Inspecções privativas
terça-feira, maio 08, 2007
Segundo o blog Do Portugal Profundo, a Inspecção-Geral do Ensino Superior, dirigida por Helena Dias Ferreira, entendeu agora, em 19 de Abril de 2007 que era altura de investigar documentos relativos a um aluno de uma universidade privada, cujo percurso académico suscitara já dúvidas fundamentadas, em Fevereiro de 2005.
O pedido então formulado pelo autor daquele blog, relativo ao percurso académico de um aluno específico e com altas responsabilidades políticas, acompanhado de referências suficientemente explícitas para suscitar uma investigação às diversas incongruências detectadas, a maior das quais consistia na obtenção de uma licenciatura de um curso superior, em 1996, relativa a um curso iniciado apenas um ano antes, segundo o mesmo blog, mereceu daquela inspectora- geral ( na altura sub-inspectora) uma resposta arquivada, datada de 7 de Abril de 2005, sucinta e reveladora de desinteresse numa eventual investigação:
“Por não ser assunto da nossa competência, tanto mais que não se trata de qualquer queixa, arquive-se”.
Como refere o autor do blog, a ausência de interesse em investigar, na altura da exposição dos factos que aliás, continuam actuais e alguns deles sem resposta satisfatória para o senso comum mais elementar, transformou-se agora em interesse de autoridade.
A Inspecção Geral da Ciência e do Ensino Superior, através de despacho assinado pela mesmíssima responsável, entende que tem todo o dever de exigir o acesso a vários documentos, entre os quais as pautas de Engenharia de 1993 a 1995, as informações estatísticas dos alunos de 1995 e 1996, “os documentos originais do processo do aluno n.º 95389” (José Sócrates) e os “livros de termos de Engenharia Civil de 1993 a 1996”.
Segundo o Correio da Manhã, de 19.4.2007, a universidade apesar da exigência governamental, “recusou entregar os documentos”, com a alegação de que os inspectores já lá tinham estado e não quiseram “levar os registos”, antes. Provavelmente por causa disto, o Governo apresta-se a aprovar legislação que consagre um dever explícito de colaboração das entidades inspeccionadas… para além de uma uniformização suspeita do regime jurídico das Inspecções-Gerais.
Estas atitudes públicas de altos organismos públicos inspectivos, levanta várias nterrogações:
O que dizer destas Inspecções Gerais da Administração Pública portuguesa?
Que confiança devem merecer ao cidadão que vê, ouve e lê?
Que democracia e que transparência democrática vamos tendo neste nosso país? Onde é que chegamos com esta displicência de arrogância pública, e como foi possível chegar até aqui?
A Inspecção Geral da Ciência e do Ensino Superior, à semelhança de outras Inspecções gerais, norteia-se obrigatória e legalmente, por princípios estruturantes, definidos além do mais, na Lei 4/2004 de 15.1 e nos estatutos respectivos. Um desses princípios é o da prossecução do interesse público e por isso o da “imparcialidade na actividade administrativa”, para além da “prestação de serviços orientados para os cidadãos”.
Em poucas palavras, uma Inspecção-Geral é um organismo público do Estado e que não deve estar ao serviço particular de um governo, um partido ou uma pessoa concreta, seja ela
ministro ou mesmo primeiro-ministro.
Isto que deveria ser claro como água, para qualquer país moderno em que a democracia não seja uma mera ficção formal, por cá, aparece turvo e fosco e com várias cortinas de fumo.
Os organismos inspectivos da Administração Pública, em qualquer país, cujo governo respeite os cidadãos que elegem os representantes do povo, merecem atenção e cuidado redobrado no seu funcionamento exemplar. Acontece isso mesmo em alguns países, mormente os que andamos sempre a imitar. Acontecia isso por cá, até há alguns anos atrás, em que as Inspecções Gerais e os seus altos funcionários tinham um prestígio de competência técnica, idoneidade moral e imparcialidade funcional, dignas de assinalar ao estado a que chegamos.
Um serviço público de inspecção, deve ter a suficiente autonomia para poder considerar-se um serviço que prossegue o interesse público, por vezes não coincidente com o interesse particular de tutelas específicas que nomeiam os dirigentes.
Os inspectores de carreira pública, altos funcionários do Estado, para além da idoneidade exigível, deveriam ser independentes de partidarismos e clubites partidárias, porque a lei e o dever de servir a causa pública não devem andar atrelados ao partido de momento no poder. Os poderes de supervisão do Estado não deveriam andar arrastados por poderzinhos de cliques partidárias e grupos de influência política que elege líderes. A democracia exige-o.
Porém, este tipo de afirmações, hoje em dia, em Portugal, provoca o riso generalizado em quem as lê, porque o descrédito a que se chegou nesse sector, é tão profundo e sistemático que os princípios básicos e fundamentais que continuam a ser escritos nos diplomas, apenas aí figuram por efeito mimético de outros em cuja redacção se basearam.
A prática, pela escolha generalizada de apaniguados partidários, de facção e de clique, para dirigir lugares de relevo, encarrega-se de colocar as coisas no seu devido lugar e de condicionar os princípios às conveniências.
A explicação encontrada pela Sub-Inspectora do Ensino Superior, em 2005, para chutar para o canto do desinteresse institucional, a investigação ao percurso académico de um aluno que exerce um relevante cargo público, com pormenores de escândalo evidente, baseia-se em algo absolutamente extraordinário.
No caso concreto, entendeu a alta funcionária que o assunto não era da competência da Inspecção e que aliás não se tratava de qualquer queixa…
Actualmente, e pelos vistos, já será assunto da competência da Inspecção e já existirá queixa.
Entre as atribuições da IGCES, encontram-se de facto as de “Atender e tratar as queixas dos utentes e agentes do sistema de ensino superior e do sistema científico e tecnológico, procedendo às necessárias averiguações”.
Quando um serviço inspectivo do Estado, decide arquivar um requerimento acompanhado de uma exposição de motivos tão explícita, como a efectuada em Fevereiro de 2005, pelo blogger em causa, com respostas evasivas daquele teor, que pensar desse serviço ( e de outros, aliás) , dos seus dirigentes e da qualidade da nossa democracia?
Aliás, segundo e vai sabendo, essa mesma inspecção não foi capaz de detectar nos estabelecimentos de ensino superior privado, como é o caso da Universidade Independente, factos, acontecimentos, documentos, modos de funcionamento, irregularidades, ilegalidades, crimes até ( a gestão administrativa, financeira e patrimonial também poderia ser sindicada pela inspecção). Nada se detectou. Nada se averiguou como devia ser, como a tutela já o confesspu explicita e implicitamente. Nada se esclareceu até que rebentou o escândalo. Escândalo esse publicitado através de jornais que repescaram a informação de 2005, do referido blog.
A Inspecção-Geral, sub-dirigida pela senhora Inspectora em causa, achava então que o assunto não lhe dizia respeito, não era da sua competência.
É altura de perguntar qual a sua competência para dirigir uma Inspecção-Geral e sugerir que saia. Não se percebe o que anda lá a fazer há tanto tempo...
Em tempo:
O presidente da República, Cavaco Silva, vem hoje reclamar publicamente, uma reforma das universidades, com vista à excelência e à comparação internacional: «Todos reconhecemos que faz falta uma reforma das nossas universidades, do governo das universidades, da avaliação das universidades e da acreditação das universidades".
Mas...então as leis e regulamentos dos governos de Cavaco SIlva, ele próprio professor, tal como a mulher, não chegaram para essa almejada excelência? Cavaco foi governante quase ininterruptamente, desde o início dos anos oitenta, no período importante da reforma do nosso sistema educativo, com excelências exaltantes e sumamente acreditadas, como João de Deus Pinheiro e Couto dos Santos. As suas políticas educativas marcaram o actual panorama das universidades, particularmente as privadas.
Pelos vistos, agora chega à conclusão que algo falhou estrondosamente, nessas políticas. Como bom político, em vez do mea culpa, atira as culpas para a frente. "Todos reconhecemos que faz falta uma reforma"...
Pois faz. Mais do que isso, uma barrela, é o que faz falta. A começar pelos serviços inspectivos e pelos profissionais da inspecção para inglês ver.
Se a Inspecção Geral do Ensino Superior, dirigido pelas altas individualidades referidas, tivesse feito o que era minimamente exigível; se tivesse aplicado e respeitado a lei vigente e tivesse dado cumprimento à sua missão e atribuições, não era preciso agora falar em reformas.
O presidente da República, também teria uma palavra a dizer, sobre isto, mas a sua palavra destina-se apenas a um efeito político imediato: fazer de conta que está atento e capitalizar politicamente.
É o costume. A burocracia e o dirigismo partidário, encarregam-se do resto.
Publicado por josé 12:11:00
Por alguma coisa os políticos abominam o "profissionalismo" da função pública, principalmente nos níveis de chefia...