As deferências não são crime

Cândida de Almeida, na qualidade de magistrada que dirige o DCIAP, concedeu uma entrevista ao Público e Rádio Renascença.

Nela, critica as novas reformas penais, sendo claríssima ao dizer que o novo Código vai dificultar o combate ao crime violento. Sobre a prisão preventiva e o que se vai dizendo, esclarece agora que afinal, se seguíssemos os critérios da União, relativamente à prisão preventiva, estaríamos em primeiro lugar, com menos presos preventivos. Com a lei antiga, entenda-se. Só isto, bastaria para calar os argumentos de quem nada sabendo, sabe de tudo, mesmo de prisões preventivas e papagueia discursos alheios e de propaganda.

Para além disso, pronuncia-se abertamente e sem reservas de maior sobre o processo da “licenciatura de José Sócrates”, aqui por diversas vezes glosado.

Esclarece que o processo lhe foi entregue em mão, a ela mesmo, pelo PGR, no uso de atribuição prevista na lei que lhe permite incumbir um procurador especial de assuntos delicados e de “especial sensibilidade política e social” E para que fosse “rápido, eficiente e completamente investigado”.

Para tal efeito, a directora do DCIAP e uma procuradora-adjunta, “fizemos tudo o que era possível fazer: duas buscas, pedimos documentos à universidade, a institutos, ouvimos 27 pessoas, todos os colegas que frequentavam, na mesma situação, o curso e ouvimos as responsáveis pela universidade, o director-geral do Ensino Superior”, para chegar à conclusão de que “não houve situação de favor, não houve uso de nenhum documento falso” E que “o tratamento que o cidadão e aluno José Sócrates teve foi exactamente o mesmo que os outros colegas, na mesma situação tiveram.” E mais ainda esclareceu: a universidade não procedeu nada bem. Mas os alunos não têm culpa. O tal exame por fax, foi até uma espécie de tormento , porque dois dos alunos, colegas de Sócrates, nem esse exame fizeram e passaram na mesma! E para afastar quaisquer veleidades de favorecimento, basta-lhe uma simples circunstância: os colegas de Sócrates que foram chamados ( já agora, seria interessantíssimo saber quem eram), nada disseram aos costumes, a não ser que “ Ele era Secretário de Estado e nós esperávamos por ele”. Conclusão imediata: isso pode ser uma deferência, pode até ser aborrecido, mas crime não é.

E de deferência em deferência, assim ficamos, com as culpas todas, todinhas a cair em cima da universidade, pela falta de rigor, pele desentendimento entre os professores, etc.

A Cândida de Almeida foi pedido um Inquérito rápido, eficiente e e completo. E ele aí está!

A rapidez impediu-a de fazer mais do que duas buscas, nenhuma delas, porém, no local onde apareceu o documento putativamente falso, ou seja, na Câmara da Covilhã. Como é sabido e foi comunicado pelo próprio presidente da autarquia que entendeu falar sobre o assunto em modo manhoso, antes da conclusão do processo, nenhuma busca a nenhum documento se fez nesse local. Foram todos pedidos por ofício…e mais não será preciso dizer sobre esta peculiaridade da rapidez investigatória.

Sobre a eficiência, temos 27 pessoas ouvidas, entre elas os antigos alunos e colegas de curso de José Sócrates, certamente. Que podem saber estes indivíduos sobre o uso de documentos falsificados ou sobre o favorecimento pessoal, para indiciar um eventual tratamento de favor, criminalmente irrelevante passados mais de dez anos sobre os factos? Aliás, para que se foi investigar criminalmente um putativo crime inexistente, cujos factos assumem apenas eminente relevância ético-política?

A falsificação e eventual uso de falso, única infracção de relevo, mereceu o quê, de particular e relevante, na investigação?

Havemos certamente de saber, se o processo não ficar em segredo de justiça, como de facto já não deve estar, para Cândida de Almeida se pronunciar abertamente sobre o assunto. Aguardemos pela notícia de jornal ou de outra fonte e voltaremos ao assunto.

Para já, uma coisa óbvia se oferece dizer: a necessária isenção para se investigar um caso destes, com contornos evidentemente políticos, tem de partir de outros parâmetros e mostrar outras garantias.

É nestes casos particulares que se joga toda a imagem de autonomia do Ministério Público e o sinal que se deu, no sentido de uma investigação que se pretendia completa, ficar pelas conclusões e pelos fundamentos aduzidos, deixam temer o pior: a perda dessa autonomia, pelo lado mais insidioso que pode haver: a dificuldade aparente em escapar das nossas próprias idiossincrasias.

Publicado por josé 15:54:00  

4 Comments:

  1. Anónimo said...
    Então é crime falsear a verdade desportiva, e não é crime falsear a verdade educativa.

    Gabriel Garcia Marquez, que já tinha escrito um livro sobre o Sócrates quando estava na oposição, resolveu ir mais longe e escrever um novo livro sobre o primeiro-ministro e os seus ministros.
    rb said...
    Deviam ter posto a GL a investigar este caso.
    josé said...
    Pois... e nesse caso, duma coisa pode ter a certeza: o presidente da Câmara da Covilhã, não viria dizer publicamente aquilo que disse e que pôs em causa a credibilidade da investigação.
    Zé Luís said...
    Podiam fazer um ápedeite com a notícia de hoje no Público. Só favores da Mizé II. Tudo amigos. Que investigadores! É pena não darem um Nobel a gente assim tão acutilante e eficaz na investigação.

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