Gato escondido...
domingo, outubro 30, 2005
Uma vez que um mais do que emérito jurista, pediu para ser publicado o esclarecimento da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da AR, em resposta à crónica de José António Lima, no Expresso online, republicada ontem no Expresso papel, talvez tenha interesse dizer o seguinte e desse modo restabelecer o objectivo do requerente...
Há um erro nessa crónica. A entrada em vigor da Lei 52-A/2005 de 10 de Outubro, verificou-se cinco dias depois, ou seja em 15 de Outubro de 2005 e não em 1/11/05 como se escreveu. Foi esse erro de análise jurídica que sustentou um eventual processo de intenção baseado em suspeitas sérias - as de que os autarcas e titulares de cargos políticos tentaram protelar a data de entrada em vigor da lei, de modo a beneficiarem directamente de tal estultícia.
Não foi assim, diz o mais do que emérito jurista! Então, se não foi, são devidas desculpas. Não por mim, mas por quem o terá sugerido ou afirmado. E como aqui foi reproduzido o texto que vitimizou algumas virgens ofendidas, fica também a reparação pública, pela publicação da explicação do próprio Expresso de ontem.
Os autarcas que foram eleitos em 9 de Outubro anteciparam a tomada de posse para evitar cair sob a alçada da lei que lhes retira regalias, nomeadamente a contagem a dobrar do tempo de exercício do cargo para efeitos de reforma, um direito até agora reconhecido aos edis com pelo menos seis anos em funções. O esquema foi possível porque a lei, aprovada a 15 de Setembro, demorou 19 dias a sair da Assembleia da República, levando a que, depois de promulgada pelo PR, apenas fosse publicada exactamente no dia seguinte ao das eleições autárquicas. Ainda assim, se a lei entrasse imediatamente em vigor, no dia 10, seria impossível aos autarcas anteciparem-se aos seus efeitos. Só que nem o Governo nem a AR se lembraram de determinar que a Lei 52-A/2005 vigorasse no dia da publicação, ao contrário do que aconteceu quando, por várias vezes, se conferiram novos direitos aos políticos.
Não tendo aposto qualquer artigo sobre a entrada em vigor, funciona a «vacatio legis» de cinco dias no Continente e 15 nas Regiões Autónomas. Évora e Celorico de Basto estão entre os casos dos que conseguiram tomar posse antes, numa pressa inédita cuja explicação deixa muitas dúvidas. Também em Braga, o novo executivo de Mesquita Machado tomou posse em tempo recorde, a 15 de Outubro.
Mas, pior do que isso, muitos autarcas acreditam que a lei só entrará em vigor a 1 de Novembro. Porque o Estatuto dos Eleitos Locais, republicado em anexo no final da Lei 52-A/2oos, conserva o artigo 28º que , determina: «A presente lei entra em vigor no dia 1º do mês seguinte ao da sua publicação). Por causa deste artigo, uma «febre» de tomadas de posse assolou o país. Em Lisboa (ver caixa), Carmona Rodrigues antecipou a posse. Também Rui Rio, no Porto, Isabel Damasceno, em Leiria, Fátima Felgueiras, em Felgueiras, Isaltino Morais, em Oeiras, entre muitos outros, tomaram posse esta semana. E Nazaré, Faro, Santarém, Coimbra, Aveiro e a maioria dos concelhos já têm os novos autarcas empossados. Em Beja, a cerimónia ficou mesmo marcada pela manifesta «pressa», com deputados municipais a lamentarem a «falta de dignidade do acto». Em Salvaterra de Magos, a única Câmara do BE, o executivo tomou posse ontem. O Governo, reconhecendo terem sido levantadas «dúvidas», veio entretanto afirmar em nota da Presidência do Conselho de Ministros que a «republicação em anexo» do Estatuto dos Eleitos Locais «não produz qualquer efeito quanto à entrada em vigor da lei» que agora vem restringir direitos dos autarcas. Mas fica por esclarecer por que razão nem o Governo nem a AR revogaram o dito artigo. O constitucionalista Jorge Miranda entende que «mais valia que se eliminasse a antiga norma na republicação, ou então que se tivesse disposto que a nova lei entrava imediatamente em vigor». Embora admita que a interpretação do Governo é a mais correcta, diz que «eventualmente haverá debate jurídico» que podia ter sido evitado. Outro constitucionalista ouvido pelo EXPRESSO, Marcelo Rebelo de Sousa (que, enquanto presidente cessante da Assembleia Municipal de Celorico de Basto, deu posse ao novo executivo local no dia 14 de Outubro), vai mais longe nas dúvidas legais: «Normalmente a republicação de um diploma legal alterado, incorporando as alterações, não implica o tomar-se em consideração disposições originárias sobre a sua entrada em vigor. E, por isso, é frequente que, ao alterá-lo, se revoguem essas disposições. O estranho neste caso é que a AR tenha expressamente revogado o artigo 33° da Lei n° 4/85 de 9 de Abril, sobre asua entrada em vigor, e não tenha revogado o artigo z8.° da Lei 29/87 de 3o de Junho, relativa à entrada em vigor deste diploma. Esta curiosa dualidade de crité rios, certamente não devida a distracção num diploma que demorou tanto tempo a elaborar, é a fonte das dúvidas sobre se o tal artigo z8.° serve para alguma coisa, ou seja, se serve para que as alterações à Lei 29/87, sobre o Estatuto dos Eleitos Locais, apenas entrem em vigor em 1 de Novembro próximo». Também Gomes Canotilho põe em causa a técnica legislativa, embora considere que a data do diploma republicado “não tem efeitos agora”.
Falta de cuidado? Durante oito dias esteve na 1ª comissão, para redacção final. O comunista António Filipe, membro desta comissão diz “que podia não ter demorado tanto tempo”, considerando porém «que não foi excessivo». Por seu lado, o presidente da comissão, o socialista Osvaldo Castro, diz que “este processo não podia ter nem menos um dia”, esclarecendo que o diploma foi “no dia 28” enviado para o Gabinete de Jaime Gama. O presidente da AR levou até dia 4 para mandar o diploma para Belém. Sobre a controvérsia da entrada em vigor, Osvaldo Castro diz: “Eu admiti que podia dar confusão”, acrescentando que “o Governo podia ter tido o cuidado de tirar a data de entrada em vigor” no republicado Estatuto dos Eleitos Locais. Osvaldo Castro desvaloriza porém os feitos desta opção.
Ora, como se lê, a estultícia pode muito bem ter ocorrido, até porque houve pelo menos um autarca que beneficiou-e é do PS... Fica ao critério dos leitores a análise dos factos, contextualizando-se a questão para melhor se perceber. José Sócrates, disse publicamente, em Maio, na AR, que se propunha acabar “com os privilégios injustificados do actual regime especial de subvenções vitalícias dos titulares de cargos políticos." E disse depois disso, publicamente, que o governo tinha em primeiro lugar acabado com os privilégios dos políticos e depois com os de outros funcionários públicos. Ora bem, esta lei para “acabar com os tais privilégios dos políticos, no dia 16 de Junho já tinha dado entrada no Parlamento. Duas semanas depois foi discutida pelos deputados na generalidade, e no final de Julho (dia 28, véspera da interrupção para as férias de Verão) foi votada e aprovada na generalidade, com os votos do PS, PSD, PCP, BE e Verdes, e abstenção do CDS/PP. A lei de idêntico teor relativamente aos outros funcionários públicos, designadamente a que acabou com a progressão automática nas carreiras, foi publicada logo a seguir e entrou logo em vigor, antes de meados de Setembro ( et pour cause…). Esta, só mais de um mês depois!
Depois disto, admire-se o mais do que emérito jurista presidente da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias da AR que o “público” pense o que foi escrito.
Publicado por josé 15:14:00