Epílogo
quarta-feira, setembro 05, 2007
A discussão sobre a Esquerda e Direita portuguesas, seria interminável e interessante ao mesmo tempo, se houvesse quem a fizesse. Mas não vejo ninguém verdadeiramente interessado nisso.
O advogado José Miguel Júdice, numa entrevista ao Diário Económico, sai com estas pérolas que não custa nada subscrever:
“Nas ideologias tradicionais, a social-democracia era uma caminhada para o socialismo. Sá Carneiro não queria caminhar para o socialismo. Não querendo dizer que apoie os socialistas, o que vejo hoje é que o PS está a defender um liberalismo avançado. O país virou muito para a direita. Eu deixei-me ficar. Não gosto de fazer ginástica, de correr nem de andar na praia. Sou muito preguiçoso. Fiquei mais ou menos no mesmo sítio onde estava há vinte e tal anos… O PSD tem de se reinventar ideologicamente. O espaço que ocupou, por causa da esquerdização enorme do PS a seguir ao 25 de Abril, foi tomado pelos socialistas. Há absurdamente um espaço na direita que não está ocupado. A direita tem de se assumir como direita. Quero um partido de direita forte para tornar a vida mais difícil a José Sócrates, para que a única pressão não venha da esquerda e o PS acabe por não fazer as reformas.”
É certo que JMJ borra a pintura mais uma vez, ao dizer, à frente, que “somos um país muito merdoso”. Também acharia se me contassem que um governo qualquer dera uma espécie de avença a uma sociedade de advogados para tratar de assuntos de privatização de empresas públicas e perante pedidos públicos de esclarecimento todos se fechassem em copas. Merdosos, foi assim que disse?
Assim, nestas coisas da Direita e Esquerda, a diferença esbate-se. E um anónimo, tipo um José qualquer, tem um valor nulo para essa eventual tertúlia de intelectuais coleccionadores de livros.
Ainda assim, não custa nada escrever umas tretas. Não se paga nada por isso e nem se recebe troco, a não ser o interesse de quem esteja inclinado a perguntar e perguntar-se de onde viemos, para saber para onde vamos e nos situarmos num qualquer lugar.
O exemplo mais interessante e personalizado sobre a Esquerda e Direita portuguesas, pode recolher-se no caso singular de dois irmãos, amigos de sempre e dignos representantes das duas margens dessa caminho, em calçada à portuguesa.
António José Saraiva, seguiu sempre pela esquerda, primeiro pelo caminho tortuoso do partido comunista e depois pela rebeldia do contra; Hermano José Saraiva, trilhou as veredas do salazarismo e de uma certa direita que se opunha à esquerda comunista.
António José Saraiva, nunca admitiria situar-se na Direita. Hermano, nunca seira de Esquerda. No entanto, afastados politicamente um do outro, nunca se separaram, como irmãos, dos sentimentos da amizade e da cumplicidade fraterna.
Que dizia António José Saraiva, de José Hermano Saraiva, numa entrevista ao Expresso Revista de 15.12.1990?
“O meu irmão é um bom homem, com muita imaginação. E eu tinha um carinho muito especial por ele. É mais novo que eu – tem menos ano e meio- e orgulhava-me dele. Saía à rua com a farda da Mocidade Portuguesa e eu acompanhava-o com um certo orgulho por ver aquele rapaz fardado ao meu lado, embora eu nunca tivesse entrado na Mocidade.
- Não entrou porquê?
Porque… não gostava, não sei.
-Mas gostava de ver a farda no seu irmão…
Gostava de ver a farda no meu irmão mas não gostava de a ver
- (…) Mas nunca houve invejas intelectuais dele por si, por exemplo?
- Não. Ele diz que tem uma grande admiração por mim, o que é muito importante, as nossas relações nunca foram conflituosas do ponto de vista político. De resto, talvez não saibam como eram as coisas no tempo de Salazar. Salazar era um homem geralmente respeitado e despertava uma admiração universal. Em mim também: mas eu era anti-salazarista por sistema, devia ser. Porque para mim as coisas funcionavam um pouco na base do “deve ser”. “As coisas devem ser assim, e por conseguinte, são”. E o Salazar era um homem respeitável, tinha uma belíssima prosa. E tinha uma honorabilidade que ainda hoje ninguém põe
E que dizia então José Hermano do seu irmão António José? Disse-o numa entrevista à revista Focus, de 8.9.2004 ( a tal em que retocou a declaração definitiva sobre Cavaco Silva e que de pobre diabo, passou a honesto gerente, numa emenda pior do que um soneto). Disse assim: “Nunca discutíamos. Eu e o meu irmão éramos uma alma com dois corpos. Não passávamos um sem o outro.”
António José Saraiva, um pouco mais subtil, contava assim, a dissemelhança entre ambos, a propósito da política:
(…) Em relação a mim e ao meu irmão, eu era contra e ele a favor; a propósito, vou contar-lhes uma história. Eu e o meu irmão íamos um dia a descer o Chiado, ainda miúdos, eu com 20 e ele com 19 anos. Ele, de repente diz: Viemos muito tarde. E eu, ao mesmo tempo, sem ouvir a frase dele, respondi: Viemos muito cedo. Para mim, tínhamos vindo muito cedo porque achava que o mundo ia ser melhor, para ele, viemos tarde porque o mundo já estava pior”.
Na definição das diferenças ideológicas em consonância com a idiossincrasia pessoal, não há muito melhor do que isto.
Publicado por josé 22:57:00
Continuo consigo. Tal qual o leio, a sua apreciação é , para mim, fundamentada, bem pensada, deliciosamente estruturada e melhor escrita.
Nunca me pareceu que o José pretendesse julgar a esquerda ou sequer, certa esquerda, o seu impacto sobre as instituições ou sobre a comunicação social.
Relatou factos, episódios da nossa história recente que valem por si, cabendo ao leitor interpretá-los.
A verdade é que falou, e , disse. Disse muita coisa.
Fácil é afirmar que não é assim que algo deve ser dito, quando nada mais , depois disso, se diz...
A verdade é que este post é, de novo, extraordinário. Começa por subrepticiamente introduzir a questão que a todos nós preocupa -falta oposição real em Portugal - são quase imperceptíveis as diferenças entre um PSD de suposta direita ( a mim não me parece que seja e cada vez menos)e um partido dito socialista de suposta esquerda que nos (des) governa.
O paralelo realizado entre isso e os irmãos Saraiva é uma espécie de laivo de génio, por muito que isto seja desagradável a quem ler este comentário de opinião a que legitimamente entendo ter direito.
É que realmente é isso mesmo: as características das nossas chamadas esquerda e direita políticas se têm algo se substancialmente diverso, claramente, não se nota. Já se nota sim o quanto se IRMANAM, apesar de tudo ...
Mantenho pois a leitura que faço destes textos que considero de excepção.
E pese embora seja verdadeira a minha afinidade com o pensamento da GLQL que aprecio , usando a voz de Elis Regina, assim como uma "espécie de amor sem o qual já mal vivo", acredito que sou objectiva e justa declarando o que escreveu o José , neste conjunto de posts como EXCEPCIONAL. Salvo o devido respeito, uma qualquer espécie de limitação, seria não o reconhecer : é óbvio ( até à ténue luz de pirilampo... se vê).
Saudações.
Um beijinho da
Maria
Poerdeu-se o que escrevi porque o blogger teve uma macacoa.
É verdade o que disse. Dáme vontade de rir pois nunca consigo dizer tudo a sério mas é mesmo verdade.
Há uns bons anos, quando conheci o José na blogosfera, meio a brincar, disse-lhe que ele ainda ia a sábio
ahahaha
Dá vontade de rir por se imaginar com umas barbas até aos pés, mas tive essa ideia na altura e não é assim tão exagerada. Há-de ir e esperemos estar todos cá para o confirmar
":O)))
O grande dom é a capacidade de apanhar a semântica histórica. As palavras voam e não as ouvimos porque elas enformam-nos de tal modo que nem damos conta dos pressupostos que carregam.
O José tem este dom de apanhar a semântica ideológica, como se estivesse de fora. Não há muita gente com esta capacidade.
Parece que o meu piloto automático veio dar uma mãozinha nas janelinhas
Uma das formas de conseguir este efeito retórico mas que no final de contas, passa além disso, é declarar-me abertamente diletante. Porque é verdade e porque gosto da perspectiva.
Um diletante, não pode ser mestre de coisa nenhuma. Pode apenas colocar perguntas e alvitrar respostas.
Parece-me interessante é ler os mestres. Há poucos, muito poucos e conhecê-los é que é o verdadeiro dom. Eu não conheço uma boa parte, estou certo disso e quando topo um que me parece, até fico agradecido a Deus, pela bênção.
Há os que escrevem muito bem e suplantam até esse lado da sapiência: são os artistas. Podem ser na escrita, ma música ou nas artes e estão ao mesmo nível.
Eu tento apenas ser um observador do génio que é a coisa que mais me impressiona.
E o génio anda por vezes aliado à loucura da diferença daqueles que não seguem a via do conformismo.
Há alguns desses loucos que aprecio. São poucos, mas quando os topo, fico embasbacado. Tipo, sei lá...Bacon, não?
Só agora me dei conta da sua simpática referência ao meu comentário, ou já lhe teria, há mais tempo, agradecido.
A vida tem dias assim... cheios...
Penso que a Zazie tem toda a razão. Aliás, há algum tempo que também admiro a sua maneira de ver a vida e que criei consigo óbvia empatia blogosférica...
Quanto ao JOSÉ, pois , parece-me que também nessa matéria estamos ambas de acordo. Verdade?
:-)
Um beijinho para si.
Maria
";O)
É isso mesmo José, o grãozinho de loucura que se junta na genialidade. O Bacon é um bom exemplo.
Quanto ao resto, deve ser desse seu ouvido musical. Não lhe escapa o tom nem o timbre
";O)
ehehe Não consigo deixar de pensar na imagem do José com grandes barbas brancas até aos pés
AHAHAHAHAH
tinha de se avacalhar uma coisa tão séria?
ahahahahaha
De qualquer modo, a discussão que já se teve, aqui e no Incursões, pode contribuir para abrir um novo debate sobre a Esquerda e a Direita, isto é, sobre as ideologias.
Mas António José Saraiva foi uma das figuras cimeiras da intelectualidade de esquerda. E José Hermano Saraiva, era seu irmão.
É só isso e mais um ponto de subtileza.
Mas agora que lhe tomei o gosto, ainda vou insistir noutro ponto polémico:
A influência da Esquerda portuguesa, manifestou-se ainda de modo assinalável, noutro campo específico: as artes, particularmente a música.
Vou tentar demonstrar, mesmo que saiba que Marco Paulo é um tipo de esquerda...o que me levaria logo a desistir de argumentar, pelo menos até meados dos setenta.
Vai ver que ficará surpreendido.
Ainda que não haja necessária reciprocidade entre esse clima de esquerda (geral) e os autores. Muito bom artista de direita fez parte do clima de esquerda artístico.
E aí está um campo em que as ideias podem ser mais importantes que a "manutenção da cultura". Por isso é que até as ideias revolucioárias da direita futurista conseguiram ser mais criativas que as institucionais fascistas.
As artes precisam sempre do risco desse arejamento.
Por isso é que o Património não é motor de criatividade. Porque já sedimentou, já não é actuante, não faz mudar nada- é cultura
";O)
Isso é verdade, mas em Portugal foi mais típico. COmo vivíamos em ditadura, a Esquerda artística assumiu todas as despesas das ideias revolucionárias assimiladas todas elas à mudança política.
Os cantores eram de Esquerda, mas não o eram à moda de um Bob Dylan ou de até de Phil Ochs. Eram mais tipo Pete Seeger, que tinha uma viola onde escrevera que era uma máquina que matava fascistas. O máximo do antifascismo artístico!
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Exitiu o bom do clima futurista que ainda foi o que deu melhores frutos em vários campos. E não era ele também "revolucionário"?
E depois houve o jazz e os concertos de jazz de Cascais que também eram outra manifestação de "ruptura".
E o ballet moderno e a música contemporânea com aquele tipo a ser mandado para a fronteira (não me lembro do nome mas os meus pais até assistiram e contaram em casa).
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Agora em relação ao que refere, à música popular, pós 25 de Abril, isso é óbvio- a cantiga é uma arma". Nunca houve panorama político mais vasto para as "armas" e cantigas serem outras.
Mas há uma vaga de fundo nas artes e é essa que também chega cá. Mesmo sem 25 de Abril já tinha chegado. O resto foi a mudança política que imprimiu o rumo. Lembra-se quando apareceram os Heróis do Mar? eu estava lá, no primeiro concerto e lembro-me do estigma "fascista" com que apanharam. Foi até uma das primeiras manifestações artísticas da "Direita a levantar a cabeça" .
E é curioso como em locais onde a democracia e a liberdade já estavam instauradas há muito, esse clima de esquerda não impedia que manifestações de direita ou de artistas de direita também se enquadrassem nele. Antes pelo contrário. No cinema é mesmo curiosos como até é a Nouvelle Vague que vai reabilitar personagens de Direita, entretanto mais ou menos secundarizadas.
E isso pode ser generalizado a várias manifestações artísticas.
O catolicismo profundo de um Bresson são integrados num cinema francês bem de esquerda com um Godard super-esquerdalho a glorificá-lo. Passa-se o mesmo em muitas outras áreas.
Por cá não podia acontecer nada disto, Para começar por nem haver nada. E quando aparece, tirando os primeiros momentos de grande anarquia, rapidamente tudo se institucionaliza e domestica e fica a tal esquerda oficial. A que ainda hoje domina, diga-se.
No capítulo das canções, em 1970, o domínio da esquerda nas canções de alguma qualidade é já total.
Manuel Freire, José Afonso, José Manuel Osório. Com o Zip Zip, há uma onda progressista que vai evoluindo, e que chega ao grande acontecimento anual musical, da época: O festival da Canção. Quem domina todas as músicas e letras desses festivais desde esse época a té muito depois do 25 de Abril é a esquerda de Ary dos Santos, Nuno Nazareth Fernandes, Pedro Osório, José Niza e outros ( Thilo Krassman).
Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Duarte Mendes, TOnicha, José Jorge Letria, são nomes, entre outros que serão ouvidos anos a fio, no panorama das canções populares.
A canção popularucha, dita do nacional cançonetismo, na expressão inventada por João Paulo Guerra ( esquerda), ainda dava cartas nos discos, mas quem se ouvia na rádio eram os cantores de intervenção, como no início dos setenta se ouviam os baladeiros.
O mesmo tinha acontecido com a Filarmónica Fraude, no fim dos sessenta. Não eram de esquerda...
Lá fora, a bitola era outra. Na música popular, em França, Itália, Espanha, Inglaterra e USA, não tinha os mesmos preconceitos e se uma boa parte dos artistas tinha ideias de esquerda, não era tão notório como por cá.
os Beatles eram de esquerda?
Por isso é que os seus 40 anos estão certíssimos.
Agora a grande imbecilidade é dizer-se que existe um qualquer handicap que impediria a direita de fazer arte. Quem diz isso nem sei o que pensa do Almada Negreiros ou do Pessoa. Já para não falar num Ezra Pound.
E nem vale a pena pear na artes plásticas, porque aí até pode nem se notar.