Diria mesmo mais..."bem prega frei Sócrates"!

Do Expresso online, aparentemente ainda dirigido por um arquitecto de ideias feitas, fica aqui uma crónica de José António Lima...

Bem prega Frei Sócrates

No momento em que elimina vários direitos adquiridos, em nome da sustentabilidade da contas do país e da equidade de direitos no funcionalismo público, José Sócrates e o PS alargam até 2009 o generoso regime de privilégios de autarcas e deputados. Pior: fazem-no à socapa, com enganosos artifícios por baixo da mesa, e tentando passar a ideia de que estão a fazer o contrário, a moralizar o alargado esquema de regalias da classe política.

Atente-se nos passos desta artimanha processual e política. Antes de impor os generalizados sacrifícios e cortes à função pública, José Sócrates anunciou e garantiu que, como exemplo, os políticos seriam os primeiros a prescindir dos seus regimes de privilégios injustificados. Para isso, e porque «os sacrifícios teriam de ser distribuídos por todos» como humildemente assegurou Sócrates, iria ser revista a lei das subvenções dos políticos. Uma lei que, há mais de duas décadas, permite que seja contado a dobrar o tempo em funções dos políticos para efeitos de reforma, que lhes seja atribuído um invejável subsídio de reintegração ou que se reformem antecipadamente muito antes dos 65, dos 60 ou até dos 50 anos.

O fim destes privilégios iria abranger, de imediato, mais de um milhar de autarcas (presidentes de câmara e vereadores executivos) e algumas dezenas de deputados, entre outros políticos. A nova lei entrou mesmo no Parlamento a 16 de Junho e foi votada e aprovada a 28 de Julho. Faltava apenas a votação final global que, face ao crescente clamor de protesto dos aparelhos partidários, o Parlamento meteu na gaveta e deixou para depois das férias.

Começava a perceber-se que a nova lei só iria entrar em vigor depois das eleições de 9 de Outubro, por pressões de autarcas de todos os quadrantes e das estruturas partidárias. Para um autarca que tivesse terminado o seu primeiro mandato e agora se recandidatava, agora a entrada em vigor da nova lei implicaria que no final de 2009 apenas contasse 8 anos, de dois mandatos, para a sua reforma. Se a lei não entrasse em vigor (e como estipula que, a partir dos 6 anos em funções, a contagem é feita a dobrar), esse mesmo autarca chegaria a 2009 contabilizando 16 anos para a sua reforma. E muitos deles, deputados e autarcas, poderiam mesmo continuar a usufruir até 2009 do privilegiado sistema de reformas antecipadas. Percebe-se a inquietação.

Quando o Parlamento reabriu, a 15 de Setembro, Sócrates fez questão que a aprovação final da nova lei fosse votada de imediato, para afastar dúvidas e suspeições. E foi. Só que, em vez de seguir para promulgação em Belém, ficou a aboborar nos gabinetes do Parlamento e na secretária do socialista Osvaldo Castro. Só foi enviada a Jorge Sampaio a 4 de Outubro e contendo uma disposição que estipula que «a presente lei entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação». Ou seja, estava garantido que os autarcas reeleitos a 9 de Outubro podiam dormir descansados. A nova lei só teria efeitos a partir de 1 de Novembro. Os vinte dias que o Parlamento e o PS retiveram a lei, antes de a enviar para a Presidência, tinham sido cirurgicamente providenciais.

Sampaio promulgou a lei com rapidez, em dois dias, e enviou-a para publicação em «Diário da República», onde viu a luz do dia na manhã seguinte às eleições autárquicas. Mas já era tarde para ter efeitos imediatos. Ainda assim e porque as leis entram em vigor cinco dias após a sua publicação (não fosse a disposição que, neste caso, remete para 1 de Novembro), muitos autarcas recearam que ela passasse a vigorar logo no dia 15 de Outubro. E à cautela, num movimento inédito logo na primeira semana pós-eleições, muitos foram os concelhos e os autarcas que se apressaram a antecipar as tomadas de posse Não fosse o diabo tecê-las.

Em conclusão. No momento em que restringe privilégios a vários sectores do funcionalismo público, em que extingue subsistemas de saúde mais favoráveis, em que aumenta a idade para efeito de reforma, em que congela salários e progressões nas carreiras - nesse mesmo momento, José Sócrates e o PS permitem que as regalias e regimes especiais da classe política se prolonguem até 2009 e abranjam mais umas larguíssimas centenas de políticos no activo.

Com que cara e com que moralidade podem o primeiro-ministro, o PS e os deputados em geral (cúmplices nesta artimanha processual em proveito próprio) encarar os juízes e magistrados em greve? Ou exigir que a generalidade dos funcionários públicos compreenda as dificuldades e aceite os sacrifícios? Não sobrará, no meio de tudo isto, um mínimo de vergonha?


Comentários? Apenas um: "se não fosse ridículo, seria patético"! E que tal se o Governo esclarecesse em que consiste o sistema de "apoio à doença" previsto nos serviços sociais da presidência do Conselho de Ministros? O primeiro ministro, os ministros, os deputados, os dependentes destes e ainda os beneficiários do minsitério da saúde beneficiam? Quem paga? Nem chega a uma causa micro: é apenas uma causa nossa...

Publicado por josé 14:42:00  

4 Comments:

  1. Carlos Loureiro said...
    Caro José,

    Era conveniente verificar se o que diz o JAT corresponde à verdade.

    E não corresponde (inteiramente, pelo menos) A dita lei entrou em vigor a 15 de Outubro no continente, já que não contém, ao contrário do que se diz no texto, qualquer disposição a estabelecer uma vacatio legis mais longa. Há que não confundir a lei com a vacatio legis...
    josé said...
    Coloquei o comentário de JAL sem comentar o seu conteúdo.
    O meu comentário referia-se a um outro aspecto:
    "E que tal se o Governo esclarecesse em que consiste o sistema de "apoio à doença" previsto nos serviços sociais da presidência do Conselho de Ministros? O primeiro ministro, os ministros, os deputados, os dependentes destes e ainda os beneficiários do minsitério da saúde beneficiam? Quem paga? Nem chega a uma causa micro: é apenas uma causa nossa..."

    Porém, a entrada em vigor da lei, ocorreu em momento anterior ao citado na crónica.
    Foi um erro do autor que só dá por ele quem ler a lei...

    E agora já a li. E até me apeteceu comentar, porque o nível de privilégios que por lá se vê, é de um regabofe que obnubila qualquer lapso de todos os cronistas, sejam eles o JAL, sejam os jornalistas do DN, sejam os demais, nos quais se incui o estimado Vital Moreira.
    Sobre este, aliás, continuamos à espera que esclareça se os magistrados do MP fazem parte ou não do órgão de soberania "Tribunais".
    É claro que ele faz que não entende; que não lê; que não liga.
    Mas sabe muito bem que tem uma explicação a dar a quem o lê-no blog ou na CRP anotada e que a comprou, ficando assim credor de uma explicação.
    Isso são atitudes de pessoas de bem. O contrário só os mabecos, como dizia o falecido Joaquim Namorado...
    josé said...
    Primeiro comentário à tal lei.
    Os "privilégios dos autarcas".


    "DL 52-A/2005 publicado no DR de 10 de Outubro?

    O artº 5º diz assim:

    " 1- Os eleitos locais têm direito :
    a) a uma remuneração ou compensação mensal e a despesas de representação;
    b) a dois subsídios extraordinários anuais;
    c)a senhas de presença;
    d) a ajudas de custo e subsídio de transporte;
    e) à segurança social
    (...)
    r) A subsídio de refeição a abonar nos termos e quantitativos fixados para a Administração Pública.

    O artigo 6º refere as Remunerações dos eleitos locais em regime de permanência ( os que estão a meio-gás, recebem metade...)
    O valor base dessa remuneração é:
    Municípios de Lisboa e Porto- 55% do vencimento base do Presidente da República.
    Municípios com mais de 40 000 eleitores- 50%
    Municípios com mais de 10 000 e menos de 40 000- 45%

    Restantes- 40%.

    As remunerações dos vereadores em permanência correspondem a 80% daquele valor base a que têm direito os presidentes.

    Agora é uma questão de comparar com os vencimentos dos magistrados...sabendo que a remuneração base do PR, para o ano de 2002 ( o único registo que tenho) era de 6897,94 euros, o vencimento de um presidente de CÂmara de cidade média ( com mais de 40 000)era de 3 448,97 euros a que acrescia 1 034,69 euros, a título de despesas de representação, mais...mais...pois falta referir o que ganham ainda com a participação em empresas municipais( entidades do sector público empresarial participadas pelo município), que têm um regime muito próprio de gestão pública e que é mais um terço do valor base da remuneração. No caso concreto, mais mil euros...

    Enfim, os autarcas são órgãos de soberania não será assim?

    COmo diria io outor, seria ridículo se não fosse patético.
    josé said...
    E outro aspecto com muito interesse para o caso é o previsto no artº 3º- Exclusividade e incompatibilidades.
    Diz assim:
    " O presidente e vereadores de Câmaras municipais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras actividades(...)"

    "Muito bem, senhor primeiro...!"

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