Justiça, uma história portuguesa (III)
quinta-feira, setembro 22, 2005
(continuação)
O caso Fátima Felgueiras, até pelos contornos do regresso (ainda hoje o Público afirma que Fátima Felgueiras ameaçou contar alguns factos comprometedores durante o julgamento, que conta como testemunhas com Armando Vara e Narciso Miranda, e que estas “movimentações funcionaram como um alerta, fazendo estremecer a candidatura oficial do PS, mas também alguns responsáveis pelo partido a nível nacional”. E também noticia que Fátima Felgueiras manteve contactos com a cúpula do PS, com a intenção de concertar as condições do regresso a Portugal, a par de algumas garantias recíprocas) não pode servir de pretexto para ataques avulsos às magistraturas, antes para uma reflexão profunda...
... do sistema político e dos seus agentes (que parece que não querem aprender nada, vide estas declarções de Ana Gomes, que muito convenientemente ainda acredita na inocência virginal de Fátima... assim como as de Fátima Felgueiras num debate organizado pela RTP, gravado esta tarde, onde com toda a candura do mundo afirmou não ter dúvidas de que Sócrates não duvidava da sua 'inocência') sobre o regular funcionamento das instituições, das magistraturas que, salvaguardada a sua independência, tem que ter critérios objectivos e minimamente rigorosos de accountability, assim como meios e mecanismos de os fazer cumprir (há conselhos superiores que nem as suas próprias deliberações cumprem), dos magistrados que deveriam repensar os limites, e as fronteiras, da sua independência - muitas vezes apenas formal - e a promiscuidade que muitas vezes existe e se sente entre eles e a 'política', dos magistrados que deveriam deixar de olhar para o lado perante comportamentos reconhecidamente irregulares - na forma e na substância - de colegas, em nome de uma qualquer e bacoca solidariedade de corpo, quando deveriam ser os primeiros a exigir o estrito cumprimento das regras (lembram-se do cachecol?).
Deveria também servir para reflectir sobre a qualidade das leis que temos, sobre a sua permanente ambiguidade e elasticidade (veja-se a confusão a propósito do referendo Aborto a propósito da lei máxima, a Constituição), leis essas da responsabilidade única e exclusiva dos... políticos.
Para rematar este fascículo, aos magistrados, que preparam cegamente uma greve conjunta, sugere-se um mínimo de lucidez e clarividência, que não tornem centrais questões menores, como a das férias judiciais, que lutem pela independência sim, mas com regras, com um minino de democraticidade interna, e um mínimo de transparência (é que nos partidos ainda se vai votando, na Opus Dei e na Maçonaria não...), e sobretudo para que lutem por uma justiça verdadeiramente cega e igual. Quantos criticaram o pragmatismo lendário do desembargador Salvado, que a olhómetro sabia logo o que tinha ou não pernas para andar ? e quantos criticam as taxas de arquivamento, por falta de provas, que não se devem apenas, a falta de meios ? Se as magistraturas querem ser respeitadas, e devem sê-lo, tem também que respeitar a inteligência de todos os restantes cidadãos. Não se podem resignar, muito pragmaticamente, face a tudo e mais alguma coisa, e só berrar desalmadamente quando lhes entram nas regalias. Devem, em suma, recuperar uma parte da dignidade que, por única e exclusiva culpa, tem vindo a perder...
Publicado por Manuel 17:26:00
Era o mínimo.
O resto é simples: é idiota defender que a credibilização da Justiça se faz deixando em liberdade os criminosos que se apanham "enquanto todos os outros não forem apanhados".
Tretas.