Impudor



Há quem pergunte de que é que se ri, este indivíduo...

Nas circunstâncias presentes será difícil de dizer e nem o próprio, se calhar, o saberá muito bem. Não é com certeza da notícia que lhe esmaga o retrato e ampara o cabeçalho; não será também da que lhe vigia o flanco, vinda do Brasil.

Poderia pensar-se que o riso viria da alegria de doar medula óssea a desvalidos da sorte. Nem isso. Quem doa, fá-lo de modo anónimo. Aqui, para além da doação serôdia, subsiste a publicidade ao acto, procurada acima de tudo, juntando-se a utilidade do mesmo à agradibilidade do gesto humanitário reconhecido, numa falsidade de anúncio publicitário.

A fronteira entre a obscenidade mais pura e a causa humanitária mais nobre, aqui, é fiscalizada pela vergonha inexistente.

O riso é, por isso, mera circunstância atenuante da impunidade reinante.

Publicado por josé 15:37:00  

23 Comments:

  1. zazie said...
    Um pano encharcado na cara. É a única imagem que me apetece recordar a propósito disto tudo.

    E a quantidade de poltõezinhos que vão atrás.

    Há-de ser genético. É impossível que tanta falta de vergonha seja apenas amor ao partido
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    MARIA said...
    Ora, ora, quanta incompreensão : o Senhor Engenheiro só quer servir de EXEMPLO aos Portugueses...
    Ele que já nos mostrara, e nesse particular bem, que a votação em político não depende de pessoa com quem se diga que durma, apenas continua a sua função pedagógica : desta feita, quer ensinar a doar.
    " Doe-se até , a medula ! " Parece bem. Pelo menos, temos tema em auditório...
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Apaguei o comentário que há pouco coloquei, pois acho que uma versão mais equilibrada é a seguinte:

    ---
    O CRITÉRIO DE J.S. (João Semana)

    COMO SUCEDE COM TUDO nesta vida, também a publicidade feita em torno da dação de medula óssea por José Sócrates pode ser vista sob muitos ângulos.

    Segundo um deles, e tendo em conta que se trata de um acto penoso e altamente meritório, há que reconhecer que é muito importante haver figuras públicas a dar o exemplo - nestas, como noutras coisas -, pelo que toda a publicidade é bem-vinda.

    Mas, e só por curiosidade, aqui fica um outro ponto de vista:
    Tive a sorte de ter tido, como professor de Português (no Liceu Camões, entre 1958 e 1960), Vergílio Ferreira que um dia, a propósito de «As Pupilas do Senhor Reitor», nos perguntou se sabíamos como é que João Semana dava as suas esmolas. Ninguém respondeu - até porque, sendo ainda garotecos, nenhum de nós tinha lido a obra.
    O mestre, então, deu-nos a resposta - que cito de memória -, da qual, evidentemente, queria que aproveitássemos a moral para a nossa vida futura:
    «Fazia-o sem ninguém ver, pois a solidariedade, quando é verdadeira, procura ser o mais discreta possível».
    josé said...
    Caro Carlos Medina Ribeiro:

    Vamos pelo lado mais favorável. O Primeiro-ministro, sensibilizado por alguns amigos mais ou menos chegados ( caso de Durte Lima), achou por bem sensibilizar a população para o problema da doação ( ou dação) de medula óssea e por isso, apadrinhou a campanha pessoalmente , poupando grossa maquia ao Ministério da Saúde, em publicidade.

    Este é o lado positivo que estou certo também contou.

    Esqueceu-se, porém, de uma coisa: em política o que parece, é. E o que inevitavelmente parece é que o primeiro ministro agarrou esta oportunidade com ambas as mãos para dar uma imagem positiva de si mesmo, depois da imagem que está irremediavelmente estragada depois dos episódios do diploma e da falsidade documental que o acompanha.

    Assim, um primeiro ministro, com assessores de imagem tão prestimosos como os que tem, tem de saber isto: este gesto público pode ter duas interpretações e uma delas, é simplesmente obscena.

    Mesmo assim, correu o risco de assumir a obscenidade possível, porque sabe que em Portugal o que conta é a imagem geral e essa conseguiria sempre passar: a de simpatia.

    Mero calculismo, portanto, o que só reafirma a obscenidade do gesto.
    É esta a minha interpretação.
    Cristina said...
    Este comentário foi removido pelo autor.
    Cristina said...
    José

    o acto do primeiro ministro sensibilizou-o para o problema? se sim, siga-o.já terá valido a pena.

    o resto esqueça, não interessa,mesmo. nem aos doentes nem às familias, nem a ninguém.
    infelizmente há sempre linguas afiadas prontas criticar, mas poucos braços para estender e ajudar.

    cumps.
    josé said...
    Cara cristina:

    Não preciso de um primeiro ministro, como este, ainda por cima, para me dizer o que tenho e fazer civicamente.

    Aliás, o gesto deste indivíduo enoja-me e provoca-me efeito contrário ao pretendido, quando penso no outro lado da questão.

    E tenho a certeza que existe esse outro lado.

    Já agora, pensaria duas vezes se o indivíduo decidisse doar...um rim!

    Lá chegaremos...

    Este tipo lembra-me cada vez mais o Collor de Melo.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Cara Cristina,

    Claro que, quando alguém faz coisas boas, há sempre alguém que vai ver se há alguma outra intenção, menos nobre, por trás.

    Ora, o critério para se saber se essa suspeita é justa ou justificada é relativamente fácil:

    A pessoa em causa mente com frequência? Preocupa-se demasiado com a imagem e com o que pensam dela? É um político em dificuldades?

    Apliquemos essas questões ao caso presente...
    Cristina said...
    Carlos
    José

    peço desculpa se a minha resposta lhes pareceu algo agressiva, mes sendo um tema que me é tão caro, não só pela profissão como por experiencia pessoal, para mim, QUALQUER iniciativa que ajude estas crianças (e até adultos) é válida. se foi feita com segunda intenção, é-me um pouco indiferente.
    levar lá um político ou um jogador de futebol, tanto me faz. a minha intervenção é nesse sentido, espero que me tenham entendido..

    um abraço
    josé said...
    Claro...o tema apela à nobreza de carácter.

    No fim de contas, o resultado é que conta, também. E se este primeiro-ministro se serve disto para promover a causa nobre, que seja.

    Porém, não deixa me me enojar, esta atitude.

    Estou certo que o Cavaco conseguiria melhor performance...
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Cristina,

    Claro, compreende-se perfeitamente.

    Mas como, neste caso, se tratou de um acto [que acabou por ser] mediático e público, é natural (e desejável) que seja observado pelos vários ângulos possíveis pelas pessoas perante as quais foi exposto.
    floreseabelhas said...
    Não faltam assuntos para criticar o PM, o governo inteiro, mas pegar neste era escusado. Imagino que o tenha feito num mau momento, até porque tenho a certeza que tb o José já doou medula.
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Se um político tem uma determinada acção meritória na sua vida privada, estará de parabéns, será lá com ele, e só há que esperar que não se arrependa.

    No entanto, se a torna pública e mediática, já não é bem assim - até porque é ele próprio que deseja os holofotes. E, se os deseja, está sujeito a que, com luz a mais, se veja tudo - incluindo o que não quer.

    -

    Imagine-se um político que, em plena crise de credibilidade, chama a C. Social para testemunhar que vai apagar fogos ou ajudar velhinhas a atravessar a rua. Claro que as velhinhas (se não forem forçadas - como na anedota do escuteiro que as atravessava à força), decerto agradecerão.

    Costuma-se dizer que o que importa é a intenção. Pois é...
    josé said...
    Sabe quem dizia que importante era a intenção, pelo menos tanto quanto a actuação?

    Pedro Abelardo, na Idade Média. Um rebelde.
    Eduardo said...
    O défice orçamental muito inferior ao previsto também é um anúncio publicitário? Ou isso não interessa? Isto já é cegueira. E, por isso, passo a dar pouco crédito ao que escreve. Porque parto do princípio que é simplesmente para atingir, independentemente de ter razão. Até um dia distante!
    Cristina said...
    Carlos

    se há ocasiões em que agradeço que os políticos não vão ao hospital como anónimos é EXACTAMENTE ESTE.

    sabe o que me incomoda? quando vão ao hospital por qualquer queixa pessoal e se fazem anunciar para que tudo esteja a postos. isso sim, incomoda-me infinitamente mais :)
    rb said...
    "Há-de ser genético. É impossível que tanta falta de vergonha seja apenas amor ao partido"

    E a inversa, não?
    Carlos Medina Ribeiro said...
    Eduardo,
    «O défice orçamental muito inferior ao previsto também é um anúncio publicitário?»

    Não misturemos as coisas, pois o défice orçamental tem a ver com o exercício de funções governativas. Se é bom e Sócrates o anuncia, faz ele muitíssimo bem - qualquer de nós faria o mesmo.
    .
    Mas não é esse o caso a que se refere este post:
    O que nele se comenta é a publicitação de um acto privado, a que os holofotes tiraram (pelo menos a meu ver) grande parte do valor - precisamente porque me permito duvidar que fosse praticado na ausência deles.
    Kruzes Kanhoto said...
    Este homenzinho não serve de exemplo a ninguém! Bem, talvez ao irmão...
    hotboot said...
    A maior vergonha deste pseudo-solariedade é que "ao comum dos mortais" é que a inscrição no CEDACE (registo português de dadores de medula ossea) é vetada a quem tenha mais de 45 anos MAS o PM tem 49 anos como tal "arranjou-se" uma "oferta" das associação portuguesa contra a leucemia que lhe "pagou" (coitadinho) os 110 euros que custam as análises para entrar no CEDACE. NUNCA se tinha posto a hipótese de alguem com mais de 45 anos se registar no CEDACE mesmo pagando as análises mas nós portugueses somos bons em "desenrrascar" amigos e inventando recomendações sobre o joelho. Lamentável...
    Unknown said...
    O oportunismo do gesto é por demais evidente.
    Quando uma pessoa legitima tantas dúvidas a seu respeito que não esclarece , não pode pretender servir de referência a ninguém seja para o que for.
    Em tais circunstâncias mais que falta de pudor e de reserva , é um desrespeito usar a necessidade dos outros desta forma.
    Alguém acredita, mas sinceramente, que este gesto determine qualquer outro cidadão a fazer o que quer que seja ? Claramente , não ! Era dispensável.
    Mas, também já lhe demos demasiada atenção, não ?...
    james said...
    O que me enjoa deveras é o Joaquim Letria e os seus muchachos.

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