Um ar do Tempo

O texto que segue, do espaço público do Público de hoje, é de um indivíduo que assina Nuno Rocha, "jornalista e ex-docente da Universidade Independente." Nuno Rocha foi director de um jornal semanário, chamado Tempo. Em tempos- finais dos setenta e início dos oitenta- era um dos poucos baluartes de imprensa de uma certa direita portuguesa quando a esquerda dominava completamente, como hoje, aliás, ainda domina, todo o espectro político da informação impressa.
Não obstante, o semanário tinha um je ne sais quoi esquisito que me afastava da sua leitura. O esquisito, descobri depois, afinal, era o seu próprio director. Coisa estranha. Não me lembro de ler um único texto que me soasse como algo genuíno, como acontecia com os escritos de José Carlos Vasconcelos, de O Jornal ou até os de Barata Feyo ou mesmo os de Sousa Tavares. Se a Direita portuguesa era aquilo, preferia sem dúvida ler a esquerda.
No Público de hoje, Nuno Rocha, desaparecido numa revista de nicho financiada, com certeza, de modo interessante, assina um artigo antológico e desta vez genuíno, em que explica nas entrelinhas, algumas das razões por que falhamos como país que gostaríamos mais civilizado, ao longo destes últimos 25 anos.
É ler...

Depois de ter vendido o Tempo, recebi um con­vite para ensinar Jornalismo na Universidade Independente. A universidade ocupava então umas instalações recém-construídas num edifício residencial junto ao Poço do Bispo e era rudimentar. O reitor Luiz Arouca convidou-me para um almoço onde surgiu o dr. Rui Verde. Os dois falaram-me sobre a universidade e convidaram-me para director do curso de jornalismo. Não aceitei o convite porque não ti­nha experiência de docência, mas ambos insistiram para que ingressasse na universidade. Como não tinha trabalho nessa altura, aceitei ser apenas professor e sugeri Marco Leão para dirigir o curso, o que ele aceitou rapidamente, até porque era também amigo do reitor.

Pouco depois o reitor e Rui Verde decidiram transferir a UnI para umas instalações livres na Gomes da Costa (na Opel), tendo para tal realizado uma operação financeira apoiada pelo BCP. Foi lá que nasceu a nova Universidade Independente, com magníficas salas e, também, com pro­blemas financeiros, já que eu próprio não recebia salário e era pago através de "acções" da universidade. Parecia um bom investimento para a minha vida.

As carências financeiras eram, no entanto, cada vez mais evidentes, pois outros professores não recebiam salários, o que sucede ainda hoje. Como a situação era desesperada apareceram novos investidores, como a família Neiva de oliveira e a Fundação Ilídio Pinho, que depressa deixavam de ser accionistas e partiam.

Para ajudar a universidade criei uma pós-graduação em Marketing Político, que foi um sucesso. Associei-me ao prof. Alejandro Pizarroso Quintero, da Universidade Complutense, e conseguimos a colaboração como pro­fessores de eminentes políticos como Carlos Encarnação, Jorge Coelho ou Ruben de Carvalho. Vieram professores espanhóis da Complutense, que se deslocavam a Lisboa todas as semanas, caso de J. Timoteo Alvarez. Muitos actuais autarcas e políticos conhecidos foram alunos dessa pós-graduação.

Quando decidi aceitar ser professor de Jornalismo, solicitei a Rui Machete, presidente da Fundação Luso­Americana, que me permitisse visitar, juntamente com Marco Leão, a universidade de Jornalismo em Boston e Nova Iorque. Percebi lá como o ensino do Jornalismo em Portugal era, de uma forma geral, mau. Não havia nem alunos (que faltavam todos os dias às aulas), nem livros, nem leitura de jornais. Mesmo assim, convidei para professores na independente pessoas como Joaquim Vieira,Fernando Cascais (presidente do Ceijor),Joaquim Letria, Diniz de Abreu, Fernando Balsinha, Cristina Branco e Mário Crespo. Foi um período em que lá se formaram excelentes jornalistas, como João Abreu, Carlos Moleira e Manuela Vicência, hoje os três na SiC-Notícias, ou Pedro Bello de Morais, da TVI. Chegámos a ser o curso univer­sitário de Jornalismo com mais alunos inscritos.

Do curso fazia parte, por exemplo, uma excursão anual a Madrid. Seguíamos de autocarro. ficávamos num hotel barato e, num dia bem preenchido, íamos à Universidade Complutense de Periodismo, onde o prof. Pizarroso dava uma aula, seguíamos para as instalações do El País, onde havia sempre uma palestra e se visitava a redacção e a enorme casa das máquinas, tudo antes de passarmos pela televisão Antena 3 a tempo dos noticiários da noite. Lá, Condorcet Costa, fundador da TVI, também falava aos alunos. Por fim, com base no curso e nos seus alunos em 1998, fundei a revista alunos. Por fim, com base no curso e nos seus alunos em 1998, fundei a revista mensal Media XXI, que ainda hoje continua a ser publicada.

Entusiasmado com todo este trabalho, convidei também o meu amigo Baptista Bastos e a Bárbara Guimarães. Contudo, sem experiência do jornalismo, o reitor cometia erros, como o de convidar para dar Língua Portuguesa uma jovem escritora. Queria dirigir, mas não sabia como, continuando a escola a debater-se com problemas de salá­rios em atraso. A universidade ficou mesmo a dever a um professor meu amigo um ano de salários. Mas ninguém, como sucede hoje, protestava. Ou sabia que o dr. Verde e o reitor Arouca compravam andares na "Expo" e faziam grandes excursões de iate. A pouco e pouco a universi­dade foi-se extinguindo, aparecendo apenas alunos para aulas nocturnas e muitos vindos de África.
Eis, pois, como o caso da independente ilustra o ro­mance ou a tragédia da universidade portuguesa. E desta sociedade de lobbies e de "oportunistas".

Em 18 de Julho de 2002 deixei a Universidade Independente na sequência de um pequeno AVC que sofrera, uma semana antes, depois de uma reunião na escola. Foi num período em que a universidade vivia uma agitação fora do vulgar e quando estava a tentar construir mais um novo curso, uma pós-graduação de Desporto. Quem me trouxe a ideia foi Jorge Schnitzer, que deixara a SIC depois de um contencioso. Com ele fui a Barcelona convidar Cruyff, que fora fundador e director de mini curso de Marketing de Desporto numa universidade catalã, convidando-o a apoiar-nos no projecto. E quando Cruyff veio a Lisboa, conseguimos ser recebidos pelo secretário de Estado do Desporto, José Lello, e que o Presidente Jorge Sampaio também o recebesse. O eco na imprensa foi enorme e rapidamente começaram a afluir à Independente dezenas de candidatos.

Só que enquanto tentava formar um corpo de pro­fessores, Schnitzer tratava de se apropriar do curso, rondando o gabinete do reitor e do dr. Verde.

Com o curso cheio de alunos, o dinheiro entrava a rodos e o reitor e o dr. Verde sonhavam com grandes lu­cros. A dr.a Mafalda Arouca, filha do reitor, entrou então no processo e o Schnitzer parecia-me mais inquieto do que ninguém. Até que se começou a falar de contas - e as contas eram a tragédia de sempre do prof. Arouca e do dr. Verde. [Eu devia lembrar-me porque, quando quis fundar o Tempo, o prof. Arouca ofereceu-me 500 contos para ser accionista, passou o cheque e, poucos dias depois, disse que estava com problemas na PIDE e que era melhor devolver os 500 contos, pois não queria ser preso. Foi o que fiz imediatamente.] Ficou assim o Schnitzer como director do curso de pós-graduação do Desporto, tendo pedido colaboração a Emídio Rangel. Mas pouco tempo duraria, tendo Emídio Rangel deixado já a Independente.

Desta forma se foi destruindo uma universidade para que entrei com orgulho e de onde saí porque tinha che­gado o tempo de outros. Os de que falei atrás.

Publicado por josé 18:24:00  

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