Uma entrevista revista...

O ex-Mata Mouros CAA brindou os leitores do Blasfémias com um postal em que critica a entrevista do juiz Teixeira, o do processo Casa Pia.

Que diz CAA?

Pois... que o becado não devia ter aberto a boca para os jornais! E porquê?

Porque lhe topa a falta de senso e recato, atributos que lhe exige por ser pessoa que já “deteve tão importantes responsabilidades”. Para além disso, imputa-lhe alguns pecados graves, em becados - não ter condições mínimas de imparcialidade para ter desempenhado as funções de JIC é um deles.
 
Mas ainda o mimoseia com outras considerações. Diz que o becado, na entrevista, fala de provas, designa culpados, julga e sentencia, sem contraditório (!). Ainda por cima, diz que manda recados para os que continuam em funções.

Eu comentei o postal e apodei-o de exemplo de chico-espertice. E o CAA brindou o comentário com outro postal no qual defende a sua honra e repudia o anátema.

Disse-lhe que era chico-espertice escrever sobre o assunto Casa Pia anatematizando o juiz, só com a leitura de jornais e sem ter experiência de juiz ou competência para avaliar tecnicamente decisões judiciais.

Ele diz que conhece mais do que isso e daí o fundamento para o julgamento de carácter.

Mas diz mais e é isso que interessa:

CAA foi advogado e actualmente ensina Direito. Não deve ser dos lentes de cátedra - pois são poucos e contadinhos pelos dedos das mãos! No entanto, isso permite-lhe afiançar que conhece os dois lados da barricada.
Não quero duvidar muito, mas de que “barricada se trata? A do ensino de Direito versus a dos tribunais ?

Mais, a seguir diz que o becado Teixeira não tem culpa “pessoal” e imputa esta a uma entidade colectiva que designa como “máquina judicial acéfala” que lhe pousou o processo nas mãos - e logo este - tão complexo perante a sua “falta de condições objectivas e subjectivas para o suportar”!

Há quem discorde de entrevistas de juizes, seja na imprensa ou na rádio e tv. Os argumentos resumem-se a um - recato, recato e mais recato.

As decisões judiciais devem ser auto-suficientes e auto- explanatórias. Tudo o que vai além disso, para eles, são palavras a mais. E criticam ferozmente quem se expõe, inventando um palavra maldita para a designação desse mal - protagonismo!
 
Não sei quem falou nela a primeira vez, mas já tem uns anos largos. E como tal, fez alguma escola, precisamente no CEJ e nos tribunais de estágio, onde a formação que é dada ao magistrado segue cânones firmados no velho ditado - o que vem detrás, toca-se para a frente.

Assim, como o que vem detrás é o imobilismo mais atávico, a contradição começou a instalar-se e já é notóriaos tempos mudam e as pessoas não! E muitos falam do antigamente com a nostalgia da arca perdida.

O 25 de Abril de 1974 foi há trinta anos!

Quem nessa altura tinha a idade do juiz Teixeira, tem agora a idade da reforma. Quem formou os magistrados, desde então e com base em quê?!

Foram as Faculdades de Direito e foi o Centro de Estudos Judiciários!

Criado em 1979 o CEJ foi sempre dirigido por magistrados - da “velha guarda” e formados na tarimba do ofício, começado geralmente por um lugarzinho em comarcas pequenas e nomeados (como?) sub-delegados.

Estes “pais dos órfãos” e “protectores de viúvas”, oficiavam em nome do MP e em trânsito durante durante alguns anos, até que chegavam ao lugar de juiz e por sua vez encontravam os “delegados”- que eram “deles”, pois sempre se lhes referiam paternalmente como “o meu delegado”.

Era esse o tempo em que um juiz , no alto do seu cadeiral, podia mandar para a cadeia - que ficava ali ao lado - quem quer que fosse, por um putativo desrespeito ao tribunal, durante três dias. Sem apelo - o agravo viria depois.

Esta matriz, marcou obviamente a formação dos formadores de magistrados.

O paradigma foi sempre o do respeitinho ao juiz, numa altura de respeitinho geral e mentalmente substituto do pai e do chefe, cimentado pela noção de que o tribunal se confunde com ele. O paradigma de Gil Vicente já não se sentia; Napoleão mandou fazer um Código Civil e Montesquieu dividiu teoricamente o Poder. O judicial ficou com um parte de independência e responsabilidade.

Nos anos oitenta, no CEJ que então lucidamente dirigia, Laborinho Lúcio tinha pouco mais de quarenta anos e não se revia certamente nos “velhinhos” do Supremo Tribunal de Justiça como modelos de comportamento oficial. E tinha razão. Bastava ouvi-los nas conferências em que por vezes participavam, no Limoeiro. O Conselheiro Octávio Dias Garcia, sem desprimor para a sua integridade e respeitabilidade, simbolicamente, parecia uma águia dos Marretas na sua ponderação aquilina e de asas pesadas. O discurso, sendo válido na substância dos valores matriciais, era velho de dezenas de anos na sua forma retórica. Como eram velhos os colegas de bancada no STJ.

Um dos Almiros do CEJ de então, antes de se tornar num futuro TPI, confessava em privado, no corredor antecâmara da Salão Nobre do STJ, que “são todos assim ! O “assimera a decrepitude na pose e nas palavras de circunstância; no discurso pomposo e afastado da realidade mutante. Para alguns, porém, isto era a “elite”! Que vinha do tempo em que o juiz na vilória e até na grande cidade, era conhecido pelo nome e pelos costumes regrados e exemplares e a quem era dado o lugar na cabeceira das mesas das famílias nobres.

Eram remediados quando não tinham fortuna da mulher ou da família. Viviam com a casa às costas de seis em seis anos e os filhos eram educados em conformidade. As mulheres eram domésticas e começaram aos poucos a ser professoras:. Primeiro da primária e depois, da seguinte.

Os valores eram uniformemente acelerados, nos anos sessenta e rapidamente chegou o 25 de Abril e as mutações sociais.

Hoje, no STJ estão os quarentões dos anos oitenta. Aqueles que viam os Octávios de águia de pena caída, estão arreguilados para a modernidade, mas parecem não saber lidar com ela. Já não usam chapéu e não gostam de enfiar barretes, mas parece que nunca aprenderam a ter outra postura que não a da altivez no poleiro. Ostensiva ou estrategicamente reservada, de humildade fictícia. Quem os olha, por mimetismo reflexo e por tradição na pose, nunca os vê no lado mais airoso e natural, e tende a apreciar o que vê - porque não os vê doutra forma!

Se fossem juizes, era assim que seriam! Pomposos e reservados, de voz soturna ou de tenor. Como não tem sido lugar de mulheres (et pour cause) o paradigma não se alterou em dezenas de anos. Como não se aparece outro, o reflexo social reproduz a imagem da antanho - reserva nas palavras e na mentalidade! Fato assertoado silencioso e gravata a condizer; protagonismos proibidos , seja em revista social ou na televisão. Esse mundo, não é desse reino! E assim chegam ao STJ, anonimamente, alguns reservados que se jubilam no silêncio de uma carreia anódina e outros cuja escrita é brilhante e fica baça de tanta reserva.

Pouquíssimos conquistam o direito à palavra pública e geralmente são olhados de soslaio pelo contingente remanescente. Que o diga um Fisher Sá Nogueira - que nem isso escreveria um Abel Delgado, se vivo fosse! O silêncio, para um juiz antigo, é de ouro e como tal estimado e guardado na arca encoirada.

Quem lê os que escrevem sobre os atrevimentos dos juizes Teixeiras ou Silvas e que hoje falam à comunicação social sem preconceitos de águia reais, observa os habituais apontamentos: um juiz de t-shirt! Onde já se viu?! A falar do que faz?! Como assim?! Que se atenha à sentença! Que se fique pelo despacho! Ora essa! Sob a capa do remoque, circula o preconceito mais reaccionário.

Para eles, um despacho deve bastar por si, para explicar e sem necessidade de mais satisfações!

Esta mentalidade que tem escola montada em diversos locais da magistratura
, e refúgio em muitas cabeças pensantes, nos jornais e editoriais, não tem defesa à vista nem argumentos na algibeira. É assim porque é assim! E quem não compreende é porque não percebe a especial natureza da função. Que é elevada, no alto do ninho das águias. Como é natural, nunca se viu estes pássaros de altos voos conferenciar com melros ou galinhas! Para quê mudar a natureza ?

Em escrito antigo, salvo erro, o prof. Mata-Mouros fez a defesa de algo parecido. Parece que entretanto mudou e defende agora a ...

“necessidade da magistratura se adaptar à actual conjuntura da opinião pública se debruçar prioritariamente sobre as questões da Justiça. De querer saber porquê. De pôr em dúvida a bondade das suas decisões”.

Tem a palavra o Prof. de Direito, CAA, para ensinar o caminho aos futuros magistrados e vituperar os velhos do Restelo! Que diga como é! Parece que entrevistas de juizes e magistrados fogem do alcance da receita...

Porém, o que ele critica ao juiz Teixeira não é o excesso de modernidade. São as decisões concretas deste caso bem concreto que envolve pequenitos abusados - o que parece não o incomodar minimamente. Incómodo a valer, são as decisões do juiz. E vê na entrevista o reflexo delas.
 
Depois de lhe assestar as baterias, dispara - “o juiz foi desleal com a colega que agora titula o processo”!
 
Como isso?! Então se a “colega” decidir, num futuro próximo em contrário, também é desleal? O que é que a lealdade tem a ver com decisões de juizes que se querem independentes? Os juizes da Relação que contrariaram e criticaram as decisões do juiz Teixeira ou doutros, foram ou serão desleais?

O juiz da entrevista não se pronuncia para o futuro nem tem que o fazer - fala do passado! E que passado?

Pois, de um ainda próximo em que os advogados de defesa dos arguidos o vituperaram e insultaram (caso do Rodrigo Santiago que lhe chamou incompetente numa entrevista vergonhosa, na Visão) e sobre o que o juiz não disse uma palavra. De um passado em que a sua vida particular foi escrutinada pelos media, com relevo para a televisão de reality shows e mostrada aos milhões de espectadores que o erigiram como “herói” popular, malgré lui. De escritos e mais escritos em jornais, blogs e pasquins, sobre a sua competência e decisões e a que o prof. CAA/Mata-Mouros se juntou afoitamente quando tudo aconselhava à prudência de medir as palavrasCertamente que o fez por conhecer algo mais do que o que vinha nos jornais...

... e daí a sua reivindicada legitimidade.

Vê-se porém que talvez não seja assim:

É preciso não esquecer que o próprio Conselho Superior da Magistratura pela voz do inenarrável Noronha Nascimento quase apelou publicamente a que o juiz Teixeira dissesse que aceitava discutir publicamente o despacho de manutenção de prisão preventiva de um dos arguidos excelentíssimos. E ele não o fez! E aí, muitíssimo bem- e em contrário à insensatez do CSM/Noronha.

, sim, poderia o juiz Teixeira ser acusado de vir para a praça pública defender e discutir os termos de um despacho sob a capa da defesa da honra!

Para além dessa, o prof. CAA atira-lhe com outra ignomínia -  “Fala de provas e designa culpados! Julga e sentencia sem contraditório! “ De que estamos a falar ?

De uma sentença condenatória? De um despacho a proferir ou acabado de proferir? Não! De decisões polémicas e com meses e confirmadas por tribunais superiores que avaliaram as decisões agora em apreço!

Se for lida a entrevista com cuidado, qualquer leitor medianamente inteligente e de boa fé, percebe que o juiz Teixeira não diz o que o prof. CAA quer que ele diga. E ser-lhe-ia inevitável falar disso, porque foram essas decisões que durante meses serviram para o atacar, pessoal e profissionalmente, como aliás o prof. CAA/Mata-Mouros não se coibiu de fazer!

Se escrever isso, lidando com estes dados, é agir de boa fé, é algo que me escuso de comentar mais, pois o conceito é jurídico e não quero ensinar o pai nosso ao vigário.

Daí a chico-espertice, no postal enviezado e próprio de quem não se esforçou para pensar um pouco e distinguir coisas essenciais e parece não entender os relacionamentos institucionais para além do que os livros ensinam.

No meu modesto entender, o que o juiz Teixeira fez foi simplesmente falar do que fez, com uma ou outra opinião sobre a justiça em geral e o que lhe parece bem ou mal no seu funcionamento. Como outros antes dele o fizeram. Melhor ou pior.

Para pior, um juiz Ricardo Cardoso que não despe os penachos nem com a câmara à frente do nariz.  Para melhor, o juiz Nuno Melo, recentemente vituperado por explicar decisões polémicas. Fazem-no sem preconceitos mitológicos ou nostalgias do chapéu na mão. Como qualquer outra pessoa, mormente um político, gestor, professor ou padre.

Para mim, é sempre preferível ouvir um juiz falar do que faz, do que ouvir outros falarem por ele, a treslerem decisões.

Não havendo necessidade estrita de os juizes explicarem as decisões que tomam, numa sociedade mediatizada, não se pode fazer de conta que um determinado caso que serve de abertura diária dos telejornais, pode muito bem passar sem que as pessoas saibam quem decide o quê
. Querem saber as partes do processo e quer saber o público, sendo em nome dele que é aplicada a justiça. E nesse aspecto o prof. CAA concorda inteiramente. Falta-lhe é ser consequente e perceber que a entrevista do juiz Teixeira, como a de outros, aliás, se insere exactamente nesse interstício da comunicação - a de dar justificações ao povo em nome de quem se faz justiça!

Mesmo assim, o que se ouve de alguns é um incompreensível vitupério ao iconoclasta – mesmo que o modelo seja retrógrado e a mudança inevitável, defendem a manutenção da imagem e a conservação do ninho lá bem no alto, recatado e inexpugnável.

Uma conversa de jornal nunca substituirá uma decisão no papel e não pode servir para contraditar um recurso. Serve apenas para se conhecer quem decidiu. E uma entrevista extensa é bem melhor do que um sound byte apanhado na rua, mesmo que captado da mente inexpugnável de um Eurico Reis ou dislatado pelo único associado do Fórum Justiça e Liberdade...

Publicado por josé 18:07:00  

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