Uma profecia cassandrística

"Qualquer magistrado deverá ser forte como Hércules, no dizer de Dworkin, e não um arauto do alarme social. Como refere Montesquieu, o seu poder é “nulo” – cabe-lhe decidir segundo a lei democrática e constitucional".

A frase sai da crónica de hoje, no Correio da Manhã, escrita por Fernanda Palma. Professora de Direito Penal, da “escola de Lisboa”, ex-juiz do Tribunal Constitucional, mulher de Rui Pereira, também ex-juiz do mesmo tribunal , actualmente ministro e principal responsável pelos estudos prévios a esta reforma, no âmbito da Unidade de Missão para o efeito, Fernanda Palma, não é uma tudóloga qualquer que se lembra de papaguear ideias peregrinas e alheias, por motivos inconfessáveis, com sustentação na ignorância geral.

Fernanda Palma é uma autoridade em direito penal que deve ser lida, e escutada. Aquilo que escreve merece atenção particular, neste contexto que apesar de tudo lhe retira alguma objectividade. O que diz então?

Tendo-se gerado o consenso democrático, o sistema judicial deveria ter feito um esforço de adaptação. Se algum arguido perigoso foi libertado, isso demonstra que se teria justificado o aceleramento prévio do processo.”

É este o argumento expendido para justificar o encurtamento dos prazos de prisão preventiva. Para esse argumento, porém, não vou aqui colocar teorias ou tretas,argumentar com a falta de meios denunciada há anos e sempre desprezada pelo poder político, e que justificariam todas as reservas a quem assim escreve, mas sim factos. Só um, noticiado pelo Correio da Manhã:

Fábio Cardoso, condenado em Dezembro de 2006 a 12 anos de prisão por ter violado até à morte um menino deficiente de seis anos, Daniel, foi um dos primeiros reclusos a sair em liberdade no primeiro dia da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, no sábado. O arguido, que aguarda decisão de um recurso interposto no Supremo, está sujeito a apresentações periódicas às autoridades.

E já agora, mais um, também aí noticiado:

Gina Mendes, a advogada de um dos três homens condenados a 22 anos de cadeia pelo homicídio do inglês John Turner, no Algarve, garantiu ontem que os arguidos, entretanto libertados devido ao novo Código de Processo Penal, não representam perigo para a viúva da vítima, Helen Turner, que os denunciou, nem para a sociedade.

Estes dois factos singelos e que não admitem grandes argumentos, deveriam calar fundo na sabedoria catedrática de Fernanda Palma e aconselhá-la a um silêncio prudente. Por um único motivo, se mais não houvesse: não é preciso ser sociólogo ou até criminologista, mesmo de pacotilha, para perceber que virão mais casos destes que alarmam socialmente, sem necessidade de magistrados ou polícias ajudarem à festa da celebração da excelência destas reformas penais.

E isso vai ter consequências neste laxismo e nesta anomia, sem necessidade de magistrados se tornarem arautos do alarme social. Ele virá, inevitavelmente. E nessa altura, Fernanda Palma estará provavelmente, no remanso da sua cadeira de Direito Penal na Universidade. E ninguém se lembrará então, de lhe dizer que estava profundamente errada. É só esperar. Um ano se tanto. Mas este escrito ficará aqui, se Deus quiser, para esse efeito.

Publicado por josé 15:01:00  

2 Comments:

  1. Carlos Medina Ribeiro said...
    Um velho amigo meu costuma dizer - em assuntos como este, sobre os quais não se sente habilitado a perorar:

    - Não sei se está bem ou se está mal. Vamos ver os resultados.

    --
    No entanto, também temos de estar preparados para aturar aqueles para quem a realidade pouco conta.

    Lembremo-nos sóda afirmação de Scolari, há dias, a p´ropósito do que todos sabemos e vimos:

    - Independentemente do que mostrem as imagens, eu não fiz nada.
    josé said...
    A negação da realidade é apanágio de uma certa loucura. Depois de lhe tomarem o gosto, nada se pode fazer e é nos melhores panos que costumam cair as nódoas.

Post a Comment