Coisas nossas

Carmona Rodrigues, ao Expresso de hoje:

Quem trouxe a Bragaparques para Lisboa foi o dr. João Soares, convém lembrar. No princípio do mandato do dr. Santana Lopes, era eu vereador, e um dia ele disse-me: estão ali uns indivíduos, não tenho tempo, podes recebê-los? Entraram várias pessoas e diz-me o sr. Névoa: temos que resolver o caso do parque de estacionamento da Praça da Figueira. Mas o que é que se passa? Falta pagar. Mas o quê, alguma factura? Falta pagar o parque. Mas o quê, não receberam factura? Mas houve contrato? Não, nunca houve contrato. Mas houve um concurso? Não, não houve um concurso. Mas há um protocolo, uma nota de encomenda? Não. Mas há um processo na Câmara? Também não.
Portanto o parque de Estacionamento da Praça da Figueira foi feito assim.


Assim?! Vamos lá a ver por aí, o que se arranja como explicação para esta obra extraordinária, cujo assunto faz uma primeira página do Expresso, supostamente demolidora. Como a memória política, cívica e social costume ser cada vez mais curta, a ajuda necessária pode ser obtida na net. Por exemplo, aqui num blog de uma associação de cidadãos:

Parque da Praça da Figueira
Atribuído por concurso [então houve ou não houve concurso?] à Comporest, uma empresa do grupo Bragaparques, o parque da Praça da Figueira começou por ser objecto de controvérsia por causa da razia provocada pelas suas obras nos vestígios arqueológicos existentes no subsolo do largo[ então o IPPAR de nada soube, sobre este assunto nas suas barbas e sabe coisas sobre o túmulo de D. Afonso, em Coimbra?]. Para que o enorme caixão subterrâneo pudesse albergar os 530 lugares de estacionamento previstos, as suas escavações fizeram desaparecer o que restava do Hospital de Todos-os-Santos, das hortas medievais de São Domingos, de um bairro muçulmano e até de uma necrópole romana[ então quem é que mandava no IPPAR?!]. Condenada por numerosos arqueólogos e pela Quercus, a obra foi concluída em Setembro de 2001, mas a forma como a câmara geriu o seu envolvimento com a Bragaparques só veio a ser posta em causa no ano seguinte, já com Santana Lopes na autarquia [ e ficou assim, só agora fazendo a manchete do Expresso?]. "No acordo ficou estabelecido que a câmara não iria gastar nada. Entretanto surgiu um projecto de requalificação urbana da praça e agora a câmara recebeu uma factura da Comporest [no valor de 2,4 milhões de euros] que não tem tradução nem no projecto do parque nem no de requalificação da praça", disse o então vice-presidente Carmona Rodrigues. Santana, por seu turno, adiantou que não havia no município documentos justificativos de muitos dos trabalhos a que se reportava a factura e que também não havia qualquer contrato relativo à requalificação da praça solicitada por João Soares. O litígio arrastou-se até ser estabelecido um acordo, já em 2004, acabando a autarquia por pagar à Comporest 3,5 milhões de euros, menos 350 mil do que aquilo que já pedira em tribunal. O assunto nunca foi cabalmente esclarecido.

Este postal fica sem comentários de maior relevo que não este: duvido que na Europa da União, haja uma capital que possa ter exemplos destes para apresentar. Alguém se lembrou da Itália?
Nã…nem na Itália, quer dizer, na Sicília. Em Palermo, cidade com pouco mais de 500 mil habitantes, há um centro de decisão política democrática e ainda um centro de decisão ancestral e pleno de informalidades, onde durante anos a fio se determinava um tipo de imposto conhecido localmente como pizzo que os comerciantes e industriais pagavam sem bufar demasiado e mesmo assim, só dentro de portas. A bufaria exterior era resolvida com remédio tipo lupara.
Em determinada altura, o abuso atingiu tal importância que a população se revoltou contra a estrutura paralela e formou associações de defesa comunitária.
Nem por isso, apesar de tudo, se encontrará em Palermo um exemplo semelhante a este que agora é denunciado pelo Expresso.
Estou certo que não há casos destes na Europa da União e que daqui a dias, assentará arraiais, neste rincão, presidido por um primeiro ministro com uma autoridade moral fortalecida com a história exemplar do seu percurso académico extraordinário e que tem denotado uma dignidade pessoal e institucional acima de qualquer minudência ou fait- divers, perante a maior displicência e complacência dos autóctones mais esclarecidos, principalmente dos institucionalizados no poder político.

Publicado por josé 16:19:00  

11 Comments:

  1. lusitânea said...
    NAPOLEÕES E MANETAS É O QUE MAIS ABUNDA POR CÁ NESTA TERRA DE CEGOS.
    COPIEI O POST PARA O MEU BLOG.
    SÓ A JUSTIÇA TIPO MÃOS LIMPAS PODE ACABAR COM ESTE ESTADO DE COISAS.OS MESMOS DE SEMPRE JÁ CONSIDERAM ISTO COMO DELES...
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Outras "Coisas nossas":

    No passado dia 30, e a propósito da greve convocada pela CGTP, o Governo descobriu que até tinha havido uma "percentagem negativa de grevistas" (como se pode ler em: http://sorumbatico.blogspot.com/2007/05/grande-nmero.html )

    Hoje, foi a vez das "Estradas de Portugal" que, na sua ânsia de mostrar como a sinistralidade está a diminuir em Portugal, criou a figura dos "mortos negativos" (como se pode ler em http://sorumbatico.blogspot.com/2007/06/grande-vitria-das-ep-e-da-matemtica.html)
    naoseiquenome usar said...
    José,
    Permita-me:
    Começa a ser obssessivo. Sem o rigor que tanto reinvindica.
    Boa noite.
    josé said...
    Obsessão? Falta de rigor?

    Estamos a falar de um problema endémico e que o próprio Saldanha Sanches define assim:

    "Neste momento, é visível que há duas coisas em Portugal: um grau acentuado de corrupção e um grau muito acentuado de covardia. Nem uma nem outra são aceitáveis. Há que denunciar os agentes da corrupção, os cúmplices e as razões por que isso é mau para o País e para o seu crescimento económico." Entrevista à Visão, último número.

    Se isto for uma obsessão, então o que será o conceito de anomia? A normalidade?
    naoseiquenome usar said...
    Nada.
    Apenas o envolvimento de Saldanha Sanches na campanha (com tteia.odas as ilações possíveis) a retirar qualquer credibilide à "coisa". E José, não me venha co0m "estórias" ou moralismos! Chega. .......................... Não há nada que escape a esta teia.
    josé said...
    Se se refere à comparação, mantenho-a: coisas destas que se passaram com a Bragaparques em Lisboa e em Braga também, nem sequer na Sicília sucedem.

    Por um motivo simples: isto aqui é feito de modo completamente inadmissível e incompreensível. Pode nem sequer tratar-se de corrupção, mas o modo como sucedeu é simplesmente incrível.

    Qualquer indivíduo particular em qualquer ponto do pais que queira fazer uma obra particular, tem que apresentar um projecto e pedir aprovação que seguirá as regras legais estabelecidas.m Algumas delas contendem com entidades oficiais como o IPPAR e as direcções regionais de urbanismo e em matéria de ambiente. As regras legais são explícitas e rigorosas em certos casos.

    Aqui, neste caso, coisas tão básicas como a intervenção do IPPAR por causa de vestígios arqueológicos parece terem sido completamente postas à margem.

    Se isto não é um escândalo maior, não sei o que o seja.

    Contemporizar com isto?!!
    josé said...
    Lembra-se do que se passou com os edifícios onde funcionava a universidade Moderna?

    Parece que foi igual ou pior.

    Isto admite-se num país democrático?
    zazie said...
    È verdade e é uma vergonha como o IPPAR finge que não vê nem sabe o que importa que não veja nem saiba.
    Já o que aconteceu com o CCB foi outro escândalo arqueológico.

    A diferença é que esse ainda foi falado por esse motivo. Este agora, feito nem se sabe como, sem regras nem lei, nem papel escrito, fica impune à custa da epidemia de anomia geral.

    Há-de ser um bom caso de estudo para os arqueólogos do futuro. A liofilização da ética dos portugueses
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Não foi o IPPAR que deu "luz-verde" para se derrubar um troço do Aqueduto das Águas Livres para passar a CRIL? Ou estou a fazer confusão?
    Joao said...
    mas afinal quando começou o "negocio" da Praça da Figueira? Foi com o Santana? Com o Carmona? Com o Soares?
    josé said...
    E para o caso, será que isso interessa? Ou será que há distinção substancial a fazer?

    Se houver, há que dizer que começou com Soares, segundo declarou o próprio Carmona.

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