a vergonha transparente

Esta notícia, do JN de hoje, permite colocar uma questão, sem subterfúgios:

Deve um juiz frequentar comícios e casas de partidos políticos e conviver publicamente em noites eleitorais com vencedores do partido que vai ocupar o poder político?!

quem não veja mal algum nisso e até garanta a jornalistas que quem o vê é... falso moralista!

O argumento neste caso, para o ápodo anatematizador é... a transparência da justiça! E a reivindicação de uma abertura da justiça em contraponto a “um recato que mais ninguém tem”.

O problema epistemológico começa logo nesta terminologia que mistura justiça com juizes e deixa ver que a transparência da justiça se mostra pelos juizes e não pelos juizos.

Curiosa, reveladora e perigosa, esta metonímia antonomásica. Duma penada, fica a boiar no tinteiro toda a essência dos artigos constitucionais do Título V da Constituição da República Portuguesa, consagrado aos tribunais. Os juizes são a justiça e os tribunais o seu lugar simbólico e a sua emanação. Uma santa trindade reiventada para uso corporativo, com laivos de transubstanciação à vista!

O presidente do sindicato dos juizes que assim pensa, também pensa que mais ninguém tem o recato exigido aos juizes. Engana-se! Esse recato é legalmente exigível ao magistrados, incluindo os do ministério público; aos agentes das forças de segurança; a militares; a diplomatas e até a altos dirigentes da função pública. E deriva directamente da lei que temos que é a lei dos partidos políticos e dos estatutos profissionais.

O presidente do sindicato dos juizes ainda pensa, sobre a situação concreta que... “o que temos é um juiz”...! Certo! Um juiz que é vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura e que por isso mesmo tem a incumbência legal de gerir a magistratura judicial em aspectos relevantíssimos da sua actividade: a nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes dos tribunais judiciais e o exercício da acção disciplinar.

O presidente do sindicato continua a pensar, “sobre a situação concretaque esse juiz foi... “provavelmente fotografado sem o saber”... A gente pensa também como é que ele saberá tal coisa! “provavelmente” e “sem o saber” é mais do que provável ! Não se mostra pela foto que o juiz em causa tenha posado. O que a foto mostra, contudo, é algo de mais prosaico que o desconhecimento - mostra a descontracção do fotografado! Boa disposição! Alegria contagiante! Ainda bem. Mas revela a ingenuidade do momento...

Diz ainda o presidente do sindicato, pensadamente, que o juiz foi fotografado “numa actividade que não é manifestamente pública”.

Aí é que a foto não chega! Mas chega o resto do que já se sabe: numa sede distrital de um partido político, um juiz vice-presidente do CSM, foi fotografado em confraternização com amigos que por sinal são altos responsáveis locais por esse mesmo partido e entre ambos existem relações de amizade, até por motivos eventualmente familiares.

A actividade não é manifestamente pública? Então o que é a sede de um partido político em noite de vitória eleitoral? Um clube restrito a militantes?! Uma local de reunião secreta de políticos no activo? Pior desgraça seria, então!

E quanto à famosa expressão, - “actividade público-partidária “ - agora sujeita a semânticos tratos de polé que dizer?

O que será uma actividade? A comemoração de uma vitória eleitoral não o é? Então o que fizeram todos os políticos em noite eleitoral, a começar pelo ganhador Sócrates até ao choramingas Portas, passando pelo refugiado Santana? Reflexão filosófica? Recolhimento conventual em sedes partidárias e hotéis de campanha?

E quanto ao seu carácter público, a sede um partido político em noite eleitoral, sem controlo de porteiro e sem reserva de entrada, admitida até a jornalistas e fotógrafos o que significa?! Que houve violação de intimidade politico-partidária e introdução ilegítima em lugar vedado ao público?

E finalmente, quanto à característica política, dessa actividade ?!

Diga o que disser o juiz presidente do sindicato dos juizes, acolhendo a justificação do juiz vice-presidente do CSM, a participação em comícios ao ar livre ou em recinto fechado, na assistência e até de cachecol na mão, embora discutível, não é bem a mesma coisa que a participação em comício como convidado, orador, participante de mesa, reconhecido como alguém pela posição social que ocupa ou cargo que desempenha.

Se o juiz vice-presidente do CSM fosse um estagiário da magistratura, ninguém lhe ligaria pevide, nem ocuparia uma linha que fosse a vituperar comportamentos, correndo o risco de ser apelidado de moralista, assim a modos de quem usa termos terminados em ista.... como socialista, só como exemplo.

Assim, parece que se torna premente moralizar e reciclar a vergonha, antigo sentimento que impedia certas promiscuidades. Em nome da transparência!

Publicado por josé 12:48:00  

12 Comments:

  1. Anónimo said...
    Toda a razão!
    Mas pergunto: o que é de evitar, a presença pública do juiz numa sede partidária, ficando agora toda a gente a saber que é do PS - e isso tb é transparência ou, pelo contrário, a visita regular a uma loja maçónica, a um retiro da obra, a uma associação que trata de temas heráldicos e de geneologia de inspiração de neonazi ou assinar post num blogue de clara inspiração político e ideológica.
    Anónimo said...
    Toda a razão!
    Mas pergunto: o que é de evitar, a presença pública do juiz numa sede partidária, ficando agora toda a gente a saber que é do PS - e isso tb é transparência ou, pelo contrário, a visita regular a uma loja maçónica, a um retiro da obra, a uma associação que trata de temas heráldicos e de geneologia de inspiração neonazi ou assinar post num blogue que tem uma clara inspiração política e ideológica.
    Manuel said...
    A indirecta, se o era, passou ao lado... É que nesta Loja não há uma "clara inspiração político e ideológica", nem nunca houve. É apenas um fórum, modesto, de reflexão, com escribas de muitos e variados quadrantes...
    Anónimo said...
    faltou recordar quem era o cabeça de lista do PS do distrito do Sr. Juiz Desembargador...
    Anónimo said...
    Sr. Manuel,
    Não era nenhuma indirecta, mas apenas mais uma referência para reforçar que não acredito que os magistrados, em particular, sejam pessoas apolíticas, coisa que penso que o v/ blogue não é. Quanto aos muitos e variados quadrantes, ainda não li nada aí que fosse da extrema esquerda ou, mesmo, da direita é, isso sim, de um extremo centro que, como muito bem sabe, permite ir muito ao sabor do vento sem grandes comprometimentos. E se calhar é isso que aos magistrados deve exigir-se que não se comprometam com cascois, pins, bonés, etc, etc. pois o resto passa.
    josé said...
    Tem toda a razão meu caro e duplo anónimo!
    Agora, tudo se torna mais transparente! E se isso fosse possível noutros casos, seria bom. Incluindo as frequêncioas maçónicas, heraldísticas,rotárias, amigalhíticas, genealogicamente perscrutáveis.
    Tudo o que contribua para perceber as idiossincrasias de quem decide o direito e aplica a justiça é de louvar. Juiz faz parte de um órgão de soberania que é o tribunal! Decide com independência, supostamente e isso faz toda a diferença!
    Se houvesse vergonha, não seria preciso tal e poderíamos confiar na probidade, verticalidade de carácter e rectidão de espírito do juiz,pois saberíamos sempre que seria independente dessas filiações e agremiações.

    COmo já não há e o regabofe de promiscuidade atinge os altos escalões como nunca se viu, defendo a declaração de interesses:
    um juiz que seja abordado e convidado para a maçonaria ou para a opus dei, deveria comunicar tal facto ao respectivo Conselho. Um juiz que se filiasse em partido político idem. Um juiz que se agremiasse a associações de actividades esotéricas também ( lá ia a ordem de Malta perder mais uma malta...).
    Se houvesse vergonha e moral, repito, isso seria desnecessário.
    Neste momento, não é! E a prova de que não é, está á vista de toda a gente que queira ver, nas decisões vergonhosas que se tomaram no processo da Casa Pia por causa do PPedroso e do PS.

    Quanto a escrever em blogs e afinfar-lhe rótulos ideológicos como se fosse parte do livro de estilo:
    Faço-lhe a justiça de o considerar inteligente e presumir que percebe muito nem a enorme diferença entre as situações...
    Anónimo said...
    Caro Sr. José,
    Percebo mto bem a diferença. Se calhar o exemplo não foi feliz, bem como a explicação que se lhe seguiu. O ex do blogue serviu apenas para reforçar a ideia do quão ténue pode ser a fronteira do comprometimento de um magistrado com uma causa ou ideia, por mais inóqua que ela possa ser.
    Concordo consigo quando expõe a necessidade de uma declaração de interesses, porque não, se acha que que o jogo está assim tão viciado.
    Agora, colocar em causa, a idoneidade de um sujeito, só porque usa um emblema, isso parece-me já algo exagerado, tanto mais que o manifesta à vista de todos e não entre o segredo das colunas.
    josé said...
    Caro anónimo:

    A lei e o estatuto dos magistrados não proibe as agremiações publicamente reconhecidas. Proíbe- e bem- as manifestações públicas de apoio a causas e partidos políticos. Percebe-se bem por que razão e daí entender que tem também toda a razão quando diz que agora há maior transparência.
    Mas ainda há mais:
    Um certo magistrado de laço em vez de gravata comunicou alegre e jornalisticamente que era adepto ferrenho do Benfica. Saiu-lhe em rifa julgar o Vale e Azevedo e saiu-lhe um processo de impedimento por suspeição também...

    Outro, foi conotado directamente com a actividade política do PS por causa da mulher e os juizes do STJ entenderam que a mulher de César...

    Agora temos um vice-presidente do CSM a dar vivas á cristina que ganhou... Será preciso continuar a demonstração?!

    Escrever em blogs não me parece nem de perto nem de longe a mesma coisa. Aliás, há ilustres COnselheiros que o fazem- e muito bem! Escrevem; escrevem bem e honram a profissão que escolheram.
    Exprimir opiniões livremente, nos jornais e em blogs nunca foi óbice á independência, desde que a opinião se mostre livre e responsável. Isso é até sinal de maior transparência. O problema surge no encobrimento de afinidades político-partidárias de quem muitas vezes tem de decidir questões de ordem similar e envolvendo pessoas com essa única notoriedade.

    Preciso de continuar a demonstrar?!
    Anónimo said...
    Caro José (se me permite tratá-lo desta forma),

    Compreendo o que quis dizer. Peço-lhe é que compreenda a minhas palavras, embora o defeito possa ser meu.
    É que, escrever na L. no Barnabé, no Acidental ou no País Relativo não é indiferente. Pressupõe antes uma série de afinidades e cumplicidades pessoais, que não são muito diferentes das de pertencer a uma ordem qualquer, com a diferença que numas se contempla e noutras se escreve, sendo que ambas as expressões de organização acabam por ser formas de estar politica ou, se quiser, filosoficamente comprometidas.
    Tudo isto a propósito do magistrado que está a ser trucidado por ter usado o emblema de um partido qualquer. È que, havendo limites na intervenção pública, e sei que existem, a fronteira do que deve ser ou não permitido ou proibido é muito ténue.
    Mais, pessoalmente acho ridículo que o parentesco a paixão por um clube de futebol seja factor de suspeição de um magistrado pois se assim é, está tudo ### na justiça portuguesa. Se o problema do magistrado em questão é ter uma prática de “olha para o que eu digo e não olhes para o que eu faço” questionem-no por não estar à altura do cargo que ocupa e não por aquilo que critica aos seus pares e que não tem razão de ser, parece-me.

    Não interprete esta minha intervenção como qualquer julgamento pessoal pelo facto de participar num blogue, o que não seria correcto de forma alguma pois estou a fazê-lo no anonimato, pretendo, com este exemplo ou provocação, expor o que, no limite, pode ser posto em causa.
    Gomez said...
    Subscrevendo, na íntegra, este e os anteriores escritos do Ven. José sobre o assunto, resta-me concluir:
    a) o comportamento do Senhor Conselheiro, documentado fotograficamente, viola indiciariamente uma disposição fundamental, expressa, do Estatuto dos Magistrados Judiciais e sempre violaria, de igual forma, os deveres de recato e isenção que a ética e o bom senso imporiam a qualquer Magistrado no activo;
    b) Se dúvidas houvesse, as especiais exigências de rigor deontológico e conduta exemplar que impendem sobre um Vice-Presidente do órgão que assegura a disciplina da Magistratura Judicial, decerto recomendariam a abstenção deste tipo de comportamento;
    c) As conselheirais justificações já aduzidas publicamente passam, salvo o devido respeito, ao lado do essencial e contrariam a evidência disponível: o evento era de natureza partidária, era aberto ao público e aos media, a presença naquele local e naquele momento não era indispensável para o fim pessoal invocado, o Senhor Conselheiro não só não se opôs à colocação do cachecol partidário como o exibe com notório conforto e descontração;
    d) Tratando-se de um Magistrado que é uma figura pública facilmente reconhecível, o comportamento imputado é particularmente lesivo dos interesses protegidos pela norma proibitiva e, como tal, especialmente censurável;
    e) A posição da Associação Sindical dos Magistrados Judiciais não surpreende: o "contorcionismo" argumentativo exibido - e já sobejamente "desmontado" pelo Ven. José - é infelizmente habitual quando se questiona a conduta de Magistrados ou as garantias da sua imparcialidade. Uma recente jurisprudência do STJ sobre essa matéria, contrariando posições públicas do Desemb. Presidente do sindicato, ainda não fez escola e os vasos comunicantes entre sindicato e CSM decerto também não ajudam à clarividência. Esta cega defesa "corporativa" (no pior sentido da palavra) não dignifica a imagem da Justiça, da Magistratura Judicial ou o crédito que é devido à generalidade dos Magistrados, que não costumam incorrer e não se devem rever nestas atitudes;
    f) Num País não dominado pelo relativismo ético em que nos afundamos (para não usar outra expressão), o visado, mesmo que se julgasse vítima das circunstâncias ou de mera imprudência, já se teria demitido das altas funções que exerce, para que a credibilidade da Magistratura e do seu Conselho Superior não fossem questionadas, qualquer que seja a decisão a tomar pelo CSM;
    g) O Senhor Presidente da República, supremo garante do regular funcionamento das instituições, tem aqui uma oportunidade soberana para exercer a pedagogia e a magistratura de influência que o caso parece exigir.
    Gomez said...
    Só mais uma achega ao debate que por aqui vai:
    Os Magistrados não estão cívica ou politicamente mortos.
    A natureza da sua função e do poder que lhes está confiado pressupõe e exige, porém, certas limitações, que são de todos conhecidas e por quase todos respeitadas.
    Noutras profissões sucede o mesmo, estando as intervençõres públicas condicionadas nos termos do respectivo Estatuto, sem ofensa de qualquer direito fundamental.
    O que aqui se discute é um caso concreto em que essas limitações não terão sido respeitadas.
    Se as fronteiras por vezes são ténues, é recomendável um especial cuidado, pois não deixam de existir e a sua transgressão terá ser sancionada.
    No caso em apreço, não tenho dúvidas sobre a linha da "fronteira", mas admito, como sempre, melhor opinião...
    josé said...
    Qanto à observação anónima sobre o cabeça de lista do PS no referido distrito, não tem nada que enganar:


    "Nasceu em 1947 em Évora de Alcobaça, estudou em Leiria e licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. É actualmente secretário nacional do PS e deputado à Assembleia da República, tendo sido eleito pelo Círculo do Porto nas últimas legislativas. Foi ministro da Administração Interna com António Guterres, administrador da Petrogal, docente universitário, jornalista e director do Gabinete dos Assuntos de Justiça de Macau. Alberto Costa "

    Ora viva, o senhor ministro da Justiça!

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