O faro

"Ao mais alto dos suspeitos , que tinha dado o nome de James W. McCord, Jr, foi-lhe dito para se aproximar. Era calvo, com um nariz largo e chato, um queixo quadrado, dentes perfeitos e uma expressão benigna, que parecia incongruente com os demais traços, bem vincados.
O Juiz perguntou-lhe a ocupação.
"Consultor de segurança", respondeu.
O Juiz perguntou onde.
McCord, numa voz em arrastamento suave, disse que se tinha reformado do serviço, havia pouco tempo. Woodward passou para a fila da frente e inclinou-se para diante.
"Onde, no governo?", perguntou o Juiz.
"CIA", murmurou McCord.
O Juiz contorceu-se ligeiramente.
"Holy shit", silabou Woodward a meia voz, a CIA.
Apanhou um táxi para a redacção e relatou o depoimento de McCord. Oito repórteres foram chamados a delinear a história, sob a batuta de Alfred E.Lewis. À medida que a prazo limite das 6h e 30m. se aproximava, Howard Simons, o editor do Post, chegou ao gabinete do editor dos assuntos da cidade, no lado sul da redacção.
“É uma história e peras”, disse ao editor de cidade, Barry Sussman, e deu ordens para a colocar na primeira página da edição de Domingo.
O primeiro parágrafo da história dizia: “Cinco homens, um deles dizendo-se antigo funcionário da CIA, foram presos às 2h e 30m de ontem, naquilo que as autoridades descrevem como um plano elaborado para colocar sob escutas os escritórios de cá, do Comité Nacional Democrata.
Uma investigação de grande júri federal tinha já sido anunciada, mas ainda assim, na opinião de Simons, havia ainda demasiados factos desconhecidos para fazer da história do assalto, a manchete do dia.
"Podiam bem ser uns doidos cubanos", disse.
De facto, o pensamento de que o assalto poderia ser algo da responsabilidade dos Republicanos, parecia implausível. Em 17 de Junho, 1972, menos de um mês antes da convenção Democrática, o presidente ia à frente de todos os candidatos democratas já anunciados, com uma vantagem, nas sondagens, de nada menos que 19 pontos. A visão de Richard Nixon sobre a emergência de uma maioria republicana que governaria o último quarto de século, como os democratas o tinham feito nas duas gerações antecedentes, parecera possível.”

Esta passagem do livro de Woodard& Bernstein, All the president´s men, permite ler várias coisas:
O jornalismo americano dos setenta, ainda pode ensinar muito ao jornalismo português actual.
Uma notícia em modo de reportagem, sobre um assunto complexo e ainda desconhecido, precisa do faro dos editores dos jornais, suficiente para perceberem que um facto isolado, poder ter um potencial noticioso importante e até mesmo imprescindível, se devidamente explorado.
O modo de noticiar tais factos, começa sempre…pelo princípio e segue a rota do faro jornalístico se ele existir, com persistência e acreditando na verdade que se poderá vir a descobrir.

Em 18 de Junho de 1972, o repórter Bob Woodward, ao ouvir que um dos assaltantes do Watergate, tinha sido da CIA, afinou as orelhas e deverá ter pensado: aqui há marosca.
E havia. Dois anos depois, a História deu-lhe razão total. E é por isso que ainda hoje é lembrado.

Get it?

Publicado por josé 19:48:00  

2 Comments:

  1. james said...
    O chamado elogio ao jornal Público a propósito da "investigação" sobre habilitações académicas do PM.

    Cego é aquele que não quer ver.

    Qualquer comparação com o jornalismo americano é pura coincidência, desculpe que lhe diga.
    para mim said...
    Este comentário foi removido pelo autor.

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