Uma história com fitas

Há trinta anos atrás, o mundo assistia ao epílogo de um dos escândalos mais mediáticos de sempre e revelado por um jornal: Watergate, nome de complexo imobiliário e de escritórios, em Washington DC e nome do escândalo que envolveu Richard Nixon e a sua entourage. Foi em 1972, quando esses bravos e intrépidos republicanos, já se encontravam a trabalhar para a reeleição no bi-centenário de... 1976! O jornal? O Washington Post de Martha Graham e Ben Bradlee.

No dia 17 de Junho de 1972, madrugada dentro, cinco ratolas maduros e de luva branca, foram apanhados pelo polícia de giro, a assaltar um dos escritórios- aquele onde funcionava a sede nacional da Comissão dos Democratas; era um local próprio para colocar aparelhos de escutas e foi para isso que lá entraram.
Um dos assaltantes intrépidos, James McCord, era nada mais nada menos do que o chefe de segurança do comité para a reeleição do Presidente ( Nixon). Os outros quatro, entre os quais G. Gordon Liddy, eram velhos conhecedores dos corredores da CIA e das suas várias portas de cavalo.

A notoriedade suspeita dos ratolas de alpendre alcatifado, chamou a atenção de dois jornalistas do Washington Post - Bob Woodward e Carl Bernstein, ambos na casa dos quase trinta.

Estes repórteres de gema e futuros inspiradores de milhares de jovens aspirantes ao jornalismo, começaram a fazer o trabalho que descreveram e relataram em 1974, com detalhe e génio em All the President´s men

Pois bem! Como surgiu o problema do Watergate?

Milhares e milhares de páginas foram escritas. Livros publicados e artigos nos mais diversos jornais e revistas. Agora, na net, o acervo de documentos torna-se esmagador para o historiador ou simples curioso.

A revista TIME, em 2 Maio de1994, por ocasião da celebração da efeméride dos 20 anos do escândalo e da publicação do livro “Beyond Peace” do próprio R. Nixon, escrevia, sob a pena de John F. Stacks

“No other president in American History had been revealed to be so cinically, so selfishly breaking the law to preserve his own power. Others presidents may have acted as ignobly, but none was caught so nakedly

Segundo historiadores, a origem do mal, residiu na obsessão do presidente pelo secretismo e pelas informações políticas reservadas. Para isso, em 1971, a Casa Branca de Nixon, com o objectivo de pôr cobro às sucessivas fugas de informação, como acontecera com os célebres Pentagon papers, organizou uma espécie de esquadrão de polícia privativa que designou como “canalizadores” ( plumbers), composto por antigos operacionais da CIA. Para financiar essa autêntica polícia privada, os fundos provinham,, segundo alguns, de operações clandestinas.

Que faziam os “canalizadores”? Basicamente, assaltavam lugares reservados e colocavam escutas em telefones privados, de “inimigos”, em nome do interesse público . Assim, a operação do edifício Watergate, foi mais uma das suas aventuras – um raid aos inimigos do partido democrata, para lhes colocar os telefones sob escuta!

Curiosamente, à medida que as investigações dos dois jornalistas do Washington Post prosseguiam, apareceu uma secreta e misteriosa ajuda, que ficou para sempre entalada nas profundezas de uma "garganta funda”!

Logo em 23 de Junho de 1972, Nixon dera instruções precisas, a ajudantes chegados, para que bloqueassem as investigações do FBI ao assalto dos ratolas de luva branca, no edifício Watergate, no sentido de os desviarem de qualquer pista que os levasse à toca da Casa Branca.

O argumento, à semelhança do largamento utilizado nos tempos do nosso Salazarismo, com as chamadas garantias administrativas, era o velho e estafado slogan da necessidade de protecção da segurança nacional, do interesse do Estado, aqui confundida com a segurança do presidente em garantir a sua reeleição. Mais: Nixon aconselhou os seus ajudantes directos e de topo a mentirem, se tal fosse necessário!
Confrome se pode ler aqui:

“The cover-up began as soon as the White House learned of the arrests. Nixon was concerned that Hunt and Liddy would expose the White House "plumbers" and that the resulting scandal might jeopardize his reelection campaign. Nixon's two top aides, Bob Haldeman and John Ehrlichman, swung into action to limit the damage and make sure that the Watergate burglars said nothing about the higher-level officials who had ordered the break-in or their own involvement in other acts of political espionage and provocation.
There were two tracks in the cover-up: direct White House interference with the investigating agencies, and cash payoffs to the Watergate burglars to insure their silence. At Nixon's orders, Haldeman and Ehrlichman met with CIA officials and urged them to tell the FBI that its investigation of the break-in had to be curtailed because it was impinging on ongoing CIA operations. The June 23, 1972 meeting in which Nixon first discussed using the CIA to block the FBI probe became known as the "smoking gun" conversation, and release of the tape-recording of this meeting led directly to Nixon's resignation on August 8, 1974.” -



De facto, tudo poderia ter corridor de feição e Nixon poderia muito bem ter-se safado.O reporter Hunter S. Thompson, expoente do new journalism , na Rolling Stone de 27 de Setembro de 1973, escrevia...
“(...) there is no man in America who should understand what is happening to him now better than Richard. Milhous Nixon. He is a living monument to the old Army rule that says: the only real crime is getting caught.”

Ser apanhado! Por uma gravação escondida que ele próprio engendrou como meio de se proteger do que se dizia e falava no seu reduto mais recôndito,no exercício do poder: o Oval Office!

Após a inquirição de um modesto funcionário - Alexander Butterfield - que chefiava os serviços de segurança interna da Casa Branca, chegou ao conhecimento público que Nixon gravava todas as conversas que mantinha nesse local, incluindo os telefonemas!

Numa dessas conversas que foram tornadas públicas após batalha jurídica célebre e marcante, Nixon , seis dias depois do assalto ao edifício Watergate, numa conversa com o seu chefe de Gabinete, H.R. Haldeman (que fora executivo numa agência publicitária, a J. Walter Thompson e se intitulava “ o filho da puta do presidente” e que por causa de crimes de perjúrio e obstrução da justiça, no caso Watergate, cumpriu dezoito meses de prisão), deu a entender inequivocamente o seu desejo de o abafar.

A fita gravou ...
"(...)a discussion between Nixon and White House chief of staff H.R. Haldeman. Told that the FBI's investigation was leading to Nixon's re-election campaign, Nixon instructed Haldeman to tell the FBI, "Don't go any further into this case, period."

Esta prova foi considerada a “pistola a fumegar”, a prova evidente do crime de encobrimento e da trafulhice retorcida do presidente. E foi essa prova determinante que conduziu à sua resignação, no dia 8 de Agosto de 1974. Safou-se da prisão porque o seu sucessor, Gerald Ford, o perdoou. Contudo, segundo aquele artigo da TIme, o juiz John Siricca que orientou a instrução do caso Watergate, concluiu mais tarde que Nixon deveria mesmo ter ido parar à cadeia...

Afinal, o homem que seguia o princípio de que “o único crime é ser apanhado”, fora-o, efectivamente- e na sua própria ratoeira!

Torna-se hoje claro que em Portugal, com a lei processual penal que temos, a história de Watergate teria ficado no tinteiro, ou quando muito, daria um artigo de blog. Daqueles que o ex-director da PJ , Adelino Salvado, acha que são um perigo e uma fonte do mal e que estiveram na origem da sua desgraça.

Porém, na América de 1974, enquanto por cá ainda não tinham murchado os cravos da Revolução e o dito senhor, nessa altura, dava vivas a não sei bem quem, a noção de democracia já estava suficentemente implantada para os tribunais concluirem o seguinte a propósito do poder político do Presidente...
“In July 1974 the Supreme Court rejected Nixon's claim of "executive privilege," in which he asserted that the constitutionally sanctioned separation of powers between the executive, legislative and judicial branches entitled him to withhold the White House tapes from the courts, Congress and the special prosecutor. The key tapes were turned over. The transcripts of a half-dozen meetings demonstrated Nixon's central role in the cover-up from the beginning, and his last political support evaporated. At the same time the House Judiciary Committee approved three articles of impeachment, charging Nixon with obstruction of justice, failure to uphold the law and refusing to turn over subpoenaed documents. Nixon resigned from office August 8, 1974, the first president to do so.”

Esta parece-me uma história de proveito e exemplo, com fitas a condizer. A nossa, destes dias mais recentes, assemelha-se mais a uma ópera bufa. Triste país o nosso...

Publicado por josé 23:35:00  

4 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    Diz quem sabe que, se John Edgar Hoover não tivesse sido reformado em 1971, o caso Watergate nunca teria sido revelado.
    josé said...
    Talvez. Segundo um artigo publicado na VAnity Fair de Junho de 1992 ( que consultei e guardo), onde aparece a história do after Watergate e as fotos dos protagonistas de 20 anos antes, um deles, John Mitchell, director da campanha de reeleição e anterior Attorney General(!!), teria dito: "It would have been simpler to have shot them all".
    Hoover não teria discordado, de certeza.
    zazie said...
    uma ópera bufa....
    parabéns José! excelente post.
    Rui MCB said...
    "Recordar é viver"

Post a Comment