A justiça deste tempo

José Augusto Sacadura Garcia Marques é um nome que dirá pouco a muita gente. Mas diz muito a alguns. O seu curriculum vitae, em breves notas compiladas aqui e ali, dá nisto...


Licenciou-se em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa ; delegado do Procurador da República e Juiz de Direito, exerceu os seguintes cargos: Inspector da Polícia Judiciária, Subdirector do Centro de Informática do Ministério da Justiça, Director Adjunto da Polícia Judiciária, Director-Geral dos Serviços Judiciários, Secretário-Geral do Ministério da Justiça, Procurador-Geral Adjunto no Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, Membro eleito do Conselho Superior do Ministério Público, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, colocado na 1ª Secção Cível, onde prestou funções desde 31 de Janeiro de 1998 até 19 de Fevereiro de 2003. É docente de "Direito da Informática" do Instituto Jurídico da Comunicação da Faculdade de Direito de Coimbra. Autor de dois livros, um deles em co-autoria, sobre temas de "Direito da Informática" e autor de diversos estudos jurídicos publicados.

Para além deste notável percurso de vida, é de salientar que ainda não se retirou das lides cívicas.

O visado é seguramente uma dos membros mais ilustres da elite de juristas deste país à beira mar plantado.
De resto, basta confirmar nestes locais.

Hoje, no Público, presta uma homenagem sentida a um amigo, por ocasião do seu 62º aniversário, se vivo fosse. O amigo foi António de Sousa Franco e as palavras escritas penhoram uma admiração, aliás partilhada por muitos.

Contudo, o que ressalta do escrito é mais do que isso: é uma exigência contextualizada e perplexizante!

Diz Garcia Marques, a propósito dos incidentes na lota de Matosinhos que antecederam a morte do seu maior amigo do tempo de liceu...

Mas, tendo-se optado por uma estratégia de dilação, exigia-se uma investigação célere, além de séria e rigorosa, por parte da comissão de inquérito para determinar a responsabilidade dos incidentes.

Impunha-se apurar, com urgência, se eram ou não previsíveis os acontecimentos promovidos por arruaceiros que assaltaram o candidato e dele fizeram joguete, apertando-o e empurrando-o como se fosse um boneco e não um homem de gabinete de mais de sessenta anos, intelectual, estudioso e de hábitos sedentários.

3 - Agora que a família partidária por que Sousa Franco se bateu se vai reunir para "acertar contas", não pode deixar "contas por fechar"!

Penso também que o Ministério Público, por sua vez, deveria ter promovido igualmente a abertura de um inquérito criminal com vista ao apuramento dos factos da lota de Matosinhos, onde, pelo que se leu e viu na comunicação social, terão ocorrido graves perturbações da ordem pública, susceptíveis de tipificarem um crime público, além de terem sido denunciadas ameaças de agressões físicas na pessoa de um dos caciques locais. Espero que o tenha feito.

As responsabilidades pelo espectáculo grosseiro da lota não podem deixar de ser apuradas na totalidade, retirando-se - e levando até ao fim - as consequências que se impõem. Doa a quem doer. É uma questão de elementar sentido cívico e de salubridade política.

É um dever de honra e gratidão.

Folheado o Código Penal em busca do crime público que sustentaria o Inquérito reclamado ao MP, só um artigo parece enquadrá-lo: o 302º, sobre "participação em motim" ! O crime, punido com uma pena de prisão até um ano ou multa, é objectivamente dos mais insignificantes do Código Penal. Para além disso, será sempre necessária a verificação do tumulto, " do movimento desordenado da multidão", contra a autoridade pública! Quem seria a autoridade pública na lota de Matosinhos, em manhã de campanha eleitoral disputadíssia e sem surpresa para ninguém?!

Parece que na lota de Matosinhos, tumulto houve que chegasse. Porém, não chegará ao do artigo 302º, também parece... e o contexto de campanha eleitoral, com as suas levas de peixeiradas avulsas, contextualiza comportamentos próximos da arruaça e da assuada, mas integradas depois em bancas de lagostas para suar.

Então o que leva um distinto jurista, a deixar-se embarcar nesta leva de exigências de pesca de responsabilidades criminais, clamado por justiça por causa de "graves perturbações da ordem pública", entre peixes e peixeiras, num ambiente de lota?

Será que estabelece a causalidade adequada entre a morte de um homem bom, em campanha eleitoral na qual entrou livre e conscientemente, e o comportamento dos arruaceiros que o empurraram?! Será mesmo assim?! Suporá ele a existência de um culpado directo da morte do saudoso professor ?!

Custa aceitar este entendimento chão e atirado para o populismo mais rasteiro.

A meu ver, é este o problema de uma certa elite - não conseguir atinar com uma razão isenta e agregadora de senso comum, revelando idiossincrasias de cepa.

Por muito estudo e saber acumulado que haja; por muita inteligência que pontifique; por muita experiência reconhecida, chegámos sempre ao ponto básico onde se reúnem todos os saberes: nas nossas preferências, há, demasiadas vezes, razões que a razão desconhece. , nesse limbo do entendimento, a igualdade de todos perante a lei, deixa de ser princípio, passando a valor relativo.

Exigir um Inquérito criminal, por causa de um crime público que um jurista sabe que indiciariamente não existiu, é demais. Para alguém que foi apontado como possível procurador geral da República, então, é , para além de incrível, perigoso. Porque se o fosse, teríamos certamente Inquérito. E a suspeita que fica é que o teríamos por causa de uma amizade. Se fosse assim, não podia ser.

Publicado por josé 13:25:00  

6 Comments:

  1. zazie said...
    Pois é, várias vezes me fiz a mesma pergunta. E toca a todos, mesmo aos mais inteligentes... deve ser coisa de gene que se aloja no pensamento automático “;O)

    Se nuns casos funciona por excesso de zelo por via de afectos (como neste), noutros parece-me mais perversa porque tende a esquecer os problemas estruturais, na ânsia de atribuir culpas ao grupo rival.
    Anónimo said...
    E que tal o Dec-Lei 406/74 de 29.08?
    Anónimo said...
    Eu acho que o jurista de grande mérito indiscutível não teve bem em conta o que escreveu. Fica assim...pronto, o que se há-de fazer?
    josé said...
    O Dec.-Lei n.º 406/74, de 29.08 é um diploma interessante e que sustentou legalmente o direito de reunião em Portugal, logo a seguir ao 25 de Abril.

    O artº 2º diz assim:

    "1 . As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões , comícios , manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal , conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito.
    2. O aviso deverá ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.
    3. A entidade que receber o aviso passará recibo comprovativo da sua recepção."

    Acha que se aplica?

    Se achar, diga então por favor, como fazer a correspondência entre este artigo 15º e o actual Còdigo Penal, sabendo nós que desde 1974 até ao presente foi aprovado o Código Penal de 1982 e entretanto actualizado 16 vezes!
    (...)
    2. Os contramanifestantes que interfiram nas reuniões, comícios, manifestações ou desfiles e impedindo ou tentando impedir o livre exercício do direito de reunião incorrerão nas sanções do artigo 329.º do Código Penal(2).
    Anónimo said...
    Felicito-o, José. É pena que se fale do direito, nomeadamente do penal, com o mesmo à vontade com que se fala das arbitragens no futebol. Crime? Só se for pela impunidade com que governantes de todos os lados têm permitido as tiranias e os tiranetes locais.
    Cronista Oficioso da 3R said...
    PArabéns José porque objectivamente fez uma crítica fundada, embora conhecendo o articulista pense que se o mesmo fosse PGR (para o que considero que tinha estofo moral e intelectual, embora hoje talvez não acompanhado em força física e disponibilidade psicológica, daí que o tenha recusado confirmando a primeira vertente) não cometeria o que também me parece que seria um erro ou precipitação. Então como ler a perspectiva perfilhada no texto sobre o inquérito penal? Eventualmente como fruto da amizade e também de algo que se generaliza no nosso país, mesmo entre os melhores, uma maior facilidade para afirmações imponderadas quando comentadores de bancada...

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