Rangel rima com reaccionário?
terça-feira, junho 19, 2007
Rui Rangel, um indivíduo que profissionalmente exerce como juiz desembargador num Tribunal da Relação, expende no jornal O Diabo desta terça-feira, mais umas tantas considerações sobre assuntos de Justiça.
Sobre o Ministério Público que temos, Rangel já afinou um discurso de ranger os dentes. O Ministério Público português, para Rui Rangel, é uma aliteração da magistratura que o desembargador reserva aos juízes. Magistrados, só os juízes, para Rui Rangel. E mainada!
Se formos a ler a razão de fundo para tal expulsão do domínio dos deuses, lemos uma: "O cidadão é levado a dizer: são magistrados, logo são juízes. Aliás, ainda hoje a comunicação social continua a confundir o poder judicial com o MP” . Voilà!
Mas.., nada melhor do que ler a entrevista nessa parte e que se respiga deste local:
Quais são os grandes problemas e necessidades de reestruturação por que actualmente passa o MP?
Temos que perceber de uma vez por todas que houve um engano histórico neste País que foi conferir o estatuto de magistrado ao MP.
Porquê?
O MP devia ser um alto funcionário de quadro da Administração Pública, dotado de completa autonomia funcional. O MP é uma estrutura hierarquizada e, não é, por exemplo, imparcial. Tem um dever de parcialidade no modelo de investigação, é quase como o advogado do Estado. E é uma parte interessada no desenvolvimento da investigação criminal. E isto tem até provocado algumas confusões, sendo que os juízes têm pago um pouco a factura também de muita coisa que, às vezes, não é feita correctamente.
Em que domínio?
No domínio das investigações, por exemplo. O cidadão é levado a dizer: são magistrados, logo são juízes. Aliás, ainda hoje a comunicação social continua a confundir o poder judicial com o MP. E continua a dizer que quem representa o poder judicial é o PGR. O PGR não faz parte do poder judicial. Quem representa externamente o poder judicial é o presidente do STJ. Mas esta situação não põe em causa a honestidade e honorabilidade das pessoas. Eu critico é o sistema e não as pessoas. Até porque a maior parte dos magistrados do MI› desenvolvem o seu trabalho arduamente, procurando, dentro do seu saber, fazer o melhor para melhorar os interesses da Justiça.
Quem é o responsável por este sistema?
Os responsáveis por este sistema não são o MP, nem os juízes nem os cidadãos, é quem tinha o poder legislativo e criou este modelo. A maior parte dos problemas que hoje se passam na Justiça também estão muito focalizados nas questões criminais. Por exemplo é impensável em qualquer parte do mundo que, na fase de inquérito, o MP possa arquivar os processos que entender. Não há controle jurisdicional. Quando eu entrei para esta casa havia controle jurisdicional…
Só mais um comentário avulso: Rangel diz que o MP tem um dever de parcialidade no modelo de investigação, porque é quase um advogado do Estado.
Será mesmo assim, sr. Desembargador?
A imparcialidade e independência são princípios que quadram melhor com a magistratura judicial. O MP encontra-se sujeito a uma hierarquia, o que lhe retira a indepenedência total de que os juízes gozam, e bem, para garantia de todos.
Porém, segundo pode ler aqui, na investigação criminal, é como detentor da acção penal que o Ministério Público age como órgão de justiça. E é enquanto promotor dessa acção penal, que mais importa conferir ao agente do Ministério Público o estatuto de magistrado. A imparcialidade e objectividade a que atrás nos referimos cobram aqui especial expressão prática, através do respeito por um principio de legalidade, na promoção de todo o processo penal.
Logo, a parcialidade que Rui Rangel refere, é um sofisma.
Como o é a outra observação que vem logo a seguir, ao dizer que os despachos de arquivamento do MP precisam de controlo jurisdicional dos…juízes. Assim fora, até 1.1.1988. Depois disso, o paradigma mudou e o responsável é a Comissão presidida por Figueiredo Dias. Segundo alguns dos mais relevantes professores e teórico-práticos destas matérias, o sistema está bem como está. Aliás, parece que a companhia habitual de Rui Rangel nestas andanças em sentido contrário e reaccionário, é...Proença de Carvalho. Que lhe faça boa companhia teórico-prática, porque nunca li nada de relevante que dali saísse e fosse digno de nota.
Mas, já agora, Rui Rangel quer o controlo jurisdicional em nome de quê e de quem?
Em nome da independência dos juízes? E como é que se conjuga tal coisa, com o sistema que temos, depois de abandonarmos o sistema de juízes de instrução?
Publicado por josé 22:43:00
Rima ainda com Voluntário par todo e qualquer protagonismo.
É que Eles não são um título, são o que são e é por aquilo que são e realizam que são algumas vezes incómodos.
Além disso, está totalmente fora de moda apreciar o trabalho daquela Magistratura por este prisma, não estará?...
Mais, não se vê que os Magistrados do MP queiram ser juízes.
E os Juízes, especificamente ao Senhor Desembargador porquê que incomoda que sejam Magistrados ? Porque o respectivo trabalho não é imparcial - teríamos compreendido bem ?
Porque não propor então que passem os Senhores juízes a fazer todo o trabalho do MP : assim estava assegurada a imparcialidade, começando pelo Tribunal Constitucional
O que ele tem defendido, é o regresso ao velho esquema da instrução, dirigida por juízes em que o Mp é apenas a longa manus do executivo, embora temperada pela tal autonomia que não se sabe muito bem como se garante, nesse caso.
Porvavelmente, o que o senhor Desembargador defende é o sistema francês e nisso pode sempre ir lá buscar as suas razões para ranger os dentes.
O problema é que tal solução foi devidamente equacionada em 1974, aquando do advento da democracia e o sistema de instrução que vinha de trás, aliás, durou até 1987.
Poderá perguntar-se: mas por que razões decidiram mudar o sistema que tanto agrada ao senhor Desembargador que está sempre a falar no mesmo?
Em primeiro de tudo, é preciso saber a génese e a motivação do legislador, desse tempo. Uma das razões fundamentais para a mudança de paradigma, prende-se com uma prosaica falta de magistrados, na época e que obrigava ao preenchimento de quadros de juízes de instrução, por advogados escolhidos não se sabe muito bem como. Aliás, até se sabe: eram escolhidos pelo poder político do momento. Pelo PS, pelo PSD e por quem calhava. O que deu então isto?
Deu uma barafunda inominável, uma incompetência alardeada em toda a linha. Exemplo concreto: o processo das FP25. Mesmo com um juiz profissional e de carreira, o que se fez nesse processo em termos de garantias de direitos e liberdades, brada aos céus.
Se fosse hoje, nem o tribunal europeu nos valia.
Basta dizer que houve uma investigação inicial desencadeada por directa pressão política do governo de então. Segundo consta, a primeira revoada de prisões, terá sido motivada por um equívoco: o senhor Mário Soares, governante à época, terá confundido um nome de um terrorista com o de um destacado militante do PCP e isso...foi um rastilho para fustigar politicamente o partido que fazia sombra pela esquerda.
Isto não é inventado: pode ser confirmado.
Aliás, o próprio Otelo farta-se de dizer que se lixou por causa disso, ou seja, da política tout court. E até diz que foi o próprio PCP quem o tramou, por causa dos magistrados desse partido infiltrados no MP...
Assim, pode muito bem voltar-se ao esquema defendido por Rangel, mas pelo menos, deveria lembrar-se tudo o que se passou até chegarmos aqui.
No caso específico, do tema em pauta, pergunto-me se realmente o que interessa é discutir o sistema.
Se é , porque não se avançam propostas, inovadoras, ou importadas do direito comparado, mas sobre as quais se possa reflectir, ponderar...
Quando o que incomoda particularmente é que as pessoas pensem que ao tratar com um Magistrado do MP, estão a falar com um JUIZ, ou incorram no equívoco de assim os chamar, será que é mesmo o sistema que se quer criticar?...
Permita-me dividir consigo uma pequena história : numa pequena Comarca uma jovem Magistrada do MP ali recém chegada ouviu um dia uma senhora em serviço de atendimento ao público. No decurso da conversa a utente referia-se a uma "Drª" que tão bem a recebera e elucidara sobre a situação que ali a trazia .
Pela descrição da "Drª" em causa facilmente a Magistrada se apercebeu que a utente se referia a uma técnica de justiça do Tribunal. Perguntou então à senhora : foi a própria que lhe disse ser "Drª" ? Ao que a utente respondeu : ela não disse, mas pelo modo como me falou e agiu eu compreendi que seria...
E essa Magistrada passou a respeitar , sinceramente, bem mais daí por diante a funcionária em causa - tinha qualidade.
Isto para dizer que se por vezes as pessoas " vêm " no MP um "juiz" talvez seja por que nele encontraram alguma qualidade que consideram que "um juiz" deva ter...
Bem haja. Saudações virtuais.