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O I Congresso da Justiça foi uma montanha que pariu um rato. Muito se esperava em matéria de propostas que resolvessem alguns dos problemas cruciais do sector, mormente a lentidão exasperante dos tribunais, que leva milhares de processos a prescreverem e outros a serem concluídos quando já não é possível fazer qualquer justiça. Mas sobre isto pouco se disse - ou, pelo menos, pouco transpareceu para a opinião pública.
 
O primeiro-ministro proferiu o discurso político da praxe. Fez uma profissão de fé na separação dos poderes, disse que a crise da Justiça é uma crise de eficácia e resolveu o problema à boa maneira portuguesa: legislando. Assim, vamos ter até Março propostas em matéria penal e processual, nomeadamente sobre segredo de justiça, escutas telefónicas e prisão preventiva, por iniciativa do Governo.
 
Sem pôr em causa que tais propostas são absolutamente indispensáveis, também está fora de causa que tais propostas resolvam a crise da Justiça, os milhares de processos que se acumulam nos tribunais, a falta de condições para que juízes e funcionários desempenhem as suas funções.
 
E a questão não se resolve, como o Governo pretende, privatizando serviços e mais serviços. A questão está nas opções que o Executivo toma. Se a Justiça é uma prioridade, então há que alocar-lhe os meios financeiros necessários. De outro modo, a realidade desmente os discursos, que é o que se verifica actualmente.
 
Como foi dito no congresso, sem resposta por parte da ministra da Justiça, a privatização dos serviços de cobrança da dívida, que estava a cargo dos tribunais e passou para firmas de solicitadores, está a revelar-se um magnífico fracasso: em três meses, dos 4500 processos entrados em Lisboa foram concluídos dez; no Porto, em 1950 processos, terminaram oito; e em Coimbra entraram 350 e não acabou nenhum.
 
Nos tribunais existem 1200 vagas de oficiais de justiça, 15 por cento dos efectivos, por preencher. A partir de Janeiro, o número aumenta porque serão instalados 12 novos tribunais administrativos e fiscais e não vai haver recrutamento externo.
 
E a venda dos 350 cartórios notariais existentes em Portugal aos notários, sem liberalizar o sector, cria um monopólio privado, acabando com um monopólio público, não sendo de esperar resultados muito brilhantes, a não ser para os novos proprietários.
 
Finalmente, bem prega frei Tomás. O primeiro-ministro não pode bater no peito dizendo que o seu Governo respeita a Justiça acima de tudo - e depois admitir que a bancada parlamentar do PSD mantenha a imunidade do deputado Cruz da Silva para este não responder em tribunal por factos ocorridos antes de ser deputado; ou que diga que tem toda a confiança e mantenha o deputado Tavares Moreira como porta-voz para as questões económicas depois de ter sido sancionado pelo Banco de Portugal com sete anos de suspensão do exercício de funções na administração de bancos ou instituições financeiras por ocultação de prejuízos, manipulação de contas e declarações falsas. Há casos em que a bota não dá decididamente com a perdigota.
 
O essencial, contudo, é que a crise da Justiça não se resolve com novas leis, privatizações e discursos sobre a moralidade do Governo. E essa foi a receita que o primeiro-ministro passou no Congresso da Justiça. Assim, valha-nos a justiça no Céu - porque a terrena não resolverá os nossos problemas.

Publicado por Manuel 10:10:00  

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