"Do Portugal Profundo"


Em Leiria, um autor de um blog mereceu a atenção de um procurador do Ministério Público e de dois agentes da PJ, pela alegada prática de um crime punível com pena até um ano ou pena de multa.

Em Guimarães, um sereno livreiro que expôs em escaparate um livro intitulado "As mulheres não gostam de foder" mereceu igualmente a atenção de um procurador que abriu inquérito em face de uma lei que não conheço e que punirà a exposição de material obsceno ao público. Com esta abertura de inquérito, que me abstenho de comentar pelo absurdo manifesto, gastar-se-à papel, o tempo de alguns funcionários, de alguns agentes policiais em notificações, dispender-se-ão honorários a advogado para defesa, etc.

Isto passa-se no mesmo país em que já ninguém fala de Isaltinos ou de Pretos. Lembram-se? Isto passa-se no mesmo país em que a criminalidade do tráfico de influências, da lavagem de dinheiro e da fraude económico-financeira associada ao financiamento dos partidos parece adormecer em discretas gavetas.

Estando o Ministério Público submetido a um princípio hipócrita de legalidade - que significa que é obrigado a investigar e acusar por todos os crimes, mesmo que os meios sejam limitados - , em lugar de estar submetido a um princípio de oportunidade que fosse rigorosamente sindicável - que lhe permitiria, em face da limitação de meios, dar prioridade à investigação e acusação dos crimes mais complexos e que mais danos geram na comunidade - o resultado de tudo isto é que, na prática, como o panorama confirma, acaba por funcionar o princípio da oportunidade na prática e no pior sentido: como é menos complexo e exige menos meios, é mais fácil e eficaz perseguir os "pilha-galinhas", a pequena criminalidade que se despacha em duas páginas de um despacho de acusação já minutado à saciedade em tantos outros casos idênticos: cheque sem provisão, a agressão entre vizinhos, a injúria, o tabefe, o roubo, o pequeno traficante que teve azar.

Alguém conhece gestores de empresas obscenamente falidas no Vale de Ave ou em Belmonte, em cujas comarcas os senhores procuradores tenham com zelo, diligência e eficácia idênticas à aplicada ao Sr. António Balbino Caldeira, entrado pela porta adentro com mandados de revista para apurarem: as contas bancárias, os bens móveis, a mistura entre dinheiros da empresa e dinheiros da família, o saco comum de onde se paga o jipe pró menino e o mercedes novo para a Patroa e digníssima esposa?

Alguém conhece alguma secretaria-geral de um dos partidos políticos ou casa particular de um dos seus secretários-gerais revistada com a mesma eficácia e zelo aplicada ao Sr. António Balbino Caldeira?

Em suma: a criminalidade económica ou contra o Estado de Direito (corrupção, tráfico de influências, lavagens de dinheiro) fica essencialmente impune. Porquê? Porque, genericamente não há lesados directos: a lesada é a comunidade, é o sistema político, e as pessoas não a sentem, ou pelo menos não a associam depois aos males de que se vão queixando, como por exemplo, o preço exorbitante de uma casa de habitação pelo facto de ter de reflectir as luvas que vários intermediários tiveram de receber na autarquia ou no partido. O que interessa ao povão em eleições é que lhe falem da pequena criminalidade, da insegurança, da velhinha que tem medo do roubo por esticão, ou do sujeito que está preocupado se lhe sacam o auto-rádio da viatura.

Entretanto, importunam-se os Balbinos...É mais fácil e lava mais branco!

in Afixe

Publicado por Manuel 01:00:00  

5 Comments:

  1. zazie said...
    Pinto Nogueira,
    Eu entendo a sua indignação e os seus escrúpulos. Mas, ainda que isso tenha acontecido, mantenha a distância. Nem os parentes temos de carregar às costas quanto mais a profissão!
    ...já nos basta o país ";O)))
    zazie said...
    e nestas recordações fico sempre com um sorrizinho malandro. É que a esses quem lhes bateu fui eu que eles a mim nunca me apanharam looooooooolll
    Anónimo said...
    ó manel, essa do livro parece que foi em viseu
    Anónimo said...
    http://jn2.sapo.pt/textos/out60812.asp
    Manuel said...
    Quanto a ser em Viseu ou Guimarães, o texto não é meu, foi publicado, tal como se indica noutro blog - o Afixe... De qualquer forma o erro na geografia é absolutamente irrelevante para o caso.

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