o fim do regime

Já lá vão uns anos Francis Fukyama escreveu um livro que o fez famoso, primeiro pelo arrojo do título, e da tese, e mais tarde, pelo ridículo. O livro chamava-se 'O fim da História', e proclamava a vitória absoluta e definitiva da civilização ocidental. O problema é que a história está longe de acabar. Atente-se em Portugal - com histórias atrás de histórias, muitas sem fim à vista - em que se assiste hoje, ao vivo e em directo, aquilo que mais não é que o fim, o último estertor, de uma espécie de regime. A prova provada que a História está muito longe de ter acabado.

Os sinais andam todos por aí, para quem os quiser ver. A objectividade é coisa que deixou de existir, a única exigência que se requer é a da fidelidade, e tudo - mesmo tudo - se tornou governamentalizado , e governamentalizável. Os factos esses não interessam - só o spin. Vivemos num país onde é possível aprovar um novo Código de Processo Penal, o qual contém uma alínea que de tão insidiosa, (quase) ninguém se recorda de a ter introduzido e - pasme-se de a ter lido. Nem quem o votou, nem quem o aprovou - em Belém. É a velha lei - as rolhas flutuam sempre, e há-as de todas as cores. É a lei... do silêncio em que tudo se arranja, em nome do sossego, de um favor, de uma promoção, ou da chantagem mais ou menos discreta. O medo - basta ver o episódio DREN - também conta.

Vivemos num País onde não é possível mais dissociar o Estado, um ente abstracto - em quem todos deviamos confiar - 'deles'. Já criticamos esta e aquela medida porque 'eles' - sejam quais forem não são de 'confiança'. Portugal agora está assim. Cerceia-se a liberdade básica à informação, ao mesmo tempo que se tenta entreter o bom 'povo' com a mais pura propaganda. Por estes dias até - pasme-se - a cartada nacionalista se agita - seja para proteger o Presidente da Comissão Europeia, seja naquela que é seguramente uma das mais bem montadas (e arriscada - e vamos ver se não também suicida - também) operações das últimas décadas, para salvaguardar o bom nome da nossa polícia, naturalmente a 'melhor' do mundo. Ao mesmo tempo, promovem-se 'reformas' - eufemismo que serve para justificar o controlo e governamentalização estrita de tudo e mais alguma coisa. Estava tudo tão mal, e estava, que tudo passa - porque afinal não poderá ficar pior. Pode, e vai ficar. Sobram, pesem os submarinos, no papel, os militares, que não por acaso, e para quem souber ler, sacaram a Cavaco o único veto realmente relevante que veio de Belém.

O drama disto disto é que a 'rapaziada', dos que nos governam, ao Noam Chomsky português, não percebem que (já) se está no domínio da insustentabilidade. O nacional-porreirismo, o deixa andar, que nos caracteriza permitiu a criação de uma sociedade por castas, onde uns podem podem opinar e mandar, quiçá ter acesso a informação privilegiada e outros não. A tese, e o esquema, tem barbas e nunca deu grandes resultados. Eles, os guardiões do templo, acham-se únicos e imprescindíveis. Mesmo quando arrufam entre si, não vislumbram, muito menos desejam, qualquer alternativa que não sejam eles próprios. Nos entretantos esperam que o povo cante e ria.

Só que, destruindo - por acção e omissão - toda e qualquer espécie de escape e de equilíbrio - através do próprio sistema - estão tão só e apenas a cavar não só a sua própria sepultura como também a do regime em que se inserem, já que impedem toda e qualquer capacidade deste se auto-regenerar por dentro.

E não, este não é uma prosa pessimista, antes pelo contrário. É, quanto muito, uma prosa levemente fatalista e resignada. Isto vai mesmo ficar muito pior, antes de haver uma réstia de esperança de poder ficar melhor. As coisas são o que são.

Publicado por Manuel 09:31:00  

2 Comments:

  1. André said...
    Na 'mouche', como é seu hábito. Totalmente de acordo com a sua visão.

    Confesso que já tinha saudades das suas prosas certeiras e corrosivas.

    Um abraço,
    André
    CCz said...
    Se calhar é mesmo inevitável "Isto vai mesmo ficar muito pior, antes de haver uma réstia de esperança de poder ficar melhor."

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