Espalhem a Notícia


«Espalhem a notícia

do mistério da delícia

desse ventre

espalhem a notícia

do que é quente e se parece

com o que é firme

e com o que é vago

esse ventre que eu afago

que eu bebia de um só trago

se pudesse


Divulguem o encanto

o ventre de que canto

que hoje toco

a pele onde à tardinha

desemboco tão cansado

esse ventre vagabundo

que foi rente e foi fecundo

que eu bebia até ao fundo

saciado


Eu fui ao fim do mundo

eu vou ao fundo de mim

vou ao fundo do mar

vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher


vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher bonita

A terra tremeu ontem

não mais do que anteontem

pressenti-o

o ventre de que falo

como um rio transbordou

e o tremor que anunciava

era fogo e era lava

era a terra que abalava

no que sou


Depois de entre os escombros

ergueram-se dois ombros

num murmúrio

e o sol, como é costume,

foi um augúrio de bonança


sãos e salvos, felizmente

e como o riso vem ao ventre

assim veio de repente

uma criança

Eu fui ao fim do mundo

eu vou ao fundo de mim

vou ao fundo do mar

vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher


vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher

bonita


Falei-vos desse ventre

quem quiser que acrescente

da sua lavra

que a bom entendedor

meia palavra basta,

é só adivinhar o que há mais

os segredos dos locais

que no fundo são iguais

em todos nós


Eu fui ao fim do mundo

eu vou ao fundo do mim

vou ao fundo do mar

vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher

vou ao fundo do mar

no corpo de uma mulher

bonita...»


«Espalhem a Notícia», Sérgio Godinho, in «Canto da Boca», 1981

Publicado por André 00:42:00  

1 Comment:

  1. MARIA said...
    Que lindo André.
    Sérgio Godinho tem uma distinta elegância no modo como joga as palavras que se prendem com o amor.
    Muito lindo, mesmo André.
    Obrigada pela partilha
    Um beijinho
    Maria

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