves do verde de branco do carro, a ostentar o escrito "GNR- brigada" .

Ninguém protestou e muito menos os outros motoristas, sem bivaque que a partir daí começaram a enfileirar e a esperar a vez de passar na via estreita, com o trânsito assim encanitado.

Momentos antes, o casarão, tinha passado em frente dos olhos do bivaque de cabo, o que não impediu que virasse para o lado errado, ainda com a sirene de polícia em serviço, no máximo da estridência. Quem ouviu, olhou e pensou: vem aí ministro! Ou então, reflectiu: acidente grave! Sem sinal de sinistro nem vista de ministro, terá repensado: vão atrás de alguém!

Mas não era o encalço ao bandido que impelia à corrida, de sirene montada.

Em poucos segundos se percebe que a perseguição putativa era tão-só uma questão de... pressa! A justificadíssima pressa de chegar a tempo de apresentar um detido, com mandado emitido por juiz de preceito, documentado no papel seguro na mão. Fatalmente destinado a uma espera longa, num corredor esconso, por um funcionário que o carimbasse de volta..

Do carro de polícia, abeirou-se um outro, este graduado em sargento, anafado pelo ofício e que rolava nas mãos o papel a mandar deter o homem que trouxera ali. E que ali não estava.

Alguns minutos passaram, de conversa descontraída entre o bivaque motorista , de plantão junto ao carro e o sargento comandante, anafado pelo ofício e que segurava o papel que prendia um homem.

Mistério denso, de facto. Um polícia a segurar um papel que assegurava um detido e deste nem fumo! Mais uns minutos e vindo directamente do fundo do parque de estacionamento subterrâneo, mesmo ali ao pé, a fumar respiração de frio, apresenta-se o preso ao sargento de ofício, anafado pelo papel, em descontraída espera, junto ao batedor .

É então que se revela que o preso é um perigoso queixoso, recalcitrante, detido por faltar à convocatória para diligência, por uma qualquer Excelência e não justificar no seu devido tempo.

Como morava longe, ao ser detido, falou no transporte ao sargento que o deteve e que aquiesceu: - Pois sim, pode levar o seu carro. Mas como assegurar a prisão de um detido que se move pelos próprios meios de um Mercedes topo de gama? Fácil! Pede-se boleia ao detido! E assim foi. O detido, preso ao volante do carrão lá fez a viagem, constrangido pela obrigação. O sargento captor, de mandado na mão, assegurava a detenção, ao seu lado e na função. À frente, durante os largos quilómetros do cumprimento da detenção, seguia o bravo bivaque, sózinho, ao volante do carro patrulha, de sirene ligada e em toada de batedor, cumpridor zeloso da respectiva função.

No destino, o preso pelo papel, seguiu para o parque de pagamento privado e apeou o captor que esperou solícito que o detido aparecesse. O outro, batedor de bivaque, ficou mesmo ali, na via pública, a embaraçar os outros, preso ao atavismo de costumes parolos e comportamento seguro pela autoridade de um carro pintado com as cores do estado. Pobre estado.

Publicado por josé 18:05:00  

2 Comments:

  1. zazie said...
    ahahhaha que cena macaca ":O)))
    Anónimo said...
    A culpa é do Santana Lopes

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