"Pra Frente"
quinta-feira, agosto 26, 2004
O país tem vivido num estado doentio de geral esquizofrenia. São cassetes, são violações disto e daquilo, são exageros de toda a ordem, são pedidos de demissões.
O país, meu Deus, não pode continuar assim, dependente, em forma de depressão quase geral, de um processo que deveria agitar as consciências e não resvalar o colectivo para o lugar esconso de um quase manicómio onde, aparentemente, todos vamos sobrevivendo.
Tempo é de finar com isto.
De andar pra frente.
Conta-me um amigo e colega que, há uns tempos, um Promotor de Justiça dos USA visitou Portugal. Um dos objectivos era analisar e conhecer o processo penal português e como, na prática judiciária, funcionava.
O meu amigo, então docente do CEJ, lá se esforçou por lhe fornecer o maior número de dados que pôde, seja em textos, seja proporcionando ao visitante o contacto com várias actuações no terreno na base do nosso processo penal.
Já no fim, o promotor dos USA comentou que Portugal era um país rico e que, na América, não havia orçamento para se fazer o que cá se fazia, em termos de processo penal.
Não sei bem o que tal entidade pretendia dizer.
Sei, todavia, que, com quase 600 artigos, o CPP tem tantas artimanhas, tantos incidentes, tantas regrinhas que, mesmo decorridos dezasseis anos, nem o jurista mais apetrechado é conhecedor de tudo quanto lá está. É um código complexo, pensado para um tempo que não é o de hoje, pensado para ser aplicado a alguns milhares de inquéritos e nunca para 500 mil inquéritos anuais.
O resultado está à vista.
De 1994 a 2000, prescreveram, que se saiba, cerca de 50.000 processos. Os restantes não se sabe nunca quando terminam.
A simplificação, garantindo, por um lado, os direitos e garantias do cidadão e, por outro, o dever do estado de perseguir e prevenir o crime, impõe-se rapidamente. Toda a gente sabe ou sente isso e é tempo de o fazer, com coragem, visão, estudo e ousadia.
O poder político, que é quem legisla, tem padecido de uma maleita bipolar, concentrando-se, doentiamente, em pontos muito restritos do processo penal: o segredo de justiça, a prisão preventiva, as escutas telefónicas, assim sujeitando, de modo redutor, a actualização de um código que devia ser, a meu ver, pura e simplesmente revogado, na sua quase totalidade, a meras operações impostas por certa conjuntura.
Não faz nenhum sentido que as provas recolhidas em inquérito não valham em julgamento, que tudo se repita, que tudo seja objecto de recursos e mais recursos.
Carece de senso que uma mera contra-ordenação possa ser causa de recurso para um juiz, depois para a Relação e até para o STJ.
Os julgamentos de matéria de facto nas relações são, como toda a gente sabe, uma farsa sem nenhum sentido. Julgar por cassetes...
Ninguém entende tantas formas de processo, o comum, o acelerado, etc, etc...
Garantindo-se sempre o direito ao recurso, o STJ deveria ter competência para decidir, liminarmente, os recursos a conhecer e a não conhecer.
Etc, etc,etc..
O código de processo penal que temos assenta, entre muito mais, num fundamento claro: o legislador teceu tudo, regulou tudo, criou normas e norminhas que só se entendem na base de desconfiança política nos magistrados. A acção destes está apertada numa teia que lhes restringe a legitimidade democrática. Não se trata de princípios constitucionais a ter em conta a cada momento processual, mas antes de regulamentações administrativas , quando adiam e quando não adiam, como ouvem e como não ouvem, o que transcrevem e não transcrevem, o que fundamentam e como e o que não fundamentam, em que prazos e sem prazos, o que certificam e não certificam, as provas que valem e as que não valem, quem fala primeiro e quem fala no fim.
A acrescer a tudo, como tenho dito neste local, uma jurisprudência repleta de citações, de notas e notinhas, de rodapés, infindável. Tão infindável e tão esotéria que, ao ler-se, nem se sabe se é uma tese de mestrado ou doutoramento ou se se está a resolver um caso concreto da vida real, se se tem um drama humano ou uma feira de vaidades onde cada magistrado procura ser mais "sabedor" que o anterior.
É óbvio que tudo está ligado ainda com a formação dos magistrados, com a sua formação contínua, onde nada se tem investido.
Para o Ministério Público, tem ainda a ver com alguns aspectos do seu estatuto, com a reorganização das Distritais, dos DIAPs, do DCIAP, do Conselho Superior do mesmo, o que será matéria para outra ocasião se a tanto "me ajudar o engenho e a arte, como diria o poeta.
Vamos mas é pra frente e deixemo-nos de alimentar guerras e guerrinhas, quem disse e quem não disse e como disse ou não disse.
Alberto Pinto Nogueira
Publicado por josé 16:25:00
21 Comments:
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Tomara que outros lhe seguissem as pisadas teóricas e desmontassem a tenda, apontado o rei que vai nu!
";O)))
Mas o que denuncia é um pouco arrepiante.
Porque será que os vários partidos tudo fazem para "complicar" e não "facilitar" a justiça?
Caramelo Amargo
Um clínico geral enviou-lhe, para operar urgentemente, um seu doente com diagnóstico de apendicite aguda. Ia junta toda a papelada necessária: os dados biográficos, as análises, as radiografias, as ecografias, todo o historial clínico. O cirurgião emérito, metódico e cuidadoso olhou, desconfiado, o paciente, que se contorcia com dores. Depois de proceder à adequada palpação e de analisar demoradamente os relatórios clínicos, abanou a cabeça e requisitou mais dois TACs, três ressonâncias magnéticas, um EEG e um ECG. No dia seguinte, o doente voltou à urgência já com a referida documentação clínica e num estado desesperado. O cirurgião, que era, além de emérito, muito metódico e cuidadoso, decidiu então avançar rapidamente com a operação.
Convocada a sua ilustre equipa, que incluía alguns estagiários, e estendido o doente, devidamente anestesiado, na mesa do bloco operatório, começou o cirurgião a dissertar longamente, sobre as diversas técnicas de abordagem do abdómen para a incisão de abertura. Que os canadianos - dizia ele, como o gozo de quem muito sabe - cortavam nas 9 horas, os ingleses nas 12 horas, os americanos nas 18 horas e havia até um ilustre professor russo que, num compêndio cujo título traduziu em inglês, recomendava a incisão na zona das 12,45h; mas ele, à cautela, preferia cortar nas 3 horas, para prevenir o inadvertido atingimento do cego - e, perdida, na conversa, mais de meia hora, aplicou, num "gesto técnico perfeito", o primeiro golpe de bistúri.
Aberto o baixo-abdómen, deliciou-se na contemplação da multiplicidade de vísceras que ali se lhe expunham, manipulando-as, uma por uma, com largas explicações técnicas acerca das respectivas características, finalidades, funções e patologias mais frequentes, até que, 1 hora após o início do acto cirúrgico, as suas habilidosas mãos chegaram ao apêndice, já gravemente inflamado. Repuxou-o para melhor observação e, virando-se para os estagiários, ministrou-lhes uma doutíssima lição sobre aquela minúscula excrescência intestinal e sobre a doença que a acometera, no que revelou uma erudição que deixou aqueles boquiabertos de espanto e de cansaço.
A partir daqui, já não me recordo bem dos pormenores da parábola. Só sei que, no fim, o doente, obviamente, morreu na mesa operatória, e o emérito, metódico e cuidadoso cirurgião, depois de elaborar um magnífico relatório sobre as causas do decesso, foi promovido ao Supremo Colégio dos Cirurgiões.
De andar pra frente."
Alberto, por muita estima que tenha nas linhas que nos presenteou, essa do "de andar para a frente" é infantil.
Porque "andar para a frente" é o que queremos há muito tempo. É como aquela: - "Tem que haver bom senso."
E já não é com palavras nem meras pedritas no charco que a coisa vai. E ninguém que lê o que aqui escrevo já deve acreditar muito nisso.
Cada vez mais, os lamentos que aqui lemos se assemelham mais aos lamentos de mulheres e de velhos. Porque ao fim de contas a isso se resumem. Não me levem a mal porque eu também tenho a minha cota parte de queixumes.
Por mim - e lamento-o profundamente - anseio que apareça alguém que fale curto e grosso e ACTUE IMPIEDOSAMENTE para mudar as coisas.
Para mim, cada vez mais o que aqui se escreve, por mais virtuoso, interessante e construtivo que possa ser, é cada vez mais vão, como também o será o que fizermos de bem por um sistema podre que só serve alguns e nunca a Nação.
Só peço a quem realmente tenha poder de mudar as coisas que tudo faça para não me dar razão, porque o tempo estará do lado do "meu" argumento.
E nisto eu não quero ter razão.
Mas de facto o tema que aborda tem de facto que ver com a saúde mental colectiva.
Vejamos então: o cenário de fundo legal, a norma abstracta, remete para um Alter Ego(aquilo que deveríamos ser);a organização (material e humana)tenta um Super Ego(aquilo que queremos ser);mas a praxis individual e colectiva não produz mais do que o Ego(o que realmente sou, ou somos).
O que é que falta? Vontade, carácter, personalidade.(Por outras palavras: frontalidade - assertividade - responsabilidade)
O que é que há a mais: Ambição,cobiça, inveja, mentira, ódio.(Por outras palavas: negação - denegação - mediocredidade - falta de responsabilidade cívica e profissional - impunidade - abuso de poder).
A que é que isto conduz? À confusão colectiva e à oligarquia.
Última nota:A reacção do Promotor dos EUA não é de espantar - Mais importante que a Lei, é quem lhe dá rosto e quem a encarna, isto é o Juíz(Tribunal)e as Polícias.
Nos EUA, para o melhor e para o pior, a Justiça é cega, mas os seus agentes andam de olhos e ouvidos bem abertos, e quando abrem a boca são responsáveis pelo que dela sai.
Ass.MARIA DA FONTE II
Em rigor não deveria dizer nada. Mas, enfim, até um ingénuo como eu tem direito ao contraditório. Mas quero só, a propósito da "infantilidade do bom senso", sugerir-lhe que leia o trabalho de EDUARDO GALEANO, no Le Monde Diplomatique, de Agosto/2004, exactamente sobre isso: "ELOGIO DO BOM SENSO".
O Japão dos livros de "management" (e de outros) é apenas um falso mito - e não é exemplo nenhum de liberdade, democracia ou justiça. É um país como todos os outros, com as suas forças e fraquezas.
The Twilight Samurai
Mas diga-me: não lhe causa dor saber que para tudo há solução, muitas vezes simples, acessíveis e de fácil e implementação mas que nunca são executadas?
A minha experiência como técnico (de planeamento) neste País é uma constante tortura de Tântalo. E constato que nos outros sectores, a situação é idêntica.
Mas quando fala de bom senso, também poderá estar a recomendar que se aceite a realidade, com tudo o que isso implica. Medite também nisto.
Talvez o "bom senso" passe por cultivar o cinismo e um grande sentido de humor, porque de resto...
primo Sousa
a cura, nem um diagnóstico razoável. Ás vezes a besta
esperneia e não deixa que lhe toquem.