Para uma Visão ao Sol. A entrevista do PGR comentada.
quinta-feira, novembro 22, 2007
"Quando é para aplaudir o Governo eu aplaudo, mas quando é para censurar, também censuro”.
Pinto Monteiro, PGR, dá hoje à Visão a entrevista que deveria ter dado ao Sol, há umas semanas atrás. Com uma pequena diferença: esta entrevista não vai suscitar qualquer pedido de audição parlamentar, embora haja nela mais razões para tal do que na visão particular que expôs ao Sol.
Pinto Monteiro começa por dizer que no novo Código de processo penal, o regime de publicidade processual, em virtude de um segredo de justiça, agora apertado a prazos curtos, impedirá a investigação de crimes como branqueamento de capitais, corrupção terrorismo. Não diz nada de novo, porque já Cândida de Almeida, directora do DCIAP, o tinha afirmado já, publicamente, e o actual PGR afirma-se seu amigo “há trinta anos”. Uma razão de peso é apontada: as autoridades estrangeiras eventualmente, deixarão de colaborar connosco, porque não estão para ver as suas próprias investigações prejudicadas, pela generosidade das nossas leis penais, para com os suspeitos e arguidos.
“ A partir do momento em que se tenha acesso ao processo, todos os arguidos sabem o que fizeram os outros, e nunca mais ninguém investiga coisa nenhuma,” diz o PGR, ipsis verbis, numa afirmação de bom senso que faltou ao legislador.
Depois, faz uma crítica acerba ao anterior regime da constituição como arguido, no código: agora só será constituído arguido, o suspeito que fundadamente o deva ser. É uma crítica, à qual Figueiredo Dias, um dia destes, deveria responder.
Sobre a autonomia do MP: “ começa a haver alguns sinais de que pode estar em perigo a autonomia do MP. É a primeira vez que faço esta afirmação.”
As razões da afirmação prendem-se com dois factos. O primeiro, a lei de alteração do regime do CEJ, que permitirá a escolha dos candidatos a magistrados, por uma das magistraturas, logo à partida. O segundo, com a recente lei que coloca os magistrados ao mesmo nível dos funcionários públicos, a estabelecer um vínculo que os liga ao nível das carreiras.
Pinto Monteiro, entende que aquela separação, no CEJ e ab initio, significará uma diminuição do MP, ( provavelmente, enquanto instituição constitucionalmente considerada no âmbito dos Tribunais) , reconduzindo-o a uma área mais pequena e a uma redução dos poderes, através da sua funcionalização progressiva, transformando-se em mais um departamento da administração pública. O Portal do Governo, aliás, já considera o MP, um “órgão de supervisão” e Vital Moreira, dantes anotador da Constituição, agora apoiante deste Governo, até vai mais longe: o paralelismo do MP com os juízes, em aspectos profissionais e de carreira, tem que acabar…o que vai ser muito curioso quando se puser o problema de saber como e de que modo os magistrados do MP, poderão concorrer aos Supremos tribunais. Hoje em dia a paridade é, grosso modo, de cinco para um…
Entende ainda o actual PGR, na entrevista, que a vinculação dos magistrados à função pública, conduzirá no futuro, a uma efectiva tutela ministerial. E considera que isso nunca foi feito em Portugal, mesmo no tempo de Salazar e do PREC. “Comecei a carreira com 23 anos e até agora, nunca o poder político interferiu na minha carreira de magistrado. Mesmo na época de Salazar e Vasco Gonçalves, nunca houve nenhum político a interferir.”
Curiosamente, esta referência a Salazar tem sido a pedra de toque dos juízes, para contestarem a actual lei que violaria o estatuto dos juízes, e que estes apresentam como um regresso aos tempos de Salazar…
É nesta fase da entrevista que Pinto Monteiro, larga a bomba mediática que qualquer jornalista aproveita: “ Não aceitarei ser um PGR dependente do poder político.”
Ora assim, é que é falar! E foi esta parte que se aproveitou para noticiar logo pela manhã, nas rádios, a “ameaça do Procurador ao Governo”, dando eco ao escrito na capa da Visão. Pinto Monteiro, já veio aclarar para deitar a água na fervura que fez falar o próprio Presidente da República e calou o Governo.
Ao terminar a entrevista, o PGR faz uma prognose para o MP que dirige: “Gostava de ver um MP mais ágil e menos burocrata. Menos activo em menos sentado na cadeira, não esquecendo que o MP é uma estrutura hieraquizada e que cada magistrado tem alguém um grau acima. Os procuradores não são juízes! Os juízes é que são independentes. Um procurador-adjunto tem de obedecer ao procurador-coordenador. E isso nem sempre tem acontecido. "
Ora bem, sobre isto é que seria preciso um pouco mais de esclarecimento, para a opinião pública e publicada não continuar a entender o actual MP, como um regime feudal, ou até mesmo um organismo de caserna. Porque o não é e o poder hierárquico do MP tem limites fixados nos próprios estatutos, no artº 79º do Estatuto do MP: “Os magistrados do MP podem solicitar ao superior hierárquico que a ordem ou instrução sejam emitidas por escrito, devendo sempre sê-lo por esta forma quando se destine a produzir efeitos em processo determinado.
Os magistrados do MP devem recusar o cumprimento de directivas, ordens e instruções ilegais e podem recusá-lo com fundamento em grave violação da sua consciência jurídica. Só não podem ser recusadas as que forem proferidas por via hierárquica nos termos da lei de processo, ou seja, em conformidade com a interpretação da lei e ainda as directivas, ordens e instruções emitidas pelo PGR, salvo com fundamento em ilegalidade.
É este o conteúdo preciso do poder hierárquico do MP e não outro que equivocadamente se possa intuir e geralmente tem sido, gerando adulterações, pela comunicação social dos comentadores de serviço militante.
Finalmente, duas palavras para as duas caixas da entrevista, sobre os dois processos mediáticos, Casa Pia II e Maddie. Sobre este, estamos como começamos: com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Sobre o outro, o PGR acha que já não há nada de grave a investigar, para além de considerar este caso de pedofilia na Casa Pia, “uma novela”.
ADITAMENTO, às 21h 52m:
A propósito de uma passagem da entrevista de Pinto Monteiro em que diz, ipsis verbis:
"A primeira vez que li aquilo pensei que tivesse sido uma distracção do Governo, mas agora vejo, com grande espanto, que a prazo pode pôr os magistrados ao nível dos funcionários públicos. E isso é o fim da independência dos tribunais, pois os funcionários públicos dependem da tutela ministerial".
O ministro da Justiça deste governo, Alberto Costa, hoje, em Bruxelas, e segundo a Lusa, comentou assim:
A esse propósito, o ministro da Justiça referiu: "Não há equiparação a funcionários públicos. Isso é um equívoco e se [o PGR] diz isso, ou resulta de desconhecimento ou resulta de atrevimento".
Segundo a Lusa, Pinto Monteiro, depois de conhecer esta réplica, escusou-se a treplicar em comentário, achando-a eventualmente uma questão sumária.
Vamos ver como vai ser o despacho saneador...principalmente com respeito à matéria de facto fixada.
Publicado por josé 18:25:00