O discurso corrompido de Saldanha Sanches

Saldanha Sanches, em entrevista ao RCP, citada hoje no Público, disparou mais uma salva de fogo real discursivo contra a “corrupção”, o sistema que a produz e os remédios que não existem para a debelar.
As afirmações, desta vez, atingem transversalmente, parte da sociedade portuguesa, onde se incluem os partidos políticos – “há um grosso de pessoas que militam nos partidos políticos que deveria estar na cadeia” e os magistrados que capturaram o sistema de Justiça em proveito próprio, o que conduziu directamente à degradação do sistema- “ A justiça em Portugal está em mau estado porque não se estruturou em função dos interesses do cidadão, estruturou-se em função dos interesses dos magistrados e isso quer dizer que as medidas não são tomadas quando deveriam ser”.
O exemplo flagrante, para Saldanha Sanches, é o do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. Para Saldanha Sanches, “ o SMP é um desses tipos de interesses. Opõe-se a qualquer coisa que racionalize a sua função. Tem hoje uma posição muito cómoda, tem um estatuto paralelo à carreira judicial, sem ter sequer o ónus e o peso dos juízes sobre si(…) qualquer coisa que modifique isto tem logo a sua oposição completa”.
Porém, para Saldanha Sanches, o problema da Justiça não radica apenas no Sindicato do MP ou no próprio MP. “Não é só o MP(…) temos um Centro de Estudos Judiciários que não serve para nada, mas lá está a fingir que forma magistrados, porque há interesses instalados.”
O essencial da questão da Justiça, para Saldanha Sanches remete-se aos “processos que são pouco transparentes e a resposta judicial é muito insuficiente, fica muito aquém e o Ministério Público funciona mal”.

Depois, muda de direcção e dispara nova salva contra a corrupção nas autarquias, com uma afirmação de peso, conta e medida: “ Será que há ainda alguma coisa a funcionar honestamente na Câmara de Lisboa?” , citando os “assessores, assessores e assessores que nem sequer iam à câmara”, sendo isso “tudo legal: parece que há uma espécie de carapaça jurídica que defende estas pessoas”.

Comentários:

Se “há um grosso de pessoas que militam nos partidos que deveria estar na cadeia”, é preciso em primeiro lugar, ver bem quem são essas pessoas. Identificá-las pelo nome e morada, porque sem isso, são anónimas e irrelevantes.
É preciso saber como funciona o nosso sistema democrático para perceber como é que nos partidos se acoitou um tão grande número de criminosos; quem são os seus cúmplices e encobridores e principalmente, quem são aqueles que verdadeiramente se opõem a qualquer mudança substancial neste deletério estado de coisas e porque razões o fazem. Não basta afirmar em grandiloquência de conversa de café ou corredor, que há um grosso de bandidos nos partidos e ficar na mesma tonalidade discursiva de Cassandra de jornal, depois de se saber que Saldanha Sanches aceitou colaborar estreitamente com um dos partidos políticos que certamente acoita um númeroelevado, senão o maior, de ratazanas que ratam a democracia.
Saldanha Sanches, para ter alguma credibilidade sustentável naquilo que diz e que alguns até sentem ter um fundo de verdade empiricamente verificável, precisa de explicar algo mais do que aquilo que cassandristicamente argumenta. E todos aqueles que o lêem, precisam de perceber se ele mesmo entendeu onde estão as raízes do mal.
Se há um grosso número de militantes partidários que deveria estar na cadeia, Saldanha Sanches conhecerá certamente alguns nomes sonantes, porventura bem próximos daqueles com quem agora reúne e debate. Não pode ser de outro modo e todos o sentem assim.
Saldanha Sanches, como toda a gente bem informada, saberá muito bem, onde reside o poder da grande e pequena corrupção: no dinheiro, no poder de influência e no poder real e executivo e no círculo de nomes que dominam actualmente esses circuitos.
Em vez disso, fala em “interesses instalados” que impedem o combate”, mas nem menciona aqueles que já lhe estão próximos e à vista desarmada se pode dizer que fazem parte desses interesses.
O candidato à CML, António Costa é um dos mais importantes dirigente do PS e por isso se há corrupção nos partidos e bandidos aí instalados, será dever dos líderes- como ele-lutar contra esse estado de coisas que certamente são do seu conhecimento directo, pelo menos em forma de suspeita. É dever ainda dos líderes pugnar pela transparência de procedimentos que envolvem o Estado que dirigem e os particulares que com ele negoceiam, porque é aí, nesse núcleo fundamental, que surgem os germes do mal apontado por Saldanha Sanches que neste ponto apenas retoma as ideias certas de João Cravinho
Um exemplo concreto, já apontado aqui por várias vezes, nunca esclarecido e evidentemente do conhecimento de Saldanha Sanches: o mandatário da candidatura que Saldanha Sanches apoia, o advogado José Miguel Júdice, faz parte de uma sociedade de advogados muito influente, a LPMJ que agrega alguns dos melhores advogados do país na área de negócios de vulto, incluindo alguns com o Estado. No tempo do governo de Santana Lopes, essa sociedade, de que também fazia parte o advogado dessa firma, Nuno Morais Sarmento, então também ministro do governo, conseguiu um contrato com uma grande empresa pública, a Galpenergia, através da Parpública ou de outra dependente da mãe Galp, pertença do Estado, cujo teor exacto se desconhece, e que o jornal Público noticiou como sendo de troca de serviços de consultadoria por dinheiro vivo no montante de um milhão de dólares, quinzenalmente.
Tal notícia motivou então um requerimento no Parlamento, efectuado por um deputado do PS e cujo teor já se deu a conhecer por aqui e motivou comentários relativamente aos honorários como sendo “obscenos” e “pornográficos”.
Passados mais de três anos, não é do conhecimento público como é que esse contrato se efectuou, que montantes exactos envolveu, que serviços foram efectivamente pagos e que justificação teve e resultados obteve.
Um milhão de dólares de quinze em quinze dias, a troco de serviços de consultadoria, é muito, muito dinheiro, em qualquer parte do mundo e onde, num país civilizado, teria já havido uma resposta concreta .
Port cá, parece que ninguém quer saber muito bem o que aconteceu, mesmo depois de José Miguel Júdice ter contestado os valores, confirmando porém, o contrato. Ninguém o questionou mais sobre o assunto e o advogado vai refazendo o seu papel de intervenção pública, cada vez mais crescente, de oráculo da rádio ( Antena 1) de escrita em jornal ( Público) e em entrevistas dispersas, em directo na tv e sempre que algo acontece que precise de palpites avulsos de figura pública.
Saldanha Sanches, precisamente porque tem José Miguel Júdice como colega, na candidatura de António Costa e também porque insiste num discurso de inquisição para as instituições colocadas sob suspeita, tendo sido obviamente aproveitado pelo candidato, como arauto e caução de uma putativa boa conduta, deveria aproveitar o momento e fazer um brilharete: interpelar directamente o mandatário para que nos explicasse o que aconteceu. Bastaria esse facto simples e concreto. E nem precisaria de estudar muito o assunto. Bastar-lhe-ia consultar a net, como sabe fazer, mesmo que não leia blogs.
Essa interpelação, que já tarda, à semelhança do que por aqui se tem feito, há anos a esta parte, nada tem de substancialmente boateiro, insinuador de corrupção ou outra malfeitoria que a liberdade de expressão poderia permitir. Não. Seria apenas um indício concreto de que haveria vontade de perceber como funciona o poder político em Portugal. E sendo aí que os problemas apontados por Saldanha Sanches surgem com maior frequência, serviria para entender com a maior transparência, o funcionamento do nosso sistema democrático. Pouca coisa, como se pode ver. E muita coisa, certamente, para quem se associou em comandita com esse poder e agora só fala em frequência modulada ou onda curta.
Assim que os dizeres de Saldanha Sanches atingirem também a onda média, o público dará conta disso. Até porque nessa altura, Saldanha Sanches regressará provavelmente ao lar e deixará de ter os convites oficiais para a parecerística especializada.
Até lá, o discurso, pretensamente corrosivo, continua deletério e inconsequente, mesmo que prestado no Ministério Público que agora afronta. Inóquo, portanto.

Publicado por josé 12:55:00  

11 Comments:

  1. zazie said...
    Vendeu-se em grande
    lusitânea said...
    Os padres na missa também se fartam de fazer sermões acerca do bem e do mal e o mal campeia por aí
    Como diz o outro de bem intencionados está o inferno cheio.
    A verdade é que passada a veia revolucionária a malta deu-se conta de que o que conta é a massa e como em Portugal a massa está quase só no estado é ele que tem servir de teta.Os particulares ricos só dão um chouriço a quem lhes garantir um porco...
    Portanto todo o mundo sabe que é no estado a todos os níveis que envolvam decisões importantes que a corrupção espreita.O bloco central de facto não é bom porque tudo é combinado nos bastidores por poderes fácticos e é por isso que eles são tão amigos e até familiares.Têm arte (daquela que diz que quem parte e reparte e não fica com a maior parte ou é burro ou não tem arte...)
    Mas nada vai mudar porque sendo o bloco central uma área de interesses já bem instalados obviamente ninguém quer acabar com o leitinho e o mel...
    O SS foi-se queimar, como outros, dando a sua cara de "honestidade" a mais uma eleição.
    O problema é que ninguém vai legislar com leis "limpas", difíceis de tornear, com uma visão de conjunto, que finalmente fomente a cidadania, o mérito , a honestidade e a responsabilidade, "matando" definitivamente os corruptos , incapazes , incompetentes,nepotistas e traficantes de influências.
    Até pelos laços familiares o SS deve saber coisas que obviamente não divulga mas no que concerne ao MP eu vendo as incongruências recentes quer do caso do maior traficante de drogas da peninsula, quer dos casos Joana/PJ e ex-presidente da câmara de Poiares alguma coisa deve andar muito mal.Que o sr PGR deveria ter poderes para averiguar e actuar cortando , para exemplo, algumas cabeças
    Se é do sistema que este mude mas caramba são aparentes asneiras em demasia...
    PA said...
    Não é ao Ministério Público que cabe investigar os fenómenos de corrupção, desde que levantada a suspeita ?

    Ou dá muito trabalho ???

    Será de perguntar, creio, ao MP, que trabalho de investigação e que resultados produzidos, sobre esse contrato com a GalpEnergia, e tb sobre a corrupção que grassa no Poder Local. É uma responsabilidade deste orgão de Soberania.

    Creio que é para isso que o MP é pago.... (por nós Contribuintes).

    Ou serão os cidadãos, que terão de passar, a uma forma de actuação PIDESCA, vigiando e denunciando.

    Acho que misturar as oportunas críticas de SS, ao "Sistema", com o facto de SS ser mandatário da candidatura de AC, é no mínimo, desonesto, intelectualmente (perdoe-me a expressão).

    "Separe as águas", por favor.

    Os meus cumprimentos.

    PS - E por favor não me identifique, com o PS, porque não estou, "nem aí". Nem nunca estarei. Salve seja !:-)))
    zazie said...
    Quais suspeitas. A questão é apenas essa. Ou bem que ele aponta nomes e casos concretos ou está a falar com o boca cheia.

    Mas já se tinha vendido há muito mais tempo. Nem foi agora por causa das eleições para a Câmara.
    zazie said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    zazie said...
    Que há muitos que deviam estar na cadeia sabemos nós: é vox populi. Estranho é que de alguns desses até ele seja amigo e se apresente como defensor. No caso Casa Pia já ele se tinha enterrado por esse tipo de "amizades".
    Nem devia precisar disso para nada. Pena é que o possidonismo do carcanhol suba à cabeça.
    zazie said...
    Separar águas devia ter ele feito. Então vai-se juntar com um dos grandes traficantes de influências que é o Júdice e depois ainda tem a lata de dizer que muitos deviam ir de cana?

    E quanto é que lhe pagam para estudos de caca? Não os aceita ele também?

    E aceita-os como? por conhecimentos! por andar ao mesmo.
    zazie said...
    Claro que isto é duplamente cretino. Porque consegue fazer passar a imagem do "justiceiro independente" ao mesmo tempo que depois apresenta a do cínico dentro do sistema.

    E nem é novidade. Quanto muito agora meteu-se mais, mostrou mais esse cinismo porque também decidiu lucrar mais com ele.
    portolaw said...
    Obviamente que o homem fala de boca cheia, e por isso não concretizará nunca...até porque se ele sabe algo mais concreto lhe foi revelado, talvez, violando o segredo de justiça, em conversas extremamente privadas, a dois...
    opatrao said...
    a avaliar pelas horas a que os posts são submetidos... isto é malta que trabalha. Nota-se!!
    josé said...
    A avaliar pelo teor do comentário do patrão espreitador, nota-se que a inteligência a essa hora, estava a dormir a sesta.

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