A lógica dos do costume

Vasco Pulido Valente retoma a entrevista de Cravinho à Visão, já por aqui glosada, para lhe dar a interpretação extensivamente correcta e que alguns correligionários do actual consultor do BERD, manifestamente não quiseram entender e encaixar:

VPV diz muito simplesmente que “não existe um Estado independente do “bloco central” e muito menos dos “negócios”, que o apoiam e sustentam: da banca e da energia, a quatro ou cinco escritórios de advogados”.

Nesta afirmação, carrega-se a tinta da corrupção do Estado, daquela que não vem no Código Penal e assenta arraiais na praça pública da anomia.

Para muitos comentadores, com destaque para os situacionistas do momento, escrever algo como isto, releva mais de estultícia ou pura heresia que de sageza. Parece-lhes patético que alguém se atreva a dizer publicamente que a honra do Estado está perdida há muito e quem a deitou a perder foram precisamente os seus guardiães mais responsáveis, com destaque para os dois partidos de bloco central.

E no entanto, é meridianamente evidente que as leis do Estado para combater a corrupção, focam apenas no desgraçado que é apanhado em troca de favores directos, de toma lá, dá cá, tipo Domingos Curto Felgueiras e poucos mais. E as novas leis que se vão refazendo, vão protegendo cada vez mais, objectivamente esse núcleo duro e reservado, onde se acoita o mostrengo. Sempre, porém, com um discurso diverso e enganador.

O aparelho investigador e repressivo do Estado, foi capado, há muitos anos, para não andar a incomodar demasiado, as virgens púdicas da política portuguesa que se abanca à mesa do Orçamento como gente grande e com os amigos de sempre.

Aqueles desgraçados, apanhados ainda assim, pela investida libidinosa dos capados, e peranto o mostrengo que conhecem de gingeira, indignam-se com toda a naturalidade: eu?! Cadê os outros?- simulando a já antiga indignação brasileira que lhes serve de refúgio e exemplo.

Um exemplo, desta pequena criminalidade de ratolas da democracia e que distrai da outra que nem chega a tal patamar legal, mas que avança para além do tolerável em democracia?

Abílio Curto, membro destacado do PS, logo que condenado sem mais apelo, a cinco anos de cárcere por delitos associados a corrupção de que cumpriu já metade da pena) em Fevereiro de 2004, apelou à compreensão pública: “"Todo o dinheiro foi para o PS".

Confissão de condenado. Sem outro objectivo que não a verdade das coisas e de entendimento lógico e singelo para o comum dos cidadãos.

Perante isto, de uma evidência de fazer corar as pedras da calçada, que fazem os apaniguados do sistema que dele vivem e à sua sombra vicejam? Renegam o traidor. E do mesmo passo, defendem o sistema à outrance, se o ataque visa o partido protegido.

Vital Moreira, no próprio dia da confissão pública, apontou logo, no blog, que tal coisa era impossível. Se até a própria condenação dizia que o dinheiro tinha ido para a campanha autárquica do condenado! É ler para crer.

E também perceber porque é que o sistema não muda: precisamente porque anda ratado e minado por dentro, por interesses e lógica de poder partidário.

Trinta anos desta lógica, deu nisto que agora Cravinho denuncia e VPV reanuncia.

Em 25.1.2005, nos pactos para patos, escrevia-se nesta Loja, além do mais, algo que parece ainda actual. Aí se menciona que Joaquim Fortunato, presidente da AECOPS, numa entrevista ao DN dizia, expressamente e sem grandes rodeios:

Ou há pacto de regime ou há revolução para que entre uma nova classe política. Tem de haver uma política coerente, uma estratégia para os grandes projectos de infra-estruturas que tenha o acordo dos dois principais partidos, para não haver sobressaltos.

Publicado por josé 16:49:00  

1 Comment:

  1. lusitânea said...
    Tenho a ideia de que 30% do PIB é mal encaminhado segundo as estatísticas internacionais.
    Parte disso é para ser "distribuido" por forma a fazer novas fortunas e a reforçar outras "velhas" segundo aquela filosofia sábia de que para os amigos tudo , inimigos nada e para os outros que se cumpra a lei.
    O PSD tem assegurados alguns lugares, mesmo que afastado das lides governativas mercê das engenharias do tal "bloco central" cujos patrões devem ser obviamente os mesmos.
    Os milhões giram portanto na maior das tranquilidades e só as dezenas e centenas de milhar , as designadas migalhas, é que constituem os "escândalos", normalmente praticados pela "periferia" ou aprendizes ainda sem tarimba suficiente e que ficamos a conhecer normalmente em resultado de zangas de comadres...
    Os grandes contratos , os grandes concursos, a falta do seu cumprimento ou o excessivo custo dos mesmos nada tem que se lhe aponte e se algum funcionário perder a cabeça com denúncia é logo apelidado de "louco"... e colocado em quarentena ...
    Uma coisa é certa depois de terem milhões seja qualquer a sua origem um tipo passa á categoria de cavalheiro e tem direitos , muitos, dos quais sobressaem o direito ao seu bom nome e a uns bons advogados que isso fazem respeitar... com base em parte do pecúleo...

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