A liberdade está a passar por aqui
quinta-feira, março 22, 2007
17de Junho de 1972. Nove da manhã de Sábado. Cedo para telefonemas. Woodward tacteou o auscultador e acordou num instante. O editor de cidade do Washington Post estava em linha. Cinco homens tinham sido presos nessa madrugada, num assalto às instalações do partido Democrático e tinham com eles equipamento electrónico e fotográfico. Poderia chegar lá?
Woodward trabalhava para o Post há oito meses e estava sempre à espera de um bom trabalho de Sábado, mas este não lhe parecia tal coisa. Um assalto às instalações locais dos Democratas era mais do mesmo a que ele já estava habituado- investigações acerca de restaurantes sem condições sanitárias e pequena corrupção policial. Woodward gostaria de já ter saído disso; tinha acabado uma série de histórias sobre a tentativa de assassínio do governador do Alabama, George Wallace e agora parecia-lhe que voltava de novo para o buraco. (…)
Os primeiros detalhes da história tinham sido telefonados, do interior do edifício Watergate por Alfred E.Lewis, um veterano com 35 anos de relatórios de polícia para o Post. Lewis era uma espécie de lenda no jornalismo de Washington- meio polícia, meio repórter, alguém que se vestia muitas vezes com camisolas azuis da Polícia Metropolitana abotoadas até ao fim por cima de um cinto metálico com a estrela de David. Em 35 anos, Lewis jamais “escrevera” uma história; telefonava os detalhes para um escriba e durante anos, o Washington Post nem sequer tivera uma máquina de escrever nas esquadras de polícia.
Os cinco homens presos às 2 horas e meia da manhã, vestiam fatos de homens de negócios e usavam todos, luvas cirúrgicas Playtex. A polícia apreendera um walkie talkie, 40 rolos de filme não revelado, duas câmeras de 35 mm, gazuas, armas de gás lacrimogénio, e aparelhagem de escuta aparentemente suficiente para escutar conversas de telefone e de ambiente. Um deles tinha 814 dólares; outro 215, outro 234 e outro 230, Lewis tinha ditado. A maior parte em notas de 100 dólares, em sequência….pareciam saber o que se passava à volta; pelo menos um deles devia ser bem familiar com o sítio. Tinham quartos no segundo e terceiro andares . Os homens comeram lagosta no restaurante local. Um usava um fato comprado na Raleigh´s. Alguém teria visto os bolsos de dentro.”
Woodward soube por Lewis que os suspeitos iriam ser presentes a tribunal, essa tarde, para uma audição preliminar. Decidiu ir lá.
Este texto, extraído das primeiras páginas do livro de Bernstein & Woodard, All the president´s men, de Fevereiro de 1974 ( publicado em Portugal pela Bertrand, nesse mesmo ano), anunciam os primeiros factos que conduziram à queda do presidente Nixon, dois anos mais tarde.
O planeador do assalto, Howard Hunt, ex-agente da CIA, em Maio de 74, três meses antes da demissão de Nixon, confessava à revista People que viu a missão como qualquer outra, depois de tanto tempo a trabalhar para a CIA: “aquilo que a Casa Branca mandava fazer, era lei”.
Nixon, durante os 800 dias que separam o assalto a Watergate, da sua resignação, tentou encobrir a verdade dos factos, aldrabando.
Provou-se que em 23 de Junho de 1972, apenas seis dias depois do assalto, Nixon, soube o que se passava, deu ordens directas aos envolvidos, para que a CIA impedisse as investigações do FBI, escondeu provas, mentiu e deixou também provas gravadas dessas conversas, em fitas magnéticas. Nixon, tinha decidido anteriormente, gravar secretamente todas as conversas que mantinha e inexplicavelmente deixou as provas gravadas da sua participação no encobrimento do caso. A obrigatoriedade de entrega às autoridades judiciais, depois de lutas renhidas nos tribunais, dessas gravações, em Agosto de 1974, determinou a resignação, em directo na tv nacional, depois de ter admitido em 5 de Agosto de 1974, que de facto, naquele dia 23 de Junho dera instruções para o encobrimento. Admissão fatal, para a credibilidade de quem até ali, tinha sempre negado qualquer conhecimento dos factos.
A prova, a “smoking gun” fora essa gravação que o próprio Nixon teve que entregar.
Perante a iminência do impeachment, então já requerido, Nixon vai à tv e resigna.
Em 17 de Novembro de 1973, numa conferência de imprensa, Nixon disse “não sou um patife”, I´m not a crook.
Os repórteres Woodward e Bernstein, na investigação que realizaram, abriram o caminho à descoberta da verdade, com ajuda de um informador anónimo que assim ficou até Junho de 2005. Apesar de todo o encobrimento. o jornal prestou um grande serviço à causa da liberdade de expressão e de imprensa.
O Expresso de 10 de Agosto de 1974, dirigido então por Francisco Pinto Balsemão, escrevia assim sobre o assunto:
Watergate, para nós significa essencialmente liberdade de imprensa. Porque não esqueçamos, tudo começou com a curiosidade de um grupo de jornalistas do Washington Post apoiado incondicionalmente pelo seu director. O mérito da sua acção não está em terem feito cair um Presidente. O mérito está em terem denunciado publicamente o clima de ilegalidade, o gangsterismo que se instalara na Casa Branca, que tudo corrompia, que tudo e todos procurava comprar.
Ao longo destes dois anos, o Washington Post e os seus jornalistas sofreram toda a espécie de pressões para se calarem. Mas eles, conscientes dos seus direitos ( e deveres) não cederam."
Aditamento em 23.3.2007:
Quase 33 anos depois deste texto editorial do Expresso, da responsabilidade de Balsemão, quem temos hoje no lugar de Balsemão, para escrever algo que possa, ainda que de modo remoto, assemelhar-se, no espírito e na letra? O próprio, só se for para desdizer o que disse.
Aliás, nem é preciso. Temos Nicolau Santos. Leiam aqui, para entender a que ponto chegou a democracia portuguesa que se pratica no jornalismo.
Publicado por josé 21:33:00
Vêm aí, os preliminares, queridos!...
Nem vale a pena falar de outro asssunto aqui, nem sequer vou referir a importância do trabalho dos blogues nisso: "Ça va de soi".
Parabéns, António, parabéns "Braganza Mothers".
Ontem, na Assembleia, já a voz de porcelana lhe tremelicava, do alto dos saltos altos, quando o David do P.S.D. a toureava com a Ota.
Toda a gente sabe que ela é uma "Mulher" à Beira de um Ataque de Ota.
Hoje, dão-lhe um tiro nos Saltos Altos, e põem-lhe em causa aquilo que
é -- para lá da virilidade, suponho, senão não apregoava por toda a parte que namorava com uma mulher, como se isso não fosse uma evidência estatística... -- a Vaidade.
Uma mulher daquelas, no país dos Doutores, tinha de ser licenciada, pelo menos, para ser tratada por "Doutor", "Major", "Mister" -- essa do Mister é das coisas mais carinhosas que eu já ouvi, no Futebol...
Parece que a Licenciatura dela são um punhado de papéis mal enjorcados, e com a fachada calcinada.
Licenciada pelos Manuscritos do Mar Morto.
Mas, para mim, que sou um coração de ouro, já chorei hoje, acreditem, lágrimas sinceras, pelas palavras contidas naquele fax dirigido ao Mestre: "Caro Professor, aqui lhe mando os dois decretos (o de 1995 fundamentalmente) responsáveis pelo meu actual desconsolo."
O que eu chorei hoje, sobretudo 12 anos passados.
Felizmente que para tais "desconsolos" estão as "sex-shops" com as prateleiras cheias de veneráveis calibres.
Bob Woodward, por coincidência, era um jovem estagiário mas que até tinha como informador dentro da Casa Branca o número 2 do FBI... Depois, não acha estranho que os "canalizadores", ao serviço da CIA, tivessem sido presente ao juiz num sábado de manhã dando assim oportunidade a que o jornalista - que foi acordado de propósito - ficasse a saber que a CIA estava metida naquilo?... Quem queria afastar Nixon da Casa Branca não teria feito melhor... Kissinger, por exemplo, beneficiou e muito... O jornalismo livre não existe... Existe apenas aquele que se autoriza que seja livre enquanto interessar a quem interessar e, quando deixar de interessar, é esquecido pelos jornalistas que perdem a memória ou os ditos cujos...
As teorias de conspiração à volta dos casos americanos, já deram para escrever muitos livros e o Watergate não é excepção.
Aquilo que por aqui escrevi, baseou-se em artigos na revista Time, do tempo ( 19 de Agosto de 1974) que guardo e apresenta uma resenha do que foi a presidência Nixon e a que viria a seguir de Gerald Ford. Ainda tinha meia dúzia de páginas com um apanhado dos acontecimentos até essa data.
O livro de Woodward e Bernstein que tenho é a versão americana que tenteii traduzir como pude e sei.
Na net, sei que há um ror de informações, mas prefiro confiar nas fontes da época e só lá vou para checkar datas e nomes quando preciso. A Wikipedia tem um artigo muito bom sobre o assunto.
Quanto ao facto que refere, acho curioso que visse ligação estranha nos mesmos. Repare:
Os canalizadores, capitaneados por Gordon Liddy ( já alguma vez consultou o site do indivíduo? É de morte, pode crer...), sob plado de Hunt, antes de 17 de Junho já tinham tentado entrar no local.
Nesse dia, sexta à noite, foram apanhados pouco depois da meia noite pelo polícia de giro.
Foram muito naturalmente conduzidos à esquadra,onde ficaram a aguardar pelo Sábado para serem presentes ao juiz, em audiência preliminar.
Até aqui parece-me tudo normal e sem qualquer ponta de possibilidade de conspiração. Nessa altura não havia telemóveis, e a possibilidade de falar com advogado era garantida.
Porém, nenhum deles acreditava que seria desmontada a operação e ligado a outros responsáveis, noemadamente o presidente. Como Hunt que tinha sido agente da Cia, disse pouco depois ( em 73), estava preparado para fazer o que a Casa Branca mandasse.
Aliás, o principal erro de Nixon, partiu dele mesmo: introduziu a regra de mandar gravar todas as conversas mantidas e foi assim que foi apanhado.
O mistério verdadeiro, ainda não inteiramente esclarecido é saber por que razão, Nixon deixou que se gravasse algo que deveria saber que o viria a comprometer.
Mas pode haver uma explicação simples: nunca lhe passou pela cabeça que alguém o viesse a trair, revelando o que até então era secreto e que eram as tais gravações e ainda nunca lhe terá passado pela cabeça que as coisas iriam até onde foram.
É esse o encanto deste caso singular que deu um filme ( que tenho) e artigos infindos e deu a fama e o proveito a Bob Woddward que desde então já publicou mais livros interessantes.
Acaba a bater no Nicolau Santos que só conheço pelo laço ao pescoço.
Mas da credibilidade dos jornalistas de serviço ou carpideiras do regime já eu sei...
Não, não vejo a liberdade a passar por aqui.
Antes pelo contrário!
A liberdade está mesmo a passar POR AQUI. Não por ali.
Porém, há 33 anos, prometeram ( Balsemão foi deputado e primeiro ministro, além de muitas mais coisas) que a liberdade deveria passar por ali também.
Não cumpriram. Se tivessem cumprido, provavelmente não estavam onde estão.
Por isso, tem lógica.
Farto-me de elogiar esse vulto que mencionou! Ele é o bravo, o núncio, o precursor da novidade que vem das bandas executivas e V. ainda diz que eu o ataco?!
Leia por favor tudo o que tenho escrito ultimamente sobre o nosso núncio e verá que aplaudi com as mãos atrás das costas, o que vi escrito sobre as universidades privadas; sobre as conclusões do inquérito parlamentar e ainda sobre a sua particular posição de princípio acerca do que são os tribunais, juízes e mp´s.
Meu caro: Vital Moreira é do melhor que por cá vamos tendo, o que diz muito da qualidade intrínseca das nossas elites.
Diga lá: vê algum vulto semelhante em França?
Talvez um Rosanvallon?
Leu o artigo na Marianne desta semana, sobre Alain Minc?
Sobre Woodward:
Estamos a falar de Junho de 1972, quando o repórter do Washington Post, começou a escrever sobre o caso que o tornou célebre, com apoio do Deep Throat que morreu em 2005, Mark Felt.
Em Agosto de 1974, na semana em que Nixon resignou, a TIme fez uma número de antologia que guardo.
Estou nas tintas que tenha em tempos carregado nas dos Republicanos. O argtigo que citei, é uma maravilha de síntese objectiva.
Quanto ao que se passou agora, com o caso Plame-Scooter, passo por enquanto.
NO melhor pano cai a nódoa...
Le Minc aparece na Marianne com um quadro fotográfico a representar Beckett, por trás, na sala ampla onde se senta numa cadeira de recosto de Eames.
No painel da mesa, uma exemplar da revista Trends.
Depois diz uma coisa desconcertante: Tenho três vidas. A minha vida no business; a minha vida de ensaista e a minha vida no Monde. E depois, evidentemente, conheço a classe política. Mas estas existências não se sobrepõem.
No plano profissional defino-me como um banqueiro de negócios à moda antiga, tal como essa profissão se praticava nos anos 50-60, antes de os bancos de negócios mudarem para fábricas."
De MInc ainda tenho um livro que comprei na altura em que a França andava muito preocupada com o advento aterrador da República dos Juízes, no tempo da Eva Joly e outros Ruymbeckes.
O livro foi comprado em 98. Sabe que o que tenho na contracapa, recortado do Público de 24.11.1998?
Um artigo de Vital Moreira intitulado "Os juízes e os políticos", sobre o caso Leonor Beleza, então pronunciada e com afirmações dos desembargadores que afectaram o sossego de Vital que zurziu então na legitimidade de os mesmos se pronunciarem sobre figuras do estilo de Mário Soares.
Isto, anda tudo ligado, caro FAR..
Obrigado pelo favor que me fez de me recordar a minha decisão de há dois anos, de deixar de ler o Expresso e ignorar assim os seus recados.
Se algum dia pudesse sentir-me arrependido, este editorial do Nicolau Santos que linkou, chegou para provar que tomei a decisão acertada, tendo poupado ao mesmo tempo uma data de massa.