Os números do negócio

Chega… Basta… (IV)

Segundo os relatórios da Comissão Eventual para os Incêndios Florestais, presidida por Leonor Beleza, divulgou os seguintes números...


No ano de 2000, o nosso país contratou 4 Canadairs a empresas portuguesas, tendo nesse ano ardido 159.604 hectares de floresta e mato. No ano de 2003, com a contratação de 2 Canadairs arderam 416.000 mil hectares de floresta e mato. Não logicamente possível estabelecer uma relação de causa-efeito entre a àrea ardida e o número de Canadairs –aerotanques pesados - , mas não deixa de ser um facto.

No ano de 2003, o orçamento para o combate aos incêndios, foi de 12 Milhões de Euros, excluíndo a contratação de 2 Canadairs à empresa Aerocondor, que custaram perto de 2,8 Milhões de Euros.

Esta Venerável Loja tem travado um debate de ideias interessante com os nossos leitores nos comentários, relativamente às questões que envolvem a utilização de Canadairs, quer sobre a forma de aluguer em concursos públicos internacionais, quer relativamente ao preço dos Canadairs.

Por muito que o debate de ideias seja de facto salutar é por vezes empregue um conjunto de termos, e mais grave deduções que não correspondem à profunda realidade de quem daqui quer dar uma versão o mais próxima possível da verdade, e que várias vezes corresponde aquilo que muitos desconheciam. Como a história que se segue...

Já se percebeu, e penso que todos aqui estarão ao corrente, que falamos da utilização de uma empresa privada cujos lucros são conseguidos em função do número de horas de voo e por conseguinte em função da área ardida. Ainda que seja redutor, quanto maior for a àrea ardida maior é o lucro da empresa. Não se trata aqui se imputar culpas nos incêndios aos accionistas das empresas privadas, mas sim de ter alguma dificuldade em lidar com esta situação.

O grande problema aqui está em definir se deve o Estado assumir, ou não, o combate aos fogos florestais adequando e equipando alguns aviões que dispõem na força aérea para o combate. Bem sabemos que a Força Aérea não dispõem de Canadairs , mas aqui existiriam três situações que poderiam ser empregues pelo Estado

  • Aluguer pela força àerea dos aviões Canadair. Em termos de efeitos práticos o único ganho relativo, que teríamos seria a questão de colocar em mãos públicas a gestão da catastrofe.

  • A aquisição de Canadairs novos com custos a rondar os 25 Milhões de Euros cada aparelho.

  • Aquisição de Canadairs usados com preços substancialmente mais baixos.

Isto porque, o Canadair é o avião que tem demonstrado maior eficácia no combate aos fogos florestais, com algumas vantagens no abastecimento de água, que pode por exemplo ser efectuado em albufeiras, leitos de rio e inclusivé no mar.

Mas como referiamos acima, a história que se segue é provavelmente a clara demonstração de que existem fortes interesses no sector, e que provavelmente é desconhecida do grande público. Como era por mim até ter realizado algumas pesquisas no google, eu que desconhecia o google, estava longe de imaginar...

Os países europeus efectuam em Novembro de cada ano, os seus concursos internacionais de aluguer de aviões Canadairs para as èpocas de incêndio. Falamos pois da Grécia, da França e da Itália que não possuem aviões Canadair em número suficiente para uma correcta cobertura do espaço florestal. Em Portugal o concurso público decorre em Abril, numa altura em que todas as empresas internacionais já alocaram os seus aviões nos concursos ocorridos em Novembro. Não deixa por isso de ser estranho que num concurso público internacional promovido anualmente pelo Estado Português cujos valores ascendem a 20 Milhões de Euros não concorram empresas internacionais. Apenas as portuguesas.

O problema é que o concurso é ganho por empresas portuguesas que não tem os meios próprios. Então funcionam como intermediários, é mais um intermediário na cadeia. Depois têm que ir alugar os meios a empresas na Alemanha e noutros países europeus, mas estas empresas já os têm alugados e, por isso, acabam por ir para a Ucrânia e para a Rússia.

Ou seja, o Estado Português paga mais caro e menor qualidade pelos aviões que aluga para a época de fogos florestais. A somar a isto temos ainda o problema dos pilotos, muitos deles de nacionalidade russa ou angolana a operar em Portugal, que independentemente da qualidade técnica que possam possuir, não tem a disciplina que possuem os italianos ou os espanhóis.



É assim legítimo pensarmos que um concurso desta envergadura tem que ser feito muito cedo e com pré-qualificação de concorrente, com um claro objectivo de reduzir o número de intermediários do negócio, porque cada um vai cobrando a sua comissão e a factura final vai ser cada vez maior. Tem que haver um verdadeiro estudo dos meios aéreos e a solução passa objectivamente pela aquisição destes meios pelo Estado. Além disso, têm que ser pilotados por pilotos da Força Aérea ou do Exército, que pensem em termos de país e não em termos de empresa.

Mas mais grave do que isto, ou apenas o reflexo dos interesses existentes no sector e na actividade, é explicar porque razão desistiu Portugal de um concurso público internacional de aquisição de aviões Canadair , co-financiado pelo Banco Europeu de Investimentos.

O BEI disponibilizou para a Espanha uma linha de crédito por exemplo e ao abrigo deste programa adquiriu cerca de 25 aviões Canadair, tendo cerca de 55 % do custo total sido suportado pelo BEI, pelo simples facto de a Espanha ainda ser considerada elegível para o Fundo de Coesão. Tal como Portugal. O custo final co-financiado ficou em cerca 6,5 Milhões por cada avião novo.

Ou seja, Portugal que até esteve no concurso desistiu de adquirir a preços bem mais acessíveis do que os praticados pelo mercado. Quais foram as razões ?

Preferimos pagar em concursos 20 Milhões de Euros anualmente, ou achamos que adquirir material próprio se tornaria mais dispendioso ainda por cima com co-financiamento da União Europeia ?

Tudo isto se torna ainda mais complicado, quando sabemos que o SNBPC geriu em 2003 um orçamento de 80 Milhões de Euros. Não pela dimensão, mas pelo eventual uso indevido dos fundos.

À atenção e consideração do Senhor Procurador-Geral da República...


Publicado por António Duarte 21:42:00  

6 Comments:

  1. Luís Bonifácio said...
    Já foi equacionada a compra pela força aérea de canadairs, salvo erro há 15 - 20 anos atrás. O estudo feito conclui que eram aviões inadequados para a tarefa em Portugal.
    Esta decisão coube ao mesmo chefe do estado maior da Força aérea que comprou os, tristemente célebres, Corsair.
    Naturalmente qualquer empresa que seja monopolista em qualquer tipo de produto recusa-se a pagar "luvas" a intermediários
    Luís Bonifácio said...
    Caro Pedro M.

    Nos anos 80 não se podia equacionar a compra por parte de uma força aérea ocidental de aviões made in pacto de varsóvia, pelo que nessa altura a canadair era "de facto" monopolista" pelo que podia dizer aos que lhe pediriam "luvas" que inventassem eles um hidroavião.
    Luís Bonifácio said...
    Caro Pedro M.

    Mas o caso que cito passou-se nos anos 80. Hoje provavelmente o valor do negócio dos fogos, deve eclipsar o montante de qualquer "luva" que a canadair esteja disposta a pagar.
    Anónimo said...
    Antes de mais, obrigado à grande Loja. Habituei-me a apreciar este Blog mas nos últimos tempos estava um bocado desiludido. Parece-me que este post é um excelente regresso ao seu melhor estilo.

    Mas primeiro deixe-me dizer que não me parece que, para já, a situação seja minimamente preocupante. Acho que as coisas tem corrido relativamente bem, parece-me que existe uma boa coordenação ao contrário do ano passado, que foi catastrófica. Mas também sei que basta as coisas piorarem um pouco para a coordenação se desarticular como um castelo de cartas.

    Quanto ao post, levanta questões interessantes, e parece-me ser apenas a ponta do véu. Eu também não compreendo há muitos anos a razão de não termos Canadairs. Fogos é uma coisa que qualquer país meditarrânico terá que enfrentar eternamemente. Até digo mais, poderiamos e deveriamos ser um país com excelente know-how na matéria.

    Eu sempre suspeitei que um negócio de Canadairs não se faz por cá porque ninguem ganharia com isso. Porque provavelmente e para azar de alguns, a empresa construtora será das poucas não dispostas a abrir a mão para passar alguma coisa debaixo da mesa.
    António Duarte said...
    Caro Pedro M

    Inicio a minha resposta pela sua última frase. Para mim Portugal primeiro sempre.

    Concordo em quase tudo o que diz. Um país soberano deve ter forças armadas capazes se possível com submarinos e tudo.

    Eu nao sou contra o facto de Portugal comprar submarinos, apenas questiono o facto de o estado das finanças públicas obrigar a um rigoroso critério na escolha dos investimentos públicos.

    Serão os submarinos a prioridade para Portugal ? Obviamente que quando aqui comentei a comparação entre os submarinos e os avioes canadairs, a ideia era dar a noção daquilo que devemos escolher.

    Tenho a certeza que se reger pelo lema, Portugal Primeiro, concordará comigo.
    Luís Bonifácio said...
    Caro Manuel

    Não é licito compararmos Canadairs com Submarinos. è licito comparamos (custos com meios de combate a incêndio alugados + prejuízos de incêndios) vs canadairs comprados.
    Já agora a grécia atribuiu os canadairs à Marinha, assim durante o inverno estes aviões patrulham a ZEE grega (minúscula quando comparada com a nossa) e fazem serviço SAR

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