O lado bom de uma medida

Em tudo na vida, e especialmente quando estão em causa medidas complexas, é perigoso – mas útil, para certos fins – tomar a sua análise por um único prisma.

O António, qual verdadeiro spin doctor do governo sombra, tratou de fazer o trabalho de casa da oposição (e, pelo caminho, o do Diário Económico, basta ver a manchete de hoje) e arrasou o projecto do Governo de integrar a dívida do sector empresarial dos transportes na dívida directa do Estado.

Não sendo que, nem tendo pretensões a ser, um anti-spin doctor ao serviço da actual maioria (tal como julgo que o Rui também não pretenda), gostava de lembrar que, se é verdade muito do que o António afirma, e é absolutamente correcta a leitura que é feita em termos contabilísticos, não é menos verdade que...

  1. A dívida das empresas resulta muitas vezes de investimentos que, em tese, até devia ser o Estado a fazer ... v.g., quando a REFER constrói linha, está apenas a agir em nome do Estado, a quem cabe tal tarefa;
  2. O Estado é accionista único, logo responde sempre por estas dívidas, elas estão actualmente desorçamentadas, e pretende-se "orçamentá-las". Ora isto é bom, é mais transparente, é o contrário de criar Hospitais, S.A. só para baixar a dívida a reportar em Bruxelas;
  3. Se calhar o mais importante é saber para que serve a medida. Se os fins forem bons, eventualmente o custo é tolerável. Senão vejamos:
    • E se a medida serve para responsabilizar os gestores de ora em diante, uma vez que já não têm a desculpa eterna do peso do passivo?
    • E se serve para perceber quais as actividades com rentabilidade e tratar de as colocar em regime de exploração comercial, ora por concessão a privados da exploração, ora pela pura e simples privatização?
    • E se o passivo agora assumido, que o Estado sempre teria de pagar, for amortizado com essas mesmas privatizações, tal como prevê a Lei Quadro das Privatizações?
    • E se o projecto serve para obter financiamento a melhores taxas, ao consolidar e emitir em nome da república?
    • E se for uma resposta ao downgrade do rating da Refer e do Metropolitano, tendo o Governo informações de que o mesmo vai baixar ainda mais?
    • E se os encargos actualmente são até maiores?

Mais, sendo, como são, os critérios de Maastricht dos 60%+3% arbitrários e discutíveis devemos deixar de tomar uma boa medida para os cumprirmos?

Por outro lado, não se estará a sobrestimar o impacto na dívida e no défice, não tendo em conta que, por um lado, a desregulação associada a uma eventual privatização gerará, só por si, um crescimento do PIB que atenua aqueles ratios e que o PIB, mesmo sem essa perspectiva, sempre irá aumentar qualquer coisa?

Eu não sei responder a tudo isto com rigor. Mas se a resposta for posítiva para a maioria destes pontos, não vejo como não aplaudir a decisão.

E, já agora, este Governo acaba de iniciar um processo de moralização do estatuto dos gestores públicos. Podemos falar também disso? É que tem tudo a ver.

Publicado por irreflexoes 11:04:00  

1 Comment:

  1. Rui MCB said...
    Partilho as dúvidas e a esperança implícita.
    Rui M.C.B.
    Está assinado aqui por baixo.

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