O crime compensa?

O cronista do Público, Rui Moreira, abespinhou-se um pouco com o escrito de ontem e escreveu um comentário na caixa de baixo. Hoje, mais calmo, voltou a comentar e levantou algumas questões que merecem reflexão. Uma delas, sobre o segredo de justiça, ficará bem entendida se o autor ler o que escrevi no postal abaixo, sobre o assunto.

Outra, mais interessante, é sobre isto:

O José diz que eu não sei que Jorge Sampaio foi escutado. Uma pergunta: o José sabe que o Jorge Sampaio não foi escutado?”

Ora, esta pergunta, inverte o sentido da afirmação da crónica, que positiva a escuta ao presidente Sampaio, dando-lhe um novo fôlego que já não tem. Uma escuta, no âmbito do processo Casa Pia, entenda-se. Uma escuta nunca provada, indiciada sequer ou mesmo suspeita pelo próprio que a propósito nunca se pronunciou nesse sentido, apesar da vergonha que fez passar ao anterior PGR, por causa disso.

Como já se escreveu, a única entidade a descobrir que Jorge Sampaio teria sido “investigado”, nesse processe, através dos telefonemas que fez, foi o jornal 24 Horas, dirigido por esse vulto do jornalismo português, Pedro Tadeu, antes tirocinante no Avante. A credibilidade desta notícia foi imediatamente posta em crise, sendo negada por comunicados da PGR e por opiniões escritas de quem julga saber algo mais acerca das linhas com que se cosem os processos penais em Portugal. É que ao contrário do que Rui Moreira supõe, para se expender opinião sobre algo, é preciso saber algo sobre. Não basta querer e julgar que se pode. Neste caso, o querer não é poder. É muitas vezes, antes, não dever.

Não obstante, Rui Moreira, continua a acreditar que talvez Jorge Sampaio tenha sido escutado. E pergunta-me se porventura eu saberei se não foi…

Ora aqui é que o ponto bate, porque quem pergunta, é porque não sabe.

E nisto de saberes, é preciso mostrar as razões de ciência para que todos entendam porque é que alguém pode dizer o que diz ou afirmar o que afirma. Daí o tal currículo reclamado ou inferido.

Quando eu afirmo e escrevo que Jorge Sampaio não foi escutado ou investigado ( a semiótica conduz ao mesmo resultado pretendido por quem insinua tais coisas), digo-o porque li os comunicados da PGR, o despacho final do processo onde tal matéria se investigou e ainda escrevi logo no dia em que a notícia saiu para a rua, na capa catita do 24 Horas, que o escrito era uma falsidade. Como de facto, era.

Um presidente da República, não pode ser investigado num processo como o da Casa Pia, do modo como se fez a investigação, ou seja, por um grupo de procuradores adjuntos do MP. Mesmo que as escutas nesse processo, relativamente a outros intervenientes, tenham sido- como se provou que foram- autorizadas ou ordenadas por magistrados judiciais, a partir do momento em que surgisse a mais leve suspeita de comportamento criminoso imputável ao presidente da República, parava aí a competência investigatória dos titulares do inquérito e o assunto passaria para outra instância. É preciso saber isto, que aliás vem escrito na Constituição no artº 130:

1. Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.

2. A iniciativa do processo cabe à Assembleia da República, mediante proposta de um quinto e deliberação aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.

3. A condenação implica a destituição do cargo e a impossibilidade de reeleição.

4. Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns.

Sabendo isto, só por estultícia se pode escrever, como o fez o 24 Horas do intrépido Tadeu que “Até os telefonemas de Sampaio foram investigados” no tal processo.

Por outro lado, mais perigoso ainda se torna, supor que a escuta a Jorge Sampaio, poderia ter sido realizada por alguém do processo, mormente polícia ou magistrado que eventualmente tivesse acesso a tal facilidade, (o que no caso, seria manifestamente ilegal, como se viu), e a procedimentos de escutas ao presidente, por via indirecta, ou seja, por este ter sido apanhado e gravado, a telefonar a amigos ou correligionários e tal conversa ter servido de prova para algo mais do que o que estava directamente em investigação.

Uma tal prática, inútil, deletéria, voyeurística e simplesmente criminosa, no fim de contas, serviria para quê, afinal? Para nada. Rigorosamente nada que pudesse aproveitar-se processualmente. Quem é o polícia ou magistrado que arrisca a carreira, por coisa tão inútil?

Logo, tenhamos o bom senso de entender que as suspeitas acerca de escutas ilegais, realizadas por entidades oficialmente credenciadas, no âmbito de um processo como o da Casa Pia, são fruto de ideias antigas, vindas do escuro dos tempos das ditaduras em que se pressentia pelos ruídos e estalidos do telefone que alguém estaria do outro lado, à escuta. Atavismos, portanto, que demoram a passar aos arquivos mortos.

Para além disso que decorre do senso comum, há ainda os relatórios oficiais, as investigações oficiais, o controlo efectuado pelos intervenientes processuais, interessados em descredibilizar a investigação e que demonstraram já a inexistência de indícios acerca da consistência dessas suspeitas.

Tirando isto que me parece o essencial do erro de Rui Moreira, subsiste ainda outro aspecto com interesse para o caso e que pode ser escalpelizado:

E não haverá escutas ilegais, criminosas, feitas por serviços mesmo públicos, da República, e também de particulares? Ou seja, não haverá em Portugal , casos como o do SISMI, italiano, em que os serviços secretos, à revelia de autoridades judiciárias escutam pessoas com vista a nem se sabe bem o quê?

Se esta questão tivesse sido assim colocada, por Rui Moreira, ou outrém, aí já não haveria este postal, porque nem teria havido o primeiro.

Sobre as escutas ilegais, intromissão em computadores, para lhes vasculhar ficheiros e monitorizar andanças blogosféricas e outras, aí…aí…já seria capaz de lhe responder com outras dúvidas.

Perguntaria em primeiro lugar, se há alguém interessado em monitorizar o que pensam, escrevem e dizem em particular, certas pessoas que podem fazer alguma mossa a certos poderes instituídos, altamente colocados. Que teremos como resposta? Haverá alguém do poder central executivo, com tentações, interesse, vontade mesmo, de espiolhar outros que os maçam e prejudicam na sua vidinha?

A resposta a esta pergunta, engata noutra: e se houver, continuará a existir alguém que se dê à canseira, ao trabalho e à sabujice criminosa de escutar telefones, espiolhar computadores e recolher dados para entregar a esses executivos incomodados?

A resposta a estoutra pergunta, vai depender do grau de crédito que se dá às teorias doutrinas de conspiração. Uns dão-lhe um grau elevado; outros, desprezam a importância do assunto.

Por mim, fico a meio da ponte: que interessará verdadeiramente a um polícia qualquer da secreta ou da discreta, andar a espiolhar criminosamente a vida alheia, se a descoberta da façanha lhe pode custar uns anos de cadeia?

A resposta, virá, como sempre da cenoura que lhe apresentam. Mais uma vez, neste como noutros casos, a lembrança de Watergate, assim como a do caso Plame, deveria servir-lhes de lição. Mas pode bem não servir.

Publicado por josé 18:25:00  

10 Comments:

  1. Pedro Porto said...
    Sobre o seu post, dois comentários:

    1.Sobre as escutas ao PR. Jorge Sampaio nunca esteve referenciado para escuta no âmbito de investigação. O que aconteceu foi que um dos investigados fez diversos telefonemas pedindo ajuda por estar a ser alvo de investigação, e é nesses telefonemas que JSampaio aparece, bem como outros membros do PS, e ainda analistas políticos e joranlistas, todos eles gravados em telefonemas efectuados pelo investigado.
    A notícia "Telefone do PR sob escuta", obviamente falsa, foi a rampa de lançamento para desacreditar a investigação e, numa fase posterior, para afastar um PGR que mexeu onde a Corja não queria que se mexesse.

    2. Escreve o autor no post: "há alguém interessado em monitorizar o que pensam, escrevem e dizem em particular, certas pessoas que podem fazer alguma mossa a certos poderes instituídos, altamente colocados. Que teremos como resposta? Haverá alguém do poder central executivo, com tentações, interesse, vontade mesmo, de espiolhar outros que os maçam e prejudicam na sua vidinha?"
    A par de processos judiciais que tardam em se resolver, bem como do "braqueamento de carácter" em curso de gente envolvida na pedófilia, a questão do autor é certamente aquela que nos deve preocupar mais. Uma coisa é inquestionável, a vigilância electrónica está aí; alguns de nós já se aperceberem dela após a visita a alguns lugares da blogosfera. Só não sabemos se está autorizada ou não.
    Unknown said...
    A quente, nada sai bem, e o autor fica a ganhar neste caso!
    gulliver said...
    novo blog
    www.lilliput-gulliver1.blogspot.com
    Anónimo said...
    Waco said...
    'josé', és um granda maluco. Portugal é o país da Europa com mais escutas ilegais. E legais também.
    josé said...
    fpm:

    Para quê? Sim, para quê?
    Santa Comba Dá-lo said...
    Por que sim, José. Este país sabe lá viver num estado de cidadania participativa e adulta. Securitarismo, sim. Segurança... bom, depois vê-se...
    josé said...
    Então...deixa lá ver: acreditas piamente que o SIS o SIEDM e a PJ, a que se devem acrescentar ainda uns malucos dos artefactos de escuta ambulante, de última geração tecnológica, andam para aí a procurar saber coisas sobre outros.

    Eu não acredito. Por uma questão de senso comum.

    Porque se assim fosse, teríamos que pensar para que é que isso serviria.
    Para um processo crime não serviria,nem sequer para nota manuscrita a lápis e confidencial.
    Para um procedimento informal de consulta e informação a quem estivesse interessado, seria preciso outra vez, perguntar-interessado em quê, exactamente e para quê. Nesse caso, o interessando corria vários riscos. O primeiro é o de que se viesse a saber o que anda a fazer e fosse incomodado no mínimo.
    Depois, teríamos que ver quem é o pulha governamental capaz destas rasteirices e a mera indicação do nome, com o mínimo de credibilidade, bastaria para o afugentar das lides por uns tempos.
    É certo que ainda por lá ficariam os sabujos, mas estas coisas acabam por se saber e seria uma chatice das grandes.

    Claro que sobra a hipótese de alguém o fazer para chantagear outrém. Mais uma vez, essa hipótese é perigosa, porque a chantagem tem pernas curtas, como a mentira.

    Assim, a minha teoria é a de que o crime não compensa.

    Mas acredito que haja quem pense que sim.

    Há ainda um outro argumento que gosto de usar porque me parece o mais prático e verdadeiro: esta gente que investiga, é incompetente na investigação. Mesmo com os meios legais à disposição e as escutas validadas , não descobre nada de nada que tenha interesse verdadeiro para pôr cobro a muitos desmandos que se adivinham.
    As escutas que se conhecem, envolvendo personalidades conhecidas, provam-no. Os mesmos até se riem delas e gozam com os trocadilhos.
    Assim, se nem com escutas válidas vamos lá, então com coscuvilhices ilegais é que nunca lá chegar chegaríamos.
    zazie said...
    ahahaha

    Grande resposta. Pois se eles se estão "a cagar", para que havia de valer a pena outros temerem por tão pouco

    ":O))))
    Arrebenta said...
    http://asvicentinasdebraganza.blogspot.com/2007/07/pas-do-esterco.html#links

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