Justiça, uma história portuguesa (IV)

(continuação)

As dificuldades que meros mortais tem para comprender os meandros da justiça devem-se também, e muito, aos agentes políticos, e aos actos destes. Atente-se no Caso Casa Pia, e no affair Pedroso, e no esforço de pedagogia que foi feito para explicar o inexplicável, desde a não pronúncia de Pedroso, nas mesmas e exactas circunstâncias que outros pronunciados, a menos o facto de ser 'político', ou na libertação de Ritto à guarda da comunicação social, e atente-se agora no caso de Felgueiras. Aqui o caso é o inverso, onde em vez de se fazer pedagogia explicar o normal e regular funcionamento do Estado de Direito, espuma-se e exige-se 'vingança'. O miolo da questão é a libertação de Fátima Felgueiras (alguém se lembra dos motivos da preventiva ? lembra mesmo?) e a indignação, demagógica e populista, à volta da mesma. Sejamos claros, a Fátima Felgueiras foi ordenada a preventiva, não para a 'castigar', por antecipação, não para uma qualquer vingança sobre ela, mas porque foi entendido que existiria um perigo real de perturbação das investigações, pelo facto de ser Presidente da Câmara no exercício de funções, então em curso, ora como é sabido - foi avisada a tempo, e 'exilou-se', hoje a acusação está deduzida e o julgamento marcado, e... obviamente a premissa não se mantem. Ao invés de explicar isto, óbvio e razoável, temos desde líderes partidários, Marques Mendes (que até é jurista), até ao próprio MP, muito mal, a irem a reboque das massas e a pedirem a prisão da Santinha da Ladeira. Seria muito mais racional e pertinente dizer simplesmente que caso Fátima F. ganhe as eleições é pedida então sim, nova preventiva, por voltar a haver risco real face à iminência do seu regresso à CMF, mas... E todos mal, porque, mais ou menos, conhecem e o processo e sabem muito bem que se o critério de ordenação da preventiva fosse outro que o bloqueio às investigações então uma boa parte dos envolvidos no saco azul tinha que estar também detida, ponto final. Ao não haver um esforço pedagógico, ao se ir a reboque, ao não se ter a coragem de explicar, cedendo aos instintos mais básicos e caceteiros, presta-se inapelavelmente um péssimo serviço à justiça e à democracia. Por outro lado, o problema de Fátima não é apenas - ou sequer especialmente - júridico, é antes político. Independentemente de 'tecnicamente' a operação saco azul vir a ser considerada ilegal ou não, e os envolvidos punidos judicialmente, parece que ninguém contesta, nem Fátima F. que existiu mesmo o tal 'saco azul', pelo que é da mais refinada hipocrisia, esperar, neste como noutros casos, pela resolução dos processos judiciais, para se ter uma opinião não sobre o caso concreto mas sobre o problema que ele representa. Há matéria, mais que suficiente, para uma reflexão séria e profunda sobre os meandros do financiamento partidário, que ninguém quer fazer... à espera da justiça, que por sua vez, muitas vezes, mal, não se sente com coragem para ir até ao fim, face a práticas 'social e politicamente aceitáveis', 'contra a corrente', entrando-se assim num ciclo vicioso, que dá no que dá...

(continua)

Publicado por Manuel 12:05:00  

3 Comments:

  1. O Reformista said...
    Não sendo jurista penso que a possibilidade de fuga é uma das causas para a prisão preventiva. Ora a arguida já provou que essa hipótese é uma realidade. Por isso não concordo com a tese que formulou de que os motivos para a prisão preventiva tenham deixado de existir.Se os que evoca podem estar resolvidos o de perigo de fuga não. Com ou sem pulseira.
    Mas como não sou jurista não sei se os crimes de que é acusada, que também desconheço, caiem na alçada da prisão preventiva ou não. Agradecia-se o eslarecimento a esta dúvida.
    Fernando Martins said...
    A Santinha de cima conheço; o Cristo em baixo, e acompanhantes, também... Agora não sei é qual, dos outros dois, da direita e esquerda, é que é o bom e o mau ladrão...
    Fernando Martins said...
    O Mau Ladrão é o avelino - e já transitou do Purgatório para o Inferno, em julgado... (Vox popoli vox Dei)

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